Vida moderna

Juiz nega indenização por uso indevido de imagem em campanha

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5 de junho de 2002, 17h21

O juiz da 6ª Vara Cível de Campinas, José Luiz Germano, rejeitou pedido de indenização por uso indevido de imagem para uma jovem. O juiz levou em consideração o fato de a jovem já ter 18 anos quando autorizou o uso das fotos em campanha publicitária de um parque aquático.

Ela queria ser indenizada por danos morais e materiais. Alegou que cedeu a foto gratuitamente, sem a orientação dos pais. Argumentou que se sentiu explorada por causa da pouca idade. Germano não acatou os argumentos e disse que a foto nada tinha de sensual ou apelativo.

O novo Código Civil, que entrará em vigor apenas no próximo ano, reduz de 21 anos para 18 anos. O juiz entendeu que, na prática, a jovem já tinha plena consciência do que estava fazendo, mesmo sem a assistência dos pais. “Hoje, uma pessoa de 18 anos tem muito mais conhecimento do que antigamente alguém mais velho tinha”, disse o juiz.

“Em segundo lugar, o novo Código Civil, que em menos de um ano entrará em vigor, reduziu a maioridade de 21 para 18 anos. E reduziu porque as pessoas de 18 anos em 1916, quando foi publicado o Código atual, não existem mais, em todos os sentidos. Os jovens de hoje não se comparam com os jovens do início do século passado. No caso das mulheres em particular, há algumas décadas elas nem sequer votavam, por mais cultas que pudessem ser e mesmo que fossem plenamente adultas. Além disso, quando se casava, tornava a ser relativamente incapaz e ficava sob o jugo do marido, como se fosse uma criança, um animal ou um objeto”, afirmou Germano.

Segundo o juiz, atualmente “as mulheres disputam tudo com os homens em pé de igualmente e em muitos casos os superam”.

Leia a sentença

SEXTA VARA CÍVEL DE CAMPINAS – SP

Processo 1398/00.

Vistos.

A. L. P. N. P. propôs a presente ação de indenização contra WET’n WILD – MÉTODO OPERADORA DE PARQUES AQUÁTICOS LTDA. e PORTAL PUBLICIDADE LTDA., alegando que foi contratada pelo requerido em outubro de 1998 como salva-vidas, função que exerceu até fevereiro de 2000, quando tomou a iniciativa de pedir demissão, mas pouco tempo depois foi surpreendida com a veiculação de sua imagem numa publicidade da requerida, o que lhe causou constrangimento porque não foi informada dessa campanha; que a foto foi utilizada para a feitura de um “folder” de circulação interna do parque; que como empregada do parque não viu como poderia negar anuir a esse pedido, embora sem autorização de seus pais, o que era necessário na época porque tinha apenas dezessete anos; que as fotos posteriormente foram levadas ao grande público e para a mídia em geral; que a campanha teve um apelo sensual não apropriado para uma menina menor de idade; que a publicidade foi veiculada não só em Campinas, mas teve alcance nacional, inclusive pela internet; que houve uma utilização indevida de sua imagem e isso é ilícito e deve ser indenizada, inclusive em relação aos seus danos morais, já que as rés se beneficiaram com essa utilização. Quer ainda danos patrimoniais.

A contestação de Wet’n’Wild está a fls. 71 com a alegação preliminar de incompetência do Juízo porque deve ser processada na sua sede; que há ilegitimidade passiva, pois existe um instrumento particular firmado entre a ré e a empresa Serra Azul Water Park S/A para a campanha publicitária, de modo que autora permitiu o uso de sua imagem; no mérito disse que não cabe qualquer indenização porque o uso da imagem foi autorizado pela autora para a empresa Serra Azul Water Park S/A; que a autora já tinha dezoito anos e sete meses quando assinou a autorização; que as fotos foram espontaneamente tiradas e posadas; que a ré é empresa conceituada no mercado e jamais praticaria um ato ilícito dessa natureza; que sempre houve um bom relacionamento entre as partes, de modo que não cabe pagamento de danos morais ou de danos materiais, até porque danos morais não existiram.

A ré Portal Publicidade Ltda. contestou a fls. 81, alegando preliminarmente ilegitimidade passiva, pois nenhum fato foi alegado contra a empresa Portal; que apenas faz o trabalho por ordem e por conta dos clientes anunciantes e não por conta própria; que a autora foi contratada pela Serra Azul Water Park para fazer a publicidade e a empresa Portal não teve nenhuma participação; que a imagem foi cedida não para um simples “folder”, mas sim para uma campanha publicitária mais ampla; que quando da assinatura do contrato ela já tinha dezoito anos; que a autora foi contratada e pediu demissão sem assistência de seus pais, os quais sempre souberam da campanha publicitária e jamais manifestaram qualquer oposição; que a propaganda não teve nenhum apelo sensual; que as roupas eram adequadas para uma piscina; que não há qualquer dano a ser indenizado.

A réplica está a fls. 96 e o Ministério Público manifestou-se pela rejeição das preliminares e pela produção de provas. Foi designada audiência de tentativa de conciliação, mas nela não se chegou a nenhum acordo.


As partes não mostraram interesse na produção de provas orais e então foi aberta oportunidade para que elas apresentassem seus memoriais, tendo o Ministério Público opinado apenas pela concessão de danos materiais.

Em apenso estão os autos de um incidente de exceção de incompetência, que já foi julgado.

É o relatório.

Decido.

Considero a ré Portal parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda. De fato, o que se tem aqui é uma discussão contratual porque a autora cedeu a sua imagem sem a autorização de seus pais, sem que eles lhe tivessem dado assistência naquele momento.

A Portal é uma agência de publicidade com quem a autora jamais teve qualquer relacionamento jurídico. Também não se vê na conduta da Portal qualquer ato ilícito gerador de sua responsabilidade civil.

A Portal foi contratada pelo Wet’n Wild para intermediar a sua campanha publicitária junto aos veículos de divulgação, como é próprio do trabalho das agências de propaganda.

Em suma, a Portal não fez publicidade alguma e sim apenas prestou os seus serviços para que o Wet’n Wild fizesse sua campanha publicitária. O parque aquático já tinha tirado algumas fotos e as cedeu, no seu exclusivo interesse, para que a Portal executasse o seu trabalho, mas isso não tornou a Portal responsável por eventuais erros do parque aquático.

A empresa Portal é, pois, parte ilegítima para figurar no pólo passivo desta demanda. No que diz respeito ao parque aquático o pedido improcede.

Considero irrelevante que a cessão dos direitos de imagem tenha sido feita para Serra Azul Water Park S.A., pois na verdade trata-se, no fundo, do mesmo grupo empresarial, tanto que no documento de cessão da imagem aparece o nome Wet’n Wild (fls. 79). Na cabeça da autora, como de qualquer pessoa, a imagem foi cedida para Wet, n Wild e pronto. É isso que será considerado.

O que mais importa neste caso não é saber se os direitos de imagem foram cedidos para a Serra Azul ou para o Wet’n Wild, que praticamente se confundem. Distingui-los é um preciosismo jurídico que não ajuda a fazer justiça no caso presente. O que importa aqui é que a autora cedeu o uso de sua imagem. Se a cessão foi para a Serra Azul ou cedeu para Wet’n Wild é o que menos importa.

Importante sim é decidir se essa cessão foi ou não válida. Entendo que a cessão foi válida sim, em razão das muito especiais peculiaridades do presente caso.

Em primeiro lugar, a autora já tinha 18 anos quando firmou a cessão. Essa idade não é nada desprezível. Se de um lado quem tem 18 anos não tem plena capacidade, não é menos verdade que o direito trata de forma muito diferente quem tem 18 do quem tem 16, por exemplo.

Hoje, uma pessoa de 18 anos tem muito mais conhecimento do que antigamente alguém mais velho tinha. O meu filho de 11 anos é uma criança e como tal imatura, mas tem conhecimentos de história, ciências e geografia que eu não tenho e me deixam boquiaberto. Vivemos na era da informação. Se a autora fosse uma pessoa despreparada, nem sequer teria sido aceita como guarda-vidas, uma das mais graves funções que alguém pode desempenhar num parque aquático.

Se a autora era capaz de salvar vidas de outras pessoas, como dizer que ela não pode gerir sua própria vida? Não podia ela ter cedido a divulgação de sua imagem de forma tão positiva como a que foi feita?

Em segundo lugar, o novo Código Civil, que em menos de um ano entrará em vigor, reduziu a maioridade de 21 para 18 anos. E reduziu porque as pessoas de 18 anos em 1916, quando foi publicado o Código atual, não existem mais, em todos os sentidos. Os jovens de hoje não se comparam com os jovens do início do século passado.

No caso das mulheres em particular, há algumas décadas elas nem sequer votavam, por mais cultas que pudessem ser e mesmo que fossem plenamente adultas. Além disso, quando se casava, tornava a ser relativamente incapaz e ficava sob o jugo do marido, como se fosse uma criança, um animal ou um objeto.

Hoje as mulheres disputam tudo com os homens em pé de igualmente e em muitos casos os superam. Leciono em uma Universidade e noto que a cada dia o número de mulheres em sala de aula aumenta.

Na semana passada eu completei 15 anos de magistratura, o que não é tanto tempo assim. A autora, que é ainda jovem, já era nascida quando isso aconteceu. Pois bem, até aquela época, o maior número de mulheres aprovadas num concurso para juiz era três. Em suma, os aprovados eram quase que exclusivamente homens.

No meu concurso, de 62 aprovados, 57 eram homens. Só passaram cinco mulheres, mas aquele grupo era, ainda assim, o que tinha mais mulheres de todos os temos. De lá para cá várias mulheres já conseguiram o 1o lugar e em vários concursos elas têm tido número similar ou mesmo maior que os homens. Uma moça do meu concurso passou em 6o lugar com apenas 23 anos, somente cinco anos mais velha que a autora quando esta cedeu sua imagem. Lembro-me de um membro do Ministério Público que ingressou na carreira com 21 ou no máximo 22 anos. Seriam os jovens incapazes? Por que a autora, aos 18 anos, não poderia ter cedido a sua imagem para algo tão positivo quanto uma campanha publicitária?


Atento a todas essas mudanças, em menos de um ano, as pessoas de 18 anos vão poder fazer sozinhas qualquer contrato. Até a idade núbil será rebaixada. A autora, mesmo no direito atual, já tem idade para se casar, que é algo de muito maior responsabilidade e de mais numerosas conseqüências do que uma simples cessão da imagem para publicidade. E mais, se casasse sem autorização dos pais, ela mesma não poderia pedir a anulação do casamento, mas somente seus pais; se tivesse do casamento nascido um filho, nem os pais, nem ela e nem ninguém poderia anular o ato. Além disso, ela poderia ratificar o casamento com efeitos retroativos, logo que completasse a maioridade (arts. 183, XI, 209, 210, 211, 212, 215 e 216).

A autora poderia já ter votado em duas eleições, pois esse direito começa aos 16 anos. Ele poderia pilotar um avião. Ela poderia dirigir um automóvel. Ela poderia responder criminalmente. Caso quisesse, ela poderia ter relações sexuais com qualquer adulto sem precisar de autorização de seus pais e sem cometer qualquer ilícito. Poderia com isso ficar grávida, ser mãe, contrair uma doença como a aids; poderia beber, poderia fumar, poderia assistir a qualquer espetáculo, mesmo o dirigido para o público adulto. Um jovem de 18 anos pode ser alistar nas forças armadas e até mesmo ir para a guerra e morrer (Art. 9º, § 2º, Código Civil). A autora não precisava da assistência dos pais para conseguir um emprego, pedir demissão, receber quitação de verbas rescisórias, de acordo com a CLT, que é protetora dos empregados. Se tantas coisas são permitidas, por que deveria eu considerar que ela não podia ter cedido sozinha a sua imagem para uma campanha publicitária que só lhe trouxe prestígio com o reconhecimento público de sua beleza?

Não há motivo justo para não se entender que esse direito novo (plena capacidade aos 18 anos) deva desde já ser aplicado à autora. Ela é uma mulher do ano 2000 e não de 1916. O direito está adiante da lei e esta vem a reboque dos fatos, pois somente depois que a sociedade demonstra pelos fatos, aos seus legisladores, que a lei está desatualizada e precisa ser mudada é que os membros do Congresso mudam as leis, não sem antes muito discutir.

Ora, se o próprio legislador, ciente de que o mundo e a sociedade têm mudado tão rapidamente, decidiu tornar os maiores de 18 anos plenamente capazes, por que não considerar desde já a autora plenamente capaz, ao menos para este ato específico da cessão da imagem, que em nada a prejudicou?

Se a lei que está a caminho diz que os maiores de 18 são capazes, não vejo porque não sejam eles assim considerados desde já. Não está com isso sendo preterido nenhum princípio geral de direito, mas apenas uma regra, que por sinal está com os dias contados e já agoniza. E as meras regras, principalmente as agonizantes, são muito, muito menos importantes do que os princípios gerais de direito, que praticamente não mudam nunca, como é o caso da isonomia ou o devido processo legal.

Aliás, são tantos os efeitos atualmente já concedidos às pessoas de 18 anos que podemos dizer que o princípio atual, ressalvadas algumas poucas exceções que nem sempre se justificam, é de que as pessoas de 18 anos são, na prática, plenamente capazes. Essa é uma constatação de fato, que agora será o direito, tão logo entre em vigor o novo Código Civil, que apenas vai sacramentar o assunto e encerrar a discussão.

A prova demonstrou que o trabalho de modelo fotográfico chegaria no caso presente ao valor de uns quatro salários mínimos. Pois bem, nos juizados especiais podem ser processadas causas de até 40 salários mínimos, nada menos que dez vezes mais. Porém, a lei diz que as pessoas de 18 anos não precisam de assistência para requerer nos juizados. Quem pode litigar, pode contratar.

Art. 8º – Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

§ 2º – O maior de dezoito anos poderá ser autor, independentemente de assistência, inclusive para fins de conciliação.

O Código de Defesa do Consumidor é altamente protetor, tanto que chega a prever condutas típicas criminosas para punir os maus fornecedores e defender os consumidores. Em alguns casos há circunstâncias agravantes, por exemplo, quando a vítima tem menos de 18 anos. Isso significa dizer que quem tem 18 anos, até mesmo pelo Código de Defesa do Consumidor, é tratado como se tivesse 21 ou 25 anos, vide o dispositivo abaixo.

Art. 76 – São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste Código:

IV – quando cometidos:

b) em detrimento de operário ou rurícola; de menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental, interditadas ou não;


Quando é para proteger o menor ou impedir que algo o prejudique, a lei lhe dá vários benefícios. Por exemplo, quando se trata de doação pura, pode o menor, mesmo o absolutamente incapaz, aceitar a doação.

Art. 1.170 – Às pessoas que não puderem contratar é facultado, não obstante, aceitar doações puras.

O menor não pode contratar pessoalmente, mas isso não é uma regra absoluta, pois ele pode receber doações puras porque elas não lhe geram qualquer prejuízo. Pois bem, qual foi o prejuízo que a autora teve com a campanha publicitária? Eu mesmo respondo: nenhum. Ao contrário, ela teve os seus dias de fama, de glória, de valorização, de orgulho, etc. Não foi por acaso que o Ministério Público, que atuou no caso na tutela dos interesses da autora, opinou no sentido de que não houve danos morais.

Quem tem pelo menos 18 anos já é quase tão capaz quanto alguém de 21, tanto que há várias formas de a plena capacidade ser antecipada, como nos mostra o art. 9o do atual Código Civil.

Art. 9º – Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.

§ 1º – Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 18 (dezoito) anos cumpridos;

II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo;

IV – pela colação de grau científico em curso de ensino superior;

V – pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.

§ 2º – Para efeito do alistamento e do sorteio militar cessará a incapacidade civil do menor que houver completado 18 (dezoito) anos de idade.

Por analogia ao inciso III, pode a autora ser considerada capaz pelo fato de que já exercia o seu próprio emprego e ganhava o seu dinheiro, como ocorre com o funcionário público de cargo efetivo. Em tese, se a autora recebesse uma pensão alimentícia de seu pai, este poderia pedir a redução ou a exoneração, pelo fato de a filha já estar trabalhando e ganhando o seu sustento, apesar de ter menos de 21 anos. Quantas coisas uma pessoa de 18 anos pode fazer!

Será que uma empresa de ônibus deve exigir de alguém com 18 anos uma autorização dos pais para que ela pegue o coletivo para ir à escola? Não temos aí um contrato de transporte? E para deixar um carro no estacionamento, onde se celebra um contrato de depósito? E mesmo para que alguém com essa idade comprar um lanche ou um refrigerante? Não há aí um contrato de compra e venda? Tudo isso seria anulável?

É verdade que é anulável o ato jurídico por incapacidade relativa do agente (art. 147).

Art. 147 – É anulável o ato jurídico:

I – por incapacidade relativa do agente (art. 6º);

Porém, essa nulidade é apenas relativa, tanto que o ato produz normalmente todos os seus efeitos até ser anulado, além do que essa nulidade não pode ser reconhecida de ofício e ainda é possível a ratificação do ato, que em tal caso tem efeito retroativo.

Art. 148 – O ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo direito de terceiro.

A ratificação retroage à data do ato.

Art. 152 – As nulidades do art. 147 não tem efeito antes de julgadas por sentença, nem se pronunciam de ofício.

Nem sempre um ato jurídico praticado por alguém com menos de 21 anos é desconsiderado pelo direito. O que a lei permite em alguns casos é a possibilidade de anulação da obrigação contraída por um menor sem assistência. E a autora não pediu essa anulação. Nem os seus pais pediram. O que ela quer é só o dinheiro.

Art. 154 – As obrigações contraídas por menores, entre 16 (dezesseis) e 21 (vinte e um) anos, são anuláveis (arts. 6º e 84), quando resultem de atos por eles praticados:

I – sem autorização de seus legítimos representantes (art. 84);

Pois bem, qual é a obrigação que a autora tem a ser cumprida? Nenhuma. Ela só tinha que posar para a foto e deixar que ela fosse divulgada. Isso já ocorreu. O que houve foi um contrato de execução instantânea, que não está sujeito aos efeitos do tempo. Não há motivo para que o contrato seja anulado porque não há mais nada para a autora fazer. No máximo, caberia uma indenização, que já disse aqui não é devida porque não houve prejuízo.

As pessoas com 18 anos não são tratadas pelo Código, mesmo o atual, como bebês, tanto que, se um jovem oculta dolosamente a idade, em atenção ao princípio da boa-fé, nada pode ele reclamar depois (art. 155)

Art. 155 – O menor, entre 16 (dezesseis) e 21 (vinte e um) anos, não pode, para se eximir de uma obrigação, invocar a sua idade, se dolosamente a ocultou, inquirido pela outra parte, ou se, no ato de se obrigar, espontaneamente se declarou maior.

Não quero com isso dizer que a autora tenha enganado o parque ou mentido a sua idade. Absolutamente. Não foi isso que aconteceu. O parque sabia a idade dela, mas a tratou como uma pessoa adulta, não exigindo a assistência de seus pais. O que quero salientar é que mesmo das pessoas mais jovens se cobra a boa-fé, o propósito de não prejidicar os outros, a ausência de malícia.


Tanto um menor de 21 anos não é um coitadinho que, se ele pratica algum ilícito, deve responder pessoalmente para a reparação dos prejuízos causados, ao contrário de quem tem menos de 16 anos, quando então a responsabilidade é só dos pais.

Art. 156 – O menor, entre 16 (dezesseis) e 21 (vinte e um) anos, equipara-se ao maior quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos, em que for culpado.

No caso presente, no máximo, seria possível a anulação do contrato feito com a autora sem a assistência de seus pais. Repito que a autora não pediu isso. Depois de anulado o negócio, as partes então tornariam ao estado anterior (art. 158) . Porém, como não seria possível desfazer a campanha publicitária, a única solução possível seria uma indenização pelos danos sofridos pela autora. Quais os danos que a autora sofreu? Nenhum. E a falta de prejuízo faz com que a autora não deva ser indenizada.

A autora não sofreu danos morais. Danos materiais ela também não sofreu porque não ficou mais pobre com a divulgação da foto. Poderia ela ter ganho algum valor com a cessão de sua imagem, se o contrato tivesse sido oneroso, mas foi gratuito, o que era possível. Muitos pais até pagariam para que seus filhos aparecessem na propaganda de um out door.

Aliás, o que os pais gastam com inúmeras idas e vindas com seus filhos em cansativos testes fotográficos nem de longe compensa o pouco que eles ganham quando muito raramente a criança ou jovem é aproveitada para algum comercial. A exceção fica por conta das pessoas famosas, o que não é o caso da autora.

Art. 158 – Anulado o ato, restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.

A autora quer se passar por vítima, mas não é essa a realidade. O que ela quer é ganhar dinheiro fácil e de má-fé, na medida em que cedeu a sua imagem e agora quer com isso ganhar muito dinheiro, como se não a tivesse cedido, apenas argumentando que a cessão não teve a assistência de seus pais.

Até mesmo o Ministério Público constatou que não teve a campanha publicitária nenhum apelo sensual. A autora não foi sexualmente explorada e nem foi enganada. O réu é um parque aquático e as pessoas nele vão para se divertir na água, o que se faz com trajes de banho, exatamente como a autora está vestida na foto divulgada.

Ao contrário do que as câmeras de TV fazem com modelos, artistas e bailarinas, não houve exposição da sensualidade da autora. A foto apresentada não tem nada, absolutamente nada de apelativa.

A autora está se apegando a um detalhe (a falta de assistência dos pais) para levar uma vantagem indevida, para tentar atingir o patrimônio do réu, pois quem cede a imagem de graça não pode depois querer cobrar ou ser indenizado por isso.

Já pensou se cada participante do programa “No Limite” resolvesse pedir danos morais pelo constrangimento de o Brasil inteiro assisti-los comendo baratas e olhos de cabras?

Já pensou cada participante do programa “Big Brother Brasil” pedir uma indenização pelo fato de sua privacidade ou intimidade ser mostrada ao vivo 24 horas por dia, durante semanas, na TV por assinatura?

Já pensou se cada pessoa que é humilhada no “Programa do Ratinho” depois pedisse uma indenização?

Quem participa desses programas, quem aceita posar para uma foto publicitária faz isso porque quer e, se já tem 18 anos, não pode discordar depois e exigir uma indenização.

A autora não teve dano moral e principalmente não provou ter sofrido qualquer dano moral. Com certeza ela não provou porque não sofreu dano algum. Ao contrário, a autora deve ter sido elogiada, cumprimentada e se sentido muito orgulhosa de ser considerada uma pessoa tão bonita que foi escolhida para fazer uma propaganda.

A autora sabia que a foto seria veiculada, tanto que a cessão menciona todos os meios que poderiam ser usados, inclusive internet. O prazo também foi convencionado como indeterminado.

Por não ser profissional, como ela mesma diz, a autora cedeu sua imagem gratuitamente e nisso não se vê nada de mais. Como já disse, pessoas sem fama não só não cobram como até pagam para aparecer e ficar famosas.

É por isso que o serviço de um modelo fotográfico não renomado é barato, como os próprios orçamentos existentes nos autos comprovam. A ré sabia disse e teve a cautela de obter por escrito a cessão da imagem da autora, de modo que jamais iria correr o risco de ter que pagar uma indenização elevada só para economizar alguns poucos reais. Isso não tem o menor sentido. É por isso que não consigo ver no comportamento do parque aquático qualquer sinal de má-fé.

Nem mesmo os danos materiais devem ser pagos, pois houve uma cessão de imagem, que reputo válida e que foi conscientemente feita de forma gratuita. Ora, se a autora cedeu a sua imagem gratuitamente, não lhe cabe agora pedir pagamento, nem mesmo de 1, 2 ou 3 salários mínimos, pois as obrigações devem ser cumpridas como foram assumidas (pacta sunt servanda), que popularmente ganhou versão num ditado que diz: o que é combinado não é caro. Ela combinou não cobrar nada, então nada deve ser pago.

O que a autora fez aqui foi uma aventura jurídica, cujos riscos de insucesso ela conscientemente correu. O que ela fez tangencia a litigância de má-fé.

Assim, julgo improcedentes os pedidos formulados por A. L. P. N. P. contra WET’N WILD – MÉTODO OPERADORA DE PARQUES AQUÁTICOS LTDA., com base no art. 269, I, CPC. Excluo do processo a ré PORTAL PUBLICIDADE LTDA., o que faço com base no art. 267, VI, do CPC. Condeno a autora a arcar com as custas do processo em reembolso e os honorários dos advogados das partes contrárias, que arbitro em R$ 500,00 para cada uma, com base no art. 20, §3o, do CPC.

P.R.I.

Campinas, 08 de maio de 2002.

JOSÉ LUIZ GERMANO

JUIZ DE DIREITO

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