Sem exagero

Empresa de tecnologia briga com telecom por domínio na Internet

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

26 de julho de 2002, 16h48

Uma liminar da Justiça Estadual pernambucana obrigou a operadora de telefonia de longa distância Intelig a retirar do ar, no dia 21/7, os nomes de domínio ‘intelig.com’, registrado em 5/6/2000 e ‘intelig.net.br’, registrado em 3/9/1999.

A decisão beneficiou a empresa de tecnologia Inteligência Informática S.A., que detém o domínio ‘intelig.com.br’ desde 6/1/1997. Segundo o caderno de Informática do portal Paraná-Online, essa empresa é especializada no desenvolvimento de sistemas, consultoria e help-desk. Sua carteira de clientes inclui a Companhia Vale do Rio Doce, Bradesco, Noberto Odebrecht, Sul América Seguros, Grupo Iberdola e Ministério da Fazenda.

Na decisão, o juiz Dorgival Soares de Souza, da 15ª Vara Cível de Recife, disse: “pertenço à geração do ‘Capitão América’ o ‘Fantasma’ e ‘Jerônimo o Herói do Sertão’, todavia, atualmente me deparo com um mundo diferente, o denominado Mundo Virtual, onde conheci e aprendi a admirar o ‘Homem Aranha’ a ‘Corrida Maluca’ e ‘Dom Pixote’, época diferente, com grande recurso virtual, introduzido pela internet, que nos faz viver melhor, trazendo alegrias e até fortes emoções.”

Para o magistrado, o ambiente virtual ainda requer um melhor disciplinamento no direito positivo, pois “ainda se ampara em Resoluções Ministeriais que não atendem as necessidades jurídicas de busca de valores para se dirimir os litígios oriundos do relacionamento comercial entre as partes que operam no novo ramo”.

E sustentou a consagração no Brasil do “princípio da prevalência do primeiro requerimento”, citando sábia decisão do juiz Jorge Américo, da 9ª Vara Cível, no caso envolvendo duas empresas do ramo de medicamentos daquela Capital.

Veja o inteiro teor da liminar:

Processo nº 001.2002.003584-6

15ª Vara Cível de Recife/PE

R. H. Vistos, etc.

Inteligência Informática S/A, já qualificada os autos, ajuizou Ação de Sustação de Uso e Cancelamento de Registro de Domínio na “Internet”; Cominatória da Obrigação de Fazer, Cumulada com Perdas e Danos contra Intelig Telecomunicações S/A, também qualificada, requerendo dentre outros pleitos o pedido liminar de antecipação parcial dos efeitos da tutela jurisidicional, tendo narrado que é detentora de domínio na internet, sob o registro www.intelig.com.br, conseguido através de procedimento regular perante o órgão competente – FAPESP – em data de 06/01/97, operando regularmente na internet, formando um capital e desenvolvendo seus negócios com empresas de grande porte, conforme enumeração na petição inicial, ocorrendo, que aproximadamente 5 (cinco) anos ocorreu o início das suas operações, a empresa ré com predominância de capital francês, veio instalar-se no Brasil, na forma de empresa nacional, para exploração da lucrativa atividade das telecomunicações, promovendo uma milionária campanha de marketing, tendo, logo no início das suas operações, detectado na internet o registro do domínio www.intelig.com.br, pertencente à autora, tendo efetivado contatos no sentido da aquisição do direito de exploração daquele domínio virtual, conforme comprovantes anexos, tendo sido frustrada a negociação entre as partes, a parte ré valendo-se do artifício de registrar idêntico domicílio eletrônico fora do país, efetivou o registro na forma de www.intelig.com, assim como o mesmo domicílio com o sufixo “net”, ambos domicílios eletrônicos utilizados comercialmente pela ré, advindo daí, prejuízos as suas atividades empresariais, pois vem ocorrendo indução de uso aos usuários, tanto da autora, quanto da ré, acostando vários documentos.

O Juízo às fls. 1433 despachou para se pronunciar sobre o pedido liminar de tutela antecipatória após o decurso do prazo para oferecimento da contestação, determinando a citação da parte ré, a qual, ofereceu contestação às fls. 1445/1663, vindo a mesma acompanhada dos incidentes de impugnação ao valor da causa e de exceção de incompetência do Juízo, cujos feitos já foram apreciados e se encontram apensos ao presente feito.

Outrossim, em sua contestação a parte ré argui as preliminares da falta de jurisdição, do litisconsórcio passivo necessário e da incompetência absoluta do Juízo, sendo a última um reforço ao seu pleito contido no incidente de exceção de incompetência relativa do Juízo da 15ª Vara Cível da Capital, cujo incidente já apreciado, o qual, clamava a competência para apreciar e julgar a presente demanda o Juízo da Comarca do Rio de Janeiro, em face da localização da sua matriz naquela jurisdição, por sinal com total rejeição daquele pleito, mantendo-se a competência prevista no art. 100, inciso V, letra ‘a” do CPC.

Portanto, rejeitada a incompetência relativa do Juízo processante do feito, torna-se inviável no momento, o conhecimento prévio da preliminar contestatória de incompetência absoluta do Juízo, haja vista, o disposto o art. 113 do CPC.

Ademais, no mérito da peça contestatória a parte ré argui que as atividades empresariais das partes envolvidas na presente demanda são diferentes, assim, não ocorrendo conflito nos sinais que determinam os domínios na internet, sendo, que a FAPESP não impede a inscrição de domínios idênticos em categorias distintas, ainda, que a parte autora é litigante de má fé, rogando as razões completas da sua defesa para contrariar o pleito de tutela antecipatória.

Ora, pertenço a geração do “Capitão América” o “Fantasma” e “Jerônimo o Herói do Sertão”, todavia, atualmente me deparo com um mundo diferente, o denominado Mundo Virtual, onde conheci e aprendi a admirar o “Homem Aranha” a “Corrida Maluca” e “Dom Pixote”, época diferente, com grande recurso virtual, introduzido pela internet, que nos faz viver melhor, trazendo alegrias e até fortes emoções.

Todavia, o tão bem vindo mundo virtual ainda requer um disciplinamento melhor no nosso direito positivo, pois ainda se ampara em Resoluções Ministeriais que não atendem as necessidades jurídicas de busca de valores para se dirimir os litígios oriundos do relacionamento comercial entre as partes que operam no novo ramo.

Mas, invocando o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Pátrio c/c o art. 3º do CPC passo a apreciar o pleito antecipatório da tutela jurisdicional parcial observando o pleito principal que fora a negociação entre as partes do direito de uso do domínio da autora (www.intelig.com.br), cujo registro deu-se anteriormente na FAPESP ao domínio adquirido pela ré, estando ambas em plena atividade comercial.

No Brasil, encontra-se consagrado o princípio da prevalência do primeiro requerimento, para efeito de registro na internet, fazendo-me relembrar sábia decisão no âmbito da 9ª Vara Cível do Recife, da lavra do polivalente jurista, o Dr. Jorge Américo, quando fez aplicar em seu decisório, tal princípio, envolvendo duas empresas do ramo de medicamentos da Capital.

Desta maneira, entendo presente a verossimilhança do direito da parte autora alegado na sua peça inicial, dado a sua preferência e preexistência do seu domínio virtual (www.intelig.com.br), conforme Resolução nº 1, de 15 de abril de 1998 do Comitê Gestor, no seu art. 1º e §3º (Comitê Gestor Internet do Brasil do Ministério das Comunicações e Ministério da Ciência e Tecnologia, ficando provado o periculum in mora, em face dos erros cometidos pelos usuários da rede.

Isto posto, concedo a tutela parcial jurisdicional no sentido de determinar a empresa ré até ulterior deliberação judicial se abstenha de utilizar os domínios eletrônicos na internet conhecidos como www.intelig.com e www.intelig.net.br, até decisão final na presente demanda, sob pena no pagamento de multa-dia a partir da intimação respeitando-se o prazo de quarenta e oito (48) horas, cujo valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por descumprimento.

Publique-se e intime-se os interessados, devendo a parte autora no prazo de lei se pronunciar sobre a contestação e documentos de fls. 1445/1663.

Recife, 09 de julho de 2002.

Dorgival Soares de Souza

Juiz de Direito

Atualização: A Câmara de Férias do Tribunal de Justiça de Pernambuco concedeu em 23/7, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, Des. Jovaldo Nunes Gomes, liminar parcial no Agravo de Instrumento nº 84.664-4 proposto pela Intelig Telecomunicações Ltda:

Não vejo qualquer exagero na decisão recorrida, salvo no tocante ao prazo concedido para cumprimento da obrigação imposta, que, segundo entendo é extremamente exíguo, face as complicações e reflexo que advirão da retirada do sistema da referida expressão. No particular procede a alegação da agravante. Ante o exposto o meu voto é no sentido de CONCEDER, parcialmente, a medida liminar requerida para o fim único e exclusivo de fixar em 15 (quinze) dias o prazo para o cumprimento da obrigação, a partir da intimação desta decisão, mantendo-se, no mais, até o julgamento deste recurso, a interlocutória do primeiro grau, inclusive no tocante a multa imposta, caso não cumprida a ordem no prazo aqui referido (15 dias) …“.

Atualização II: A operadora está veiculando o seguinte comunicado ao público em seu site (10/9):

“Redirecionamento Temporário de Websites

Para acessar o site da Inteligência Informática, use o endereço: www.intelig.com.br

Para acessar o site da Intelig Telecomunicações, use o endereço: www.intelig23.com.br

Esclarecimento: Por decisão liminar da Justiça de Pernambuco em ação movida pela Inteligência Informática (empresa sediada naquele Estado, que registrou o domínio www.intelig.com.br), a Intelig, empresa espelho de telecomunicações (que atua em todo o território nacional) está impedida, temporariamente, de usar os seus domínios próprios, legalmente registrados (a saber, www.intelig.com e www.intelig.net.br). A Intelig está buscando cassar, na Justiça, a liminar em questão e a reparação dos prejuízos causados. Até nova decisão da Justiça, que pode ocorrer a qualquer momento, sugere-se que os interessados passem a usar os endereços listados acima, adicionando-os à sua lista de favoritos.”

Veja a íntegra da decisão do TJ/PE.

Veja também: TJ/PR nega pedido para anular domínio parecido

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    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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