Pena branda

Washington Olivetto: Anatomia de um Seqüestro

Autor

  • Liliana Buff de Souza e Silva

    é Procuradora de Justiça aposentada do Ministério Público de SP sócia fundadora do Movimento do Ministério Público Democrático e assistente do MP no processo-crime em que Washington Olivetto figura como vítima.

25 de julho de 2002, 15h57

Os crimes que vitimaram Washington Olivetto produziram inaceitável tragédia existencial e social a todos quanto repugnam a barbárie e a violência.

Os seis sequestradores, presos em flagrante dia 2 de fevereiro passado, são ex-integrantes de organizações consideradas clandestinas: o Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR) e a Frente Patriótica Manuel Rodriguez (FPMR). Tais organizações foram criadas no Chile, para combater as arbitrariedades da ditadura militar. Mas, com a abertura democrática daquele país, perderam sentido a luta e as ações armadas em que se empenhavam.

Dividiram-se os integrantes dessas organizações entre os que elegeram a linha política para implementar seus objetivos e que passaram a atuar dentro de partidos políticos, no Estado de Direito, e aqueles que, por ausência de princípios democráticos, insistiram em suas imposturas, em seus desvios criminosos, em ações armadas, agora já não mais em nome de uma causa nobre ou heróica, mas para financiar a clandestinidade dos grupos mesmos e a própria conta bancária.

Os integrantes dessas organizações ilícitas aqui vieram cometer seus crimes, para obter dinheiro, dizendo que iriam destiná-lo à organização deles, “para consecução de seus objetivos políticos”. E quais seriam esses objetivos políticos, que não foram declarados e não passaram de alusões genéricas, de trivialidades desprovidas de conteúdo?

Ostentando agora o perfil de organizações criminosas, verdadeiras máfias, vieram seus integrantes atuar em nosso país, talvez incentivados, no dizer de César Quiróz, também ex-integrante da FPMR, pela propalada impunidade aqui reinante, “porque no Brasil há pessoas com muito dinheiro, por causa de sua segurança pública, que tem falhas e pode ser rompida com maior facilidade (“O Estado de S.Paulo”, 7/2/02)”.

Este grupo criminoso armado, em princípio coordenado por Mauricio Hernandez Norambuena e Alfredo Augusto Canales, usou a mesma organização utilizada em 1992, no Chile, no sequestro de Cristián Edwards del Rio, filho do proprietário do jornal chileno “El Mercúrio”, que ficou 145 dias em cativeiro. Norambuena foi preso, condenado à prisão perpétua duas vezes, por aquele sequestro e pelo assassinato do senador chileno Jaime Gúzman.

Fugiu, porém, do “Cárcel de Alta Seguridad”, em 1996, junto com seus comparsas Ricardo Palma Salamanca, Patrício Ortiz Montenegro e Pablo Muñoz Hoffmann, que se suspeita, dentre outros, tenham participado dos hediondos crimes perpetrados contra Olivetto.

Um sequestro que demorou mais de dez meses para ser planejado. No período, outras possíveis vítimas foram vigiadas e tiveram suas vidas devassadas. Foram alugados inúmeros imóveis. Todos os participantes da quadrilha tinham tarefas bem distribuídas e ordenadas. Escolheram Olivetto. Sequestram-no e o torturaram; tortura que atingiu seus amigos e familiares de forma indelével.

Repugnam-me a violência e as ações criminosas. Por isso, não posso reprimir minha indignação e inconformismo ante a afabilidade com que foram tratados os sequestradores, seja pelas obsequiosas atitudes que lhes foram dispensadas durante a instrução criminal, seja pela brandura da pena que lhes foi imposta pelo Juízo de primeiro grau.

A sentença prolatada nem de longe acompanhou o grau de reprovabilidade da conduta dos sequestradores e se afastou da legislação penal em vigor ao não reconhecer a prática dos crimes de quadrilha ou bando e o de tortura, bem como ao fixar o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade.

Ninguém quer para os criminosos a tortura e a violência que eles impõem às suas vítimas. Tratá-los civilizadamente, contudo, não afasta a dureza das sentenças e das penas.

Diante das provas coligidas contra os sequestradores de Olivetto, aguardava-se severa e rigorosa reposta penal para todos eles. Esses delinquentes profissionais fortemente armados e com muito dinheiro integram, sim, quadrilha ou bando.

Se a associação deles para o cometimento dos delitos não constitui bando estável, é de indagar o que será preciso para comprovar em Juízo o crime de quadrilha. Estatutos inscritos, com cotas de participação? O argumento de que foi um único crime praticado não se sustenta, porque o crime de quadrilha é autônomo e punível independentemente da prática de qualquer outro.

Torturaram a vítima de forma inclemente e insensível. E não foi reconhecido o crime de tortura. E mais, móvel político não se transmite geneticamente.

Não podemos mais tolerar as ações de quem confisca a liberdade, negocia a sobrevivência e até se dispõe a matar, se não satisfeita a própria cupidez. Cremos na democracia, em seus princípios e métodos para alcançarmos a Justiça. O crime apenas deteriora a sociedade. Deve ser reprimido, sem contemplação.

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    é Procuradora de Justiça aposentada do Ministério Público de SP, sócia fundadora do Movimento do Ministério Público Democrático, e assistente do MP no processo-crime em que Washington Olivetto figura como vítima.

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