Modernização tecnológica

A Informática Jurídica, a Juscibernética e a arte de governar

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

17 de julho de 2002, 10h06

A Informática Jurídica é o processamento e armazenamento eletrônico das informações jurídicas, com caráter complementar ao trabalho do operador do Direito; é o estudo da aplicação da informática como instrumento, e o conseqüente impacto na produtividade dos profissionais da área. E também a utilização do computador como ferramenta na Internet.

Há, praticamente, um consenso entre os estudiosos da área na utilização desta nomenclatura. Não se confunde com o Direito da Informática (também chamado de Direito Eletrônico, Direito da Internet, Direito da Tecnologia da Informação, Ciberdireito, Direito Online), que por sua vez estuda os valores éticos e as relações derivadas da informatização latu sensu, e os efeitos jurídicos da tecnologia.

Pierre de Latil, na obra “O Pensamento Artificial – Introdução à Cibernética” (São Paulo: Ibrasa, 1968), entende que nenhuma ciência jamais conheceu desenvolvimento tão rápido quanto a cibernética (do grego kubernétikê, a “arte de governar”), que procura unir os mecanismos dos seres vivos e os das máquinas mais diferenciadas e aperfeiçoadas. Platão falava em “arte de governar os homens”. Latil falou em “qualidades” de liberdade:

“Mas principalmente, é preciso ver (…) uma conquista da liberdade: um sistema é tanto mais livre, quanto mais prove a sua independência diante da contingência. Tôda liberdade tem um limite: não se pode exercer senão no sentido impôsto a todo o sistema pela finalidade absoluta de equilíbrio que, para o universo, é a lei das leis.”

Mário Losano, em sua obra pioneira “Lições de Informática Jurídica” (São Paulo: Resenha Tributária Ltda, 1974) cunhou o termo “juscibernética” (giuscibernetica), dividindo-a em quatro temas:

1º) o estudo da inter-relação entre normas jurídicas e atividade social;

2º) a concepção do direito como um sistema auto-regulado;

3º) a aplicação da lógica e outras técnicas de formalização ao Direito;

4º) as técnicas para utilização do computador no setor jurídico.

Decorre, em aspecto mais profundo, a equiparação e comparação entre do direito natural (jus naturale, do Direito Romano) e o novo paradigma que surge: o direito artificial, da cibernética.

Uma definição atual de Informática Jurídica é a de Celso Ribeiro Bastos e André Ramos Tavares, em “Revolução Tecnológica e Direito Artificial” (1):

“Pode-se afirmar que a Informática Jurídica é a parte da ciência jurídica que estuda as possibilidades e limitações da aplicação da informática ao Direito. A Informática Jurídica pode ser dividida, cronologicamente, em três etapas evolutivas. Trata-se de uma disciplina que tem início com a informática documental. Nesta fase, floresceram os bancos de dados jurídicos, que possibilitam a ordenação da informação e sua posterior recuperação. A informática jurídica, contudo, toma fôlego com a informática de gestão, em que são criados sistemas que permitem controle de processos, tratamento de textos, geração automática de documentos e decisões rotineiras, mas sempre como auxiliar (dinamizador) da decisão humana, sem substituí-la. A última e derradeira etapa aparece com a denominada informática jurídica decisória. Situa-se, nesta última fase, a elaboração e criação de sistemas capazes de produzirem decisões por si mesmos. (…) O produto final da aplicação da informática jurídica poder-se-ia designar por Direito Artificial, em contraposição à toda fórmula jurídica criada naturalmente, vale dizer, pelo Homem, e não pela máquina. Note-se: tais sistemas estariam capacitados não apenas a oferecerem decisões administrativas, mas também judiciais e até legislativas, concentrando-se aqui a maior polêmica dentre todas polêmicas que o tema inequivocamente suscita.”

Não se pode remover jamais o inerente caráter humano e substituir seus critérios de julgamento por frias máquinas que, dotadas de inteligência artificial, qual os filmes de ficção científica, iriam analisar os casos jurídicos e confrontá-los, comparativamente, com aqueles que foram inseridos em sua database.

Serrano Neves em “Juscibernética: Prática e Problemática” (2), cita Helena Donatelli de Moura, que em seu artigo “Informática Aplicada ao Direito” (Revista Estudos Jurídicos, vol. VI, nº 17), tece brilhantes considerações:

“Antes de definir a informática jurídica, é interessante observarmos o significado da palavra ‘informare’ do latim, que originou o termo informação, qual seja: dar forma ou aparência , criar uma idéia ou noção. A palavra informação significa colocar ‘alguns elementos ou partes – sejam materiais ou imateriais – em alguma forma, em algum sistema classificado’. Sob essa forma geral, a informação é também a classificação dos símbolos e de suas ligações em uma relação, seja a organização dos órgãos e funções de um ser vivo ou a organização de um sistema social. Enfim, a informação exprime a organização de um sistema que pode ser descrito matematicamente”.

Consagrados doutrinadores, como Cândido Rangel Dinamarco e Damásio E. de Jesus, observaram o impacto da tecnologia sobre o Direito:

“Aos anti-reformistas lembro as vacilações da jurisprudência das primeiras décadas do século, quanto à validade ou invalidade de sentenças datilografadas (e não mais grafadas de próprio punho).” (Cândido Rangel Dinamarco, “A reforma do CPC”, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1995).

“A diferença entre a primeira e segunda fase, a anterior com a máquina de escrever e a atual, com o micro, é a mesma entre andar no lombo de um burro e voar num jato. Um abismo. Irreversível. Atualmente, a tarefa de escrever artigo, livro ou tese, emendá-los, ampliá-los, restringi-los, corrigir erros ou mudar títulos é realizada em muito menos tempo. Alguns trabalhos são feitos em minutos; as correções, emendas, supressões etc., em segundos. Terminado um trabalho, como se ele fosse uma estátua e eu o escultor, vou alterando, melhorando, substituindo palavras e frases. Dou-me ao luxo de procurar palavras repetidas no mesmo parágrafo ou na mesma página para substituí-las por sinônimos.” (Damásio E. de Jesus, “Eu e o Computador”, artigo escrito em 1994, e publicado no livro “Novíssimas Questões Criminais”, São Paulo: Saraiva, 1998).

Ao reduzir drasticamente a burocracia e automatizar um número imenso de rotinas, a tecnologia também amplia a liberdade e o poder de organização da atividade profissional.

“Para que serve a internet? Não existe uma única resposta a essa pergunta, mas várias porque são muitos os serviços possíveis na rede, seja do ponto de vista do cidadão, seja das empresas e das instituições acadêmicas. Para utilizá-los algumas exigências-dificuldades devem ser levadas em conta. Uma, de ordem geral, é que, por enquanto, é muito difícil fazer qualquer coisa na rede que não em inglês. Na prática o ciberespaço é uma linguagem, mais do que uma estrada ou uma rede; a maioria dos sistemas que nos permitem obter qualquer resultado são em inglês, desde aqueles que gerenciam a rede até aqueles que gerenciam a informação. Aos poucos estes últimos estão sendo criados no Brasil e em português-inglês. O caso dos sistemas operacionais de rede é diferente. Na sua grande maioria se utiliza o Unix, pai da internet. Seus comandos permanecerão em inglês por muito tempo. De outra maneira, esses comandos de navegação e suas sintaxe são pouco próximas da linguagem natural. Isso obriga o usuário a se acostumar com determinados procedimentos técnicos. Cada dia que passa sistemas mais amigáveis e em português surgem. Mesmo assim não há como escapar de procedimentos mínimos, a não ser que sistemas como o WWW venham desbancar os outros sistemas.” (Marco Antônio Machado Ferreira de Melo e Aires José Rover. “Perspectivas do uso da Internet no curso de Direito”, in “Seqüência” nº 30 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC, 1995).

O aporte da informática, como ferramenta para o tratamento da informação jurídica, transformou a atividade própria dos profissionais da área. Porém, a relação entre informática e Direito não se esgota na recepção da primeira pelo segundo: também existe um fenômeno inverso.

“En efecto, los avances tecnológicos que introducen cambios profundos en las actividades humanas – y en especial si se trata de actividades con contenido económico – originam siempre nuevos intereses susceptibles de entrar en conflicto y plantear perplejidades no resueltas adecuadamente por las normas preexistentes.” (Ricardo A. Guibourg; Jorge O. Alende e Elena M Campanella, in “Manual de Informática Jurídica”, Argentina: Astrea, 1996).

O computador e seus efeitos, nos poucos anos que vêm trazendo modificações para as mais diversas práticas, tem suscitado novos problemas e ressaltado outros. Deixou de ser apenas uma máquina de escrever moderna.

Com a Internet, o elemento de composição “ciber” passou a ser amplamente utilizado. E a juscibernética de Losano extrapolou a informática jurídica. Rumo ao ciberespaço.

Notas de rodapé

(1) http://www.ibdc.com.br/ap6.html

(2) http://www.serrano.neves.nom.br/textafins/JUSCIBERNÉTICA%20Prática%20e%20Problemática.htm

Referências:

Procuramos pela palavra “Internet” nos mecanismos de busca das páginas de notícias do STF, STJ, TST e TSE, e localizamos os seguintes links associados à informática jurídica, de inegável importância histórica. Servem para demonstrar a crescente preocupação dos Tribunais Superiores com a informatização, e com a agilização das informações obtidas, disponibilizadas e processadas:

STF

14/08/2001 – Pautas das sessões plenárias do STF disponíveis na Internet

08/04/2002 – Supremo lança nova versão de site na Internet

STJ

24/08/1998 – Presidente do STJ inaugura Intranet

26/11/1998 – Decisões do STJ chegam mais rápido ao Diário da Justiça

07/12/1998 – Página do STJ na Internet recebe 70 mil visitas por dia

14/12/1998 – Decisões da justiça mais rápidas por e-mail

14/12/1998 – Presidente do STJ lança sistema de atendimento a advogados via Internet

22/01/1999 – STJ PUSH tem mais de mil advogados cadastrados

01/03/1999 – STJ disponibiliza seus 240 mil acórdãos na Internet

16/12/1999 – Site do STJ muda visual para o ano 2000

18/09/2000 – Página do STJ na Internet é a 6ª mais acessada do país

27/03/2001 – Presidente do STJ lança pesquisa de satisfação do usuário

03/05/2001 – Pesquisa revela alto grau de satisfação do usuário com os serviços do STJ

17/09/2001 – STJ: acesso à internet mais rápido

21/11/2001 – STJ torna disponível via e-mail o seu site de Notícias

06/02/2002 – Maior banco de dados de jurisprudência do País já pode ser acessado pela Internet

TST

11/04/2002 – Novidades sobre jurisprudência no TST estão em sua página da Internet

24/04/2002 – Site do TST tem média de doze mil consultas por dia

28/05/2002 – TST estuda rede para interligar toda a Justiça do Trabalho

04/06/2002 – TST recebe meio milhão de consultas desde 10 de abril

TSE

04/04/2002 – Eleitor pode treinar o voto pela Internet

10/05/2002 – TSE vai divulgar registro de pesquisas na Internet

04/06/2002 – TSE vai divulgar dados de candidatos pela Internet

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!