Direito de informar

Juiz rejeita pedido de ex-gerente da Schering em ação contra a Globo

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16 de julho de 2002, 13h36

O juiz da 29ª Vara Cível de São Paulo, Cássio Modenesi Barbosa, julgou improcedente ação de danos morais e materiais movida pelo ex-gerente de compra do laboratório Schering, Leo Mauro Conti, contra a TV Globo. O ex-gerente da empresa queria ser indenizado por ter o primeiro nome citado por um dos envolvidos na venda e distribuição das pílulas de farinha.

A reportagem foi mostrada no programa Linha Direta. O ex-gerente já entrou na Justiça com embargos declaratórios.

A emissora, representada pelo escritório Camargo Aranha Advogados Associados, alegou que apenas informou que o nome Leo aparecia nos inquéritos em andamento.

De acordo com o juiz, não houve danos morais “a menos que se tome a mera citação como uma ofensa, inferência esta que seria vulneradora da liberdade de informação”.

Leia a decisão.

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL

29ª VARA CÍVEL CENTRAL

I – RELATÓRIO.

1. Pede LEO MAURO CONTI em face da TV GLOBO LTDA indenização por danos materiais e morais decorrentes dos danos suportados quando da vinculação de seu nome a reportagem jornalística levada ao ar em 24.VI.99 e 01.VII.99, no programa “linha direta”.

1.2. Responde a ré que a questão deve ser analisada sob a ótica da L. 5.250/67; não ter sido notificada oportunamente; a reportagem acoimada de ofensiva não ultrapassou os limites da mera narração de assunto de relevante interesse social; na hipótese de condenação há que se fixar indenização dentro dos limites da razoabilidade para se evitar a indústria da indenização (fls. 36/59). Houve réplica (fls. 61/66).

1.3. Saneado o feito e fixado o ponto controvertido, com o afastamento da preliminar levantada (fls. 77/78), novo documento veio para os autos (fls. 95/97) e seguiu-se audiência sem produção de provas (fls. 99/100); com a determinação para a degravação da fita juntada a fls. 81/82 (fls. 108/109), o que se cumpriu a fls. 182/220, manifestando-se as partes (fls. 233/236 e 238/241), culminando com a apresentação dos memoriais (fls. 249, 256/260 e 262/269).

1.4. Em apenso os autos n° 000.99.085183-4.

II – FUNDAMENTAÇÃO.

2. Dever de cada cidadão diante da coletividade consubstancia-se no exercício público da razão para a consecução do bem comum; para que esta razão possa ser livremente exercitada, indispensável se faz que ele tenha acesso às informações necessárias para a formação de sua íntima convicção para, ao depois, expressá-la em consonância com tal máxima.

2.1. E livre acesso à informação significa oferecer ao público em geral meios adequados para a sua proliferação, o que se faz, ordinariamente, por meio da imprensa escrita e falada. Claro está que estas informações não devem ser divulgadas de forma passiva, à semelhança do arquivista que tudo relaciona de forma atônica. O próprio exercício da crítica, enquanto meio formativo de opinião, é elemento indispensável para que a informação seja “completa”.

2.1.1. Portanto, nunca há se falar em mera “narração” de um fato, pois a simples forma pela qual esta se dá, já é reveladora de ideologia imanente à própria estrutura de apresentação da informação.

2.2. É neste ponto que surge o problema de se saber quando a divulgação uma informação deixa o albergue do art. 220 e invade a honra privada, ofendendo o inciso X, do art. 5°, ambos da Constituição. Ou, pior: quando se haverá de privilegiar uma destas máximas em detrimento da outra.

2.2.1. Neste passo, mutatis mutandis, instrutiva a reflexão oferecida por Norberto Bobbio a respeito do tema, para quem:

“Isto depende do fato que tanto o direito que se afirma, quanto aquele que se nega possuem os seus bons motivos: na Itália, por exemplo, reclama-se a abolição da censura preventiva dos espetáculos cinematográficos; a escolha é simples, se se coloca em um prato da balança a liberdade do artista e sobre o outro o direito de certos órgãos administrativos, freqüentemente incompetentes e medíocres, de sufocá-la; mas parece mais difícil ao contrapor-se ao direito de expressão do produtor do filme o direito do público de não ser escandalizado, irritado ou excitado. A dificuldade de escolha se resolve coma introdução dos limites à extensão de um e outro dos direitos, de forma que se esteja em condições de salvaguardar também um outro: com relação aos espetáculos, para prosseguir no exemplo, a nossa constituição prevê o limite dos bons costumes“.(g.n).

2.3. No caso dos autos, está-se diante de um programa jornalístico de cunho sensacionalista, no qual observa-se a insistência nos argumentos apelativos, emocionais, em detrimento, da crítica analítica, o que se constata da simples oitiva da fita anexada a fls. 82, quando da divulgação de assunto relevante para a formação da consciência social acerca de quadrilhas que atuam em ponto nevrálgico da existência humana que é a saúde.

2.3.1. Perquire-se, neste passo, se a via escolhida importa por si só em ofensa aos direitos de personalidade daquele que se vê citado durante a narração em descumprimento à máxima insculpida no inciso IV, do art. 221, do Diploma Maior.

2.3.2. Em outras palavras, a simples menção ao nome do autor importou na violação de sua honra de molde a emergir a seu favor direito à indenização material e moral?

2.4. Para a resposta desta questão, há que se ter em mira os programas, nos quais vê-se o autor citado em duas oportunidades: na primeira delas dos 18′:18″ aos 19′:00″ (fls. 198/202 – degravação) e a segunda dos 35′:32″ aos 35′:42″ (fls. 216 – degravação).

2.4.1. Em ambas vê-se que a citação à pessoa do autor se dá de forma anódina, não obstante os termos da declaração de fls. 17. De fato, instiga à investigação as reticências que se observa na parte final daquele ato. Ainda, assim, absteve-se a reportagem de produzir ilações a respeito, apenas apresentando os fatos; aliás, pela leitura do documento de fls. 15/16 infere-se a inadequação da conclusão do 3° parágrafo de fls. 04.

2.4.2. De qualquer forma, os documentos apresentados com a inicial são insuficientes para se concluir o que quer que seja com relação às investigações envolvendo um funcionário da “Schering”.

2.4.3. Nem se argumente no sentido de que se trataria de impor ao autor o dever de realizar prova negativa, pois o que este deveria ter realizado era a demonstração de que: (a) em absoluto existe qualquer relação de seu nome com os fatos envolvendo a investigação da falsificação de remédios e; (b) prova dos danos morais suportados.

2.4.4. Mas não há nem uma coisa nem outra. O que existe é o deblaterar inicial de que a sua intimidade viu-se violentamente violada pela reportagem.

2.5. Em conclusão, deve-se reconhecer não ter a reportagem em sua narração dos fatos, ao leva-los para conhecimento público, ofendido a honra do autor, a menos que se tome a mera citação como uma ofensa, inferência esta que seria vulneradora da liberdade de informação.

2.6. Quanto ao mais não está o juiz obrigado a responder a todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um os seus argumentos (RJTJESP 115/207). E, no mesmo sentido, afirmou o Desembargador Ivan Sartori ao relatar a Apelação n° 17.942-4/2, junto à 5ª Câmara de Direito Privado, que o magistrado não está obrigado a abordar todas as questões levantadas pelas partes, quando já encontrou motivo suficiente ao desfecho que vem proclamar.

III – DISPOSITIVO.

3. Logo, IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, para EXTINGUIR a ação nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Custas e honorária igual a 15% do valor da causa, pelo autor.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de Junho de 2002

Cássio Modenesi Barbosa

Juiz de Direito

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