Guerra eleitoral

Partidos querem impugnação de registro de Alckmin

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15 de julho de 2002, 12h29

2.3) Da Inelegibilidade do Ora Impugnado por ter Sucedido o Governador no Primeiro Mandato

Ainda que superada a inelegibilidade do ora Impugnado Geraldo Alckmin ao cargo de Governador pelas razões acima aduzidas, o registro de sua candidatura se mostra inviável por uma outra razão.

Nas proximidades do pleito eleitoral de 1.998 e encantado pela possibilidade de reeleição, o então Governador Mário Covas Júnior, pretendendo dedicar-se com exclusivamente à campanha eleitoral que se avizinhava, resolveu licenciar-se da Chefia do Poder Executivo Estadual.

O seu afastamento, conforme depreende-se da análise dos documentos acostados aos presentes autos, deu-se na forma de sucessivas licenças.

Assim, passou o ora Impugnado Geraldo Alckmin a exercer, de meados daquele ano até o término do mandato, a efetiva chefia do Poder Executivo.

Conforme depreende-se do teor da certidão DP n.° 37/2002, exarada pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e acostada aos autos, o ora Impugnado “substituiu” o então Governador Mário Covas na Chefia do Poder Executivo, initerruptamente, no período compreendido entre 06.07.1998 e 09.11.1998.

Pela certidão elaborada por este E. Tribunal, comprova-se que na cerimônia solene de entrega de diplomas aos eleitos, realizada em 18.12.1998, não compareceu o Senhor Mário Covas. Naquele ato, como dá conta a certidão de fls., foi o Governador representado pelo seu companheiro de chapa, o Senhor Geraldo Alckmin.

Também à posse não compareceu o Governador reeleito. Noticiam as certidões DP n.°s 39/2002 e 44/2002, ambas confeccionadas pela Assembléia Legislativa deste Estado, que naquele dia 01.° de Janeiro de 1.999, apenas tomou posse o Vice-Governador eleito nas eleições estaduais de 1.998.

Manteve-se afastado da condução do Estado de São Paulo o Senhor Mário Covas nos primeiros instantes de seu segundo mandato. Informa-se pela certidão DP n.° 36/2002, também exarada pela Assembléia Legislativa, que o Senhor Geraldo Alckmin substituiu o Governador Mário Covas na chefia do Poder Executivo Estadual entre 01.°/01/1999 e 10/01/1999.

Da análise de todas as certidões trazidas aos presentes autos é lícito formular a seguinte conclusão: Houve, ainda que de fato, sucessão no Governo Paulista no término do ano de 1.998.

Num primeiro instante, esteve afastado o então Governador Mário Covas de suas funções para a disputa das eleições majoritárias para o Governo do Estado.

Sagrando-se vencedor no aludido pleito majoritário, manteve-se afastado o Senhor Mário Covas em razão de notório problema de saúde.

Conforme amplamente noticiado à época, diagnosticou-se, infelizmente, câncer maligno infiltrativo na bexiga.

Submeteu-se Mário Covas a sessões de quimioterapia e a duas intervenções cirúrgicas realizadas em 05.12.1998 e em 14.12.1998.

A primeira intervenção cirúrgica teve a duração de 1h45m e, por meio dela, retirou-se dois tumores localizados na bexiga e na próstata.

Em 14.12.1998, sofreu o Senhor Mário Covas nova intervenção cirúrgica, com duração de aproximadamente 9 (nove) horas.

A mesma convalescência que impediu o então Governador Mário Covas de participar das solenidades de diplomação e posse, ocorridas nos meses de dezembro de 1.998 e janeiro de 1.999, impediu-o ainda de terminar o seu primeiro mandato tendo as rédeas efetivas da Administração Pública Estadual.

Naquele instante, não possuía o então Governador condições de exercer as atribuições próprias de seu cargo, por lamentável decisão do destino.

Se alguém ditava os rumos do Estado de São Paulo nesse quadro de falência da saúde do então Governador, era o seu vice, o Senhor Geraldo Alckmin.

Assim, deve-se ter como certo que em razão dos fatos narrados e comprovados pelas certidões trazidas aos autos, manteve-se o ora Impugnado, ao longo dos últimos seis meses do ano de 1.998, à testa do Poder Executivo Estadual, em verdadeira sucessão ao Governador afastado.

Não obstante as formalidades que revestiram tais atos indicarem meras licenças do então Governador e, conseqüentemente, a ocorrência de substituição na chefia do Poder Executivo Estadual, houve, de fato, sucessão no Governo Paulista.

Impende destacar que a substituição sempre é marcada pela nota da brevidade, eis que, após estreito entretempo, tem-se o retorno do titular à chefia do Poder Executivo.

No presente caso, isso não ocorreu.

Com o intuito de evitar necessidade de renúncia em razão da extensão de tempo de seu afastamento da chefia do Poder Executivo, o então Governador Mário Covas Júnior valeu-se de licenças de curta duração sucessivas vezes renovadas.

Findas as eleições, licenciou-se Mário Covas para tratamento de problemas de saúde.

Nesse contexto, superado o apego ao aspecto formal do ato administrativo, deve-se entender que o ora Impugnado, de fato, sucedeu o então Governador na Chefia do Poder Executivo Paulista.


Naquela oportunidade, ostentava a condição de Governador do Estado e, dessa forma, lhe era franqueado valer-se do permissivo constante do artigo 14, parágrafo 5.°, da Constituição Federal.

Conforme já destacado, o advento da Emenda Constitucional n.° 16/97 impôs um reexame do sistema de inelegibilidades constitucionais vigentes.

Deve-se sempre buscar interpretações que evitem a consagração do caos e do absurdo, mantendo-se por ela, ainda, a integridade do Sistema Constitucional Vigente.

Por tais razões é que o antigo entendimento de inelegibilidade absoluta do titular para o cargo de vice para as eleições subseqüentes foi mitigado.

Havendo possibilidade de candidatar-se à reeleição, pode o chefe do Poder Executivo pleitear a vaga de vice.

A esse propósito, vale transcrever excertos da ementa do já mencionado Acórdão n.° 23435, do TRE/PR, da lavra do Exmo. Des. TADEU COSTA:

“(…)

Prefeito. Candidatura ao cargo de Vice-Prefeito. Desincompatibilização. Desnecessidade. Inteligência do art. 14. parágrafo 5.°, da Constituição Federal, com a redação outorgada pela Emenda Constitucional n.° 16/97.

Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a expressão mesmos cargos deve abranger não apenas os que ostentam a mesma denominação (Presidente, Governador, Prefeito), mas também aqueles que, a despeito de denominação diversa (Vice-Presidente, Vice-Governador, Vice-Prefeito) tem como atribuição ordinária (senão exclusiva) o potencial exercício das funções próprias daqueles cargos. Logo, o Prefeito que pretende concorrer ao cargo de Vice-Prefeito não necessita, tal como se fosse candidato à reeleição, afastar-se do cargo que exerce, pois, caso eleito, somente terá a possibilidade de exercer funções de Gestão Pública, se vier a ocupar o cargo de titular, ao qual poderia ter concorrido sem necessidade de desincompatibilização.

(…)”

Não deve o formalismo impedir que, na prestação da atividade jurisdicional, o Estado-Juiz bem avalie todos os atos e, afastando o rigor formal, empreste-lhes os efeitos jurídicos que devam produzir.

Não se pode admitir que o império da Constituição e das Leis seja falseado ou mesmo preterido por meio de expediente tendente a frustrar os efeitos jurídicos que se espera de atos jurídicos.

Se de fato houve sucessão no Governo Paulista, ela deve ser reconhecida, não obstante a formalidade dos atos administrativos que levaram ao licenciamento do então Governador Mário Covas Júnior.

A esse despeito, adverte o Min. VIEIRA BRAGA (BE/TSE vol. 90/509):

“A Constituição ou a lei, quando veda determinada ato, não precisa acrescentar que fica também vedado fraudar a proibição. Os ato praticados em fraude à lei apresentam-se, pelo menos quase sempre, vestidos e paramentados com as palavras da lei. E é exatamente a interpretação por compreensão que permite à Justiça negar-lhe legitimidade e feitos jurídicos.”

Apesar de ter sido proferido sob a égide da ordem constitucional pretérita, serve como paradigma ao presente caso o v. Acórdão TSE n.° 6.933, publicado em sessão em 05.10.82, da lavra do Exmo. Min. SOUZA ANDRADE.

Emprestou ênfase o Exmo. Min. Relator daquele v. Acórdão ao fato de que:

“(…)

Não duvida de que o recorrido exerceu por longo tempo, no período anterior às próximas eleições, o cargo de prefeito no Município de Aparecida do Oeste (SP).

A única circunstância que se alega ao seu favor, é que teria havido mera substituição, e não sucessão.

Entretanto, da prova dos autos ressalta que o Sr. Wilson Pereira da Silva, depois de assumir o cargo de Prefeito, tomou as rédeas da Administração Municipal com se fosse sucessor do Prefeito afastado.(…) Tudo está a comprovar que, se não houve a formalização da sucessão, foi por conveniência do recorrido, a fim de que sobre ele não incidissem as regras da inelegibilidade.

(…)

… A situação aqui é analógica, no sentido de dever-se evitar a fraude, pois, se não houve a formalização da sucessão, que se impunha diante da interdição do ex-Prefeito, isso não afasta a incidência da regra de inelegibilidade.”

O presente caso, mutatis mutandis, merece a solução preconizada naquele v. Aresto.

Independentemente das razões que levaram ao afastamento do então Governador, deve ser reconhecido que houve, no ano de 1998, sucessão no Governo Estadual.

Tendo ocorrido, de fato, sucessão, passou o ora Impugnado a ostentar a condição de Governador do Estado, tomando as rédeas da coisa pública, sem nenhum embaraço.

No que toca às eleições estaduais majoritárias realizadas em 1.998, valendo-se das disposições do artigo 14, parágrafo 5.°, da Constituição Federal, exauriu o ora Impugnado a sua possibilidade de reeleição ao pleitear a renovação de seu mandato de Vice-Governador.


Assim, inviável a busca de terceiro mandato, em razão das limitações inerentes ao instituto da reeleição.

3) Do Instituto da Reeleição Frente ao Princípio da Isonomia

Todas as razões já expendidas bastam para decretar a inelegibilidade do ora Impugnado para um terceiro mandato.

Porém, em razão de sua magnitude, reservou-se ao princípio da isonomia um capítulo especial.

Princípios, segundo a clássica lição de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “(…) são proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturas subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência.” (Revista de Informação Legislativa, v. 97:7)

Pode-se afirmar, pela definição acima transcrita, que princípio é mandamento nuclear, de caráter fundamental que se irradia sobre as normas, denotando o espírito que guia a ordem jurídica vigente, da elaboração das normas até a sua compreensão.

E dentre todos os princípios que informam nosso direito, tem-se, em posição sobranceira, o princípio da isonomia.

E isonomia, na seara do direito eleitoral, significa igualdade de oportunidades.

Com efeito, não basta tão-somente que a todos que preencham as condições de elegibilidade e que não incidam em nenhuma espécie de inelegibilidade seja assegurado a possibilidade de concorrer a um cargo eletivo.

Não basta para a satisfação deste princípio constitucional o mero registro das candidaturas.

KONRAD HESSE, comentando o artigo 38 da Lei Fundamental Alemã, às páginas 240/241 de sua obra já mencionada, esclarece que:

“(…) Se a ordem democrática da Lei Fundamental consiste na participação livre e igual na formação da vontade política direta por eleições e na ‘formação preliminar da vontade política’, na legitimação livre dos politicamente condutores, na oportunidade igual da minoria de converter-se em maioria um dia, e na garantia de um processo político livre e aberto, então esse conteúdo resulta, em grande medida, das normalizações dos direitos fundamentais.”

Com efeito, o processo eleitoral deve proporcionar aos postulantes dos cargos eletivos muito mais que mera igualdade formal.

Deve ser assegurado igualdade no desenvolvimento da propaganda eleitoral e no acesso aos veículos de comunicação social. Deve-se promover o debate franco de idéias como forma de consolidação e legitimação da vontade política e deve-se, ainda, proteger a isonomia através de mecanismos neutralizadores das tentativas de venalização do pleito.

A preocupação com a igualdade de oportunidade no processo eleitoral é seara fértil para reflexões e angústias por parte daqueles que debruçam sobre o estudo da questão.

J.J. GOMES CANOTILHO, examinando o tema, explicita uma série de preocupações relacionadas com o princípio da isonomia que não são típicas somente do direito português.

Informa o aludido autor, às páginas 305 de sua obra “Direito Constitucional e Teoria da Constituição” (Editora Almedina) que:

“A igualdade de oportunidade na concorrência eleitoral (cfr. Art. 113/3.° – b, da CRP, e art. 56.° da Lei n.° 14/79, de 16-5, reguladora das eleições para a AR) foi um dos primeiros domínios onde se começou a tentar dar operatividade prática ao princípio da igualdade de oportunidades – regras relativas ao direito de voto, ao sistema eleitoral e à campanha eleitoral. Alguns problemas são hoje discutidos: (i) distinção do direito de informação do governo e aproveitamento, pelo governo, dos órgãos de informação (a doutrina inclina-se aqui para fortes limites às notas oficiosas e às informações do governo depois do começo da campanha eleitoral), (ii) se os tempos de emissão para propaganda eleitoral devem estar sujeitos a todos os corolários do princípio da representavidade (cfr. Art. 40.°/1,2 e 3), conducentes a uma ‘igualdade gradativa’ (ex. partidos que concorram em todo território nacional terão direito a mais tempo de emissão do que os que concorre apenas por certos círculos); (iii) em terceiro lugar, discute-se, em alguns países, o problema da legitimidade de cláusulas-barreira (impositivas de uma percentagem mínima de votos para um partido ter assento parlamentar) inequivocamente inconstitucionais na ordem constitucional portuguesa (cfr. Arts. 113.°/5 e 152.°/1); (iiii) também continua em discussão o problema do arbítrio na divisão dos círculos eleitorais, salientando-se que a ‘geometria eleitoral’ pode ser tão inconstitucional ao delinear círculos de grandeza diferente como estabelecer círculos completamente iguais.”

Para o convívio democrático e legitimação da representação popular, é imperioso a implementação plena do princípio da isonomia, de forma que a todos os atores políticos seja assegurada a paridade de armas.

A isonomia consagrada pela Constituição Federal significa igualdade de aptidão e igualdade de possibilidades virtuais e por ela repudia-se qualquer forma de favor ou desvalia.


Não há como negar que o instituto da reeleição, por si só, já é capaz de promover desequilíbrio na contenda eleitoral.

Atenua-se a igualdade na medida em que o candidato à reeleição tem voltado para si os holofotes da imprensa, quando são dedicados minutos de sua programação ou páginas de seus periódicos à divulgação de suas realizações e de sua atuação à frente da coisa pública.

Mitiga-se ainda a igualdade no pleito quando não se exige do Chefe do Poder Executivo que se desincompatibilize de suas funções – como é exigidos do mais simples dos servidores públicos – para buscar novo mandato eletivo. A ele continuará submisso um corpo imenso de servidores públicos e um aparato frondoso capaz de promover a gestão da coisa pública e impulsionar sua campanha eleitoral de forma poderosa.

E eventual abuso de poder no curso do processo eleitoral, convém frisar, independe até mesmo de qualquer ato volitivo do Impugnado Geraldo Alckmin.

Há que se considerar que após o transcurso de dois mandatos, estabeleceu-se estreito liame entre o Senhor Governador e os ocupantes dos mais altos cargos de confiança, de forma que é factível supor que, mesmo à revelia do candidato, podem os seus auxiliares e colaboradores mais íntimos praticar atos tendentes a beneficiar indevidamente a candidatura do ora Impugnado.

E não é só.

Tem ainda o candidato à reeleição ao seu alcance a utilização de poderosa ferramenta de convencimento popular, qual seja, a propaganda institucional custeada pelos Entes Federativos e de grande impacto e penetração popular.

Primeiramente, insta destacar que esta modalidade de publicidade é realizada por outdoors e inserções em rádio e televisão em horário nobre.

Não obstante o princípio da impessoalidade consagrado no artigo 37, parágrafo 1.°, da Constituição Federal, veiculam-se, em prejuízo de vultosa soma de dinheiro público, propagandas institucionais que pouco ou nada informam e que apenas visam, ainda que subliminarmente, promover autoridades públicas candidatas em pleitos próximos.

A posição de destaque do candidato à reeleição e sua constante exposição pública não se afinam com o primado da isonomia entre os candidatos.

Por isso, as antigas lições que aplaudiam a irreelegibilidade coroada pelo direito pátrio apresentam uma forte nota de atualidade. ARISTIDES MILTON anotou na obra “A Constituição do Brasil – Notícia histórica, texto e comentário” (I. Nacional 1898. 2.ª Ed, p. 217)

“Não obstante as razões aduzidas nesse tom, nossa lei fundamental esposou – como se está vendo – opinião oposta. Entendeu ele que desse modo garantia melhor a liberdade do povo, e a independência do próprio chefe da Nação.

Realmente, a pessoa, que dispõe dos vastos recursos à mão do Poder Executivo, não é com certeza um candidato comum.

Para influir no pleito tem ela meios, que às outras faltam. Sem mesmo fazer pressão sobre o eleitorado, não de negar – que joga, com muitos elementos de vitória, ficando superior aos seus competidores, pelo menos debaixo deste aspecto. O funcionalismo público só por si representa uma força, posta às suas ordens.”

Com o seu característico equilíbrio, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO deixou anotado nas razões da Impugnação ao Registro de Candidatura de Fernando Henrique Cardoso ao pleito de 1998 que:

“É porque o detentor de tal mandato, pela simples circunstância de ocupá-lo, se dele não se desligasse com a antecipação imposta pela Constituição, desfrutaria de evidente posição privilegiada em relação a quaisquer outros candidatos, o que tisnaria a igualdade entre todos e, pois, a própria lisura da expressão da vontade eleitoral. Isto porque, como é claro a todas as luzes, ele próprio, tal como seu séquito de subordinados, (e ainda que à sua revelia) poderiam valer-se dos gigantescos poderes na máquina político-administrativa para aliciar o eleitorado.

(…)

É que, de toda sorte, a simples exposição à ‘mídia’, inerente ao cargo, a noticiada presença em eventos relevantes, já seria de per si suficiente para conferir-lhe incomensurável vantagem em relação a quaisquer outros candidatos. Tanto isto é exato que os políticos em geral despendem esforços enormes ou gastam fortunas, simplesmente para ‘aparecer’, isto é, para que seus nomes, sua imagem, sua figura, despontem nos noticiários de jornal ou, preferencialmente, para que surjam nas telas de televisão ou sejam mencionados nas programações de rádio.

Dita exposição à ‘mídia’ – sobretudo em País subdesenvolvido, no qual o simples soar de um nome como ‘conhecido’ é um ‘handicap’ eleitoral – como comprovam as pesquisas e a freqüente eleição de radialistas, de jogadores de futebol ou de ‘artistas’ quando se candidatam – representa ponderável vantagem que desequilibra a disputa, maiormente no caso de quem seja ‘Governador”, data a respeitabilidade e o temor reverencial que o cargo (quase divinizado em Países atrasados politicamente como o nosso) inspira nos segmentos mais modestos da população.

Assim, é certo e da mais incontendível certeza que o Texto Constitucional se esmera em prevenir que se estabeleçam situações de desequilíbrio entre os candidatos em decorrência de um deles exercer o cargo de Presidente da República ou de ser seu parente até o segundo grau.

(…)

Relembre-se que nenhum cidadão é menos cidadão que o Presidente da República, que o Governador, do que o Vice-Governador no exercício de Governador do Estado. No que a isso concerne são todos iguais. Os direitos de cidadania de qualquer brasileiro são os mesmos do Presidente da República e dos Governadores. Os direitos políticos efluentes da cidadania também são iguais. O Chefe do Poder Executivo não é um monarca. Não é alguém que se encontre em situação supra jurídica. É da essência da República a igualdade de todos no que respeita ao direito de acesso aos cargos políticos. Logo, jamais seria possível estabelecer, em prol do ocupante da Chefia do Poder Executivo, uma situação de evidente vantagem – como excelentemente exposto no texto acima transcrito – isto é, de óbvio desequilíbrio para a disputa eleitoral, sem ofender a escala vista o princípio fundamental da isonomia.

(…)

A segunda razão, quiçá ainda mais poderosa que a primeira, consiste em que o que entra em causa na questão exegética ‘sub examine’ não é simplesmente a restrição de direito de Chefe de Poder Executivo candidato à reeleição. Muito pelo contrário. É a de saber-se qual o direito a ser restringido: um, o de todo e qualquer cidadão concorrer em igualdade de condições com o Presidente da República e outro, o suposto direito do cidadão que se encontra na Chefia do Poder Executivo concorrer com vantagem sobre todos os demais, graças aos desfrute do cargo.

Nota-se, pois, que o que estaria em causa seria um entrechoque de direitos e a indeclinável necessidade de restringir um deles: o direito político de todos os cidadãos ou o direito político de um único cidadão – o daquele que esteja ocupando a Chefia do Poder Executivo. Em rigor, nem mesmo isto. Pois o que se restringiria não seria o seu direito de concorrer em igualdade com os demais, mas o de concorrer com vantagem sobre os outros candidatos.

Mais ainda: o entrechoque dar-se-ia, de um lado, entre um interesse público, a saber, o da lisura das eleições, o de sua normalidade, o da livre expressão da vontade popular, sem o risco de influências derivadas do cargo (quer as indevidas, quer as resultantes da exposição à ‘mídia’, quer a da identificação entre as figuras do governante e do candidato) e de outro o interesse privado, pessoal, de um dado cidadão a disputar uma eleição ataviado com as benesses que o cargo lhe proporciona.”


É certo que o instituto da reeleição, não obstante suas falhas e inconvenientes já apontados, é direito positivo que deve ser observado.

Não se postula pela presente via que se declare a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.° 16/97 ou que se subtraia os seus jurídicos efeitos.

Busca-se, tão-somente, que ao artigo 14, parágrafo 5.°, da Carta Republicana seja dada interpretação apegada aos valores constitucionais já mencionados, preservando-se a unidade e supremacia da Constituição, bem como a integridade do seu texto, que, conforme já dito, é o ponto inicial e limite da atividade hermenêutica.

Advertiu KARL LARENZ, às páginas 453 de seu livro “Metodologia da Ciência do Direito”, (2.ª Ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989):

“(…) A teleologia imanente da lei não deve, certamente, ser entendida, neste contexto, em sentido demasiado estrito. Não só se há de considerar os propósitos e as decisões conscientemente tomadas pelo legislador, mas também aqueles fins objectivos do Direito e princípios jurídicos gerais que acharam inserção na lei. Um princípio que é inerente a toda lei porque e na medida em que pretender ser ‘Direito’, é o do tratamento igual daquilo que é igual.”

Assim, também por estas razões, merece prosperar a presente Impugnação ao Registro de Candidatura.

4) Síntese da Alegações

Argumentou-se nesta Impugnação com base na doutrina da hermenêutica constitucional.

Pugnou-se pela necessidade insuperável de observância de postulados e enunciados instrumentais hermenêuticos próprios da atividade exegética da norma do artigo 14, parágrafo 5.°, da Carta Republicana.

Buscou-se mostrar que a interpretação de instituto de tamanha relevância ao convívio democrático não poderia ser feita tão-somente com base em regras gerais de interpretação como forma de resguardar direitos individuais.

No caso, deve prevalecer sempre a proteção do interesse geral.

Na interpretação do instituto da reeleição não se deve descuidar dos postulados da supremacia e unidade da constituição, bem como de sua máxima efetividade e harmonização do texto fundamental.

Ademais, a interpretação do já mencionado artigo da Constituição Federal vigente não poderia desmerecer o seu elemento literal que, conforme visto, é o ponto de partida e limite final imposto ao operador do direito.

Equiparou-se sucessão e substituição e permitiu-se a reeleição para um único mandato subseqüente.

Tem-se que Vice-Governador, sendo substituto e sucessor natural do titular, é, em última análise, também Governador, já que, como visto, a chapa é sempre una e indivisível.

A Constituição Federal, é certo, não rompeu com os princípios democráticos que a norteiam. Busca-se, ainda, a efetiva democracia, pautada na igualdade de oportunidade, de forma a evitar o desequilíbrio do pleito e a perpetuação no Poder.

Tanto é assim que, conforme visto, a reeleição ainda é exceção e como tal merece ser tratada.

Se interpretar é, de acordo com a cátedra de PAULO BONAVIDES, atualizar a Constituição, nessa atividade não se pode desmerecer a realidade dos fatos.

O candidato à reeleição está mais exposto à mídia e tem ao seu dispor a máquina administrativa, de sorte que por tal instituto rompe-se, mitiga-se o princípio da isonomia.

Mitiga-se o princípio da isonomia, sem, contudo, revogá-lo.

E na colisão aparente entre valores constitucionais, deve-se sempre buscar a conjugação de ambos, respeitada a visão sistêmica da ordem constitucional.

E a interpretação proposto concilia o instituto da reeleição com os demais valores democráticos e o princípio da isonomia.

Confere efetividade ao instituto e preserva, ainda, os valores e princípios mencionados.

O ora Impugnado já foi reconduzido ao cargo para um período subseqüente, de forma que não se deve admitir a possibilidade de buscar novo mandato.

O pensamento adiante destacado é capaz de bem sintetizar as razões da presente impugnação:

“(…) a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (gebot optimaler Eerwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual. Se o direito, e sobretudo, a Constituição, tem sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa. Ele há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-os com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.

Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa. A finalidade (telos) de uma proposição constitucional e sua nítida vontade normativa não deve ser sacrificadas em virtude de uma mudança da situação. Se o sentido de uma proposição normativa não pode mais ser realizado, a revisão constitucional afigura-se inevitável. Do contrário, ter-se-ia a supressão do próprio direito. Uma interpretação construtiva é sempre possível e necessária dentro desses limites. A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a faltar, tornar-se-á inevitável, cedo ou tarde, a ruptura da situação jurídica vigente.”


(KONRAD HESSE in A Força Normativa da Constituição, p. 22 e 23, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, Porto Alegre)

Assim, tem-se como certo que não há como admitir-se o registro da candidatura do ora Impugnado.

5) Da Composição do Pólo Passivo

da Presente Demanda

Doutrina e Jurisprudência, pacificamente, reconhecem a unidade e indivisibilidade da chapa majoritária que disputa as eleições.

Não obstante o caráter personalíssimo da inelegibilidade ventilada nestes autos e a manutenção da elegibilidade do Candidato a Vice-Governador, eventual declaração de inelegibilidade do Senhor Geraldo Alckmin para concorrer ao cargo de Governador do Estado de São Paulo produzirá será capaz de irradiar seus efeitos também sobre o patrimônio jurídico do Candidato a Vice-Governador escolhido em convenção e da Coligação que dá suporte àquelas candidaturas majoritárias, já que não se concebe o registro de chapa sem o candidato ao cargo de titular.

Assim, em homenagem ao princípio do contraditório e como forma de se evitar futuras alegações de nulidade, devem figurar no pólo passivo da presente relação jurídica processual também o Senhor Cláudio Lembo e a Coligação São Paulo em Boas Mãos, na condição de litisconsortes do ora Impugnado.

4) Do Pedido e das Provas

Ante todo o exposto, e por tudo mais que consta dos presentes autos, é a presente para requerer o quanto segue:

a) Que se digne Vossa Excelência em receber a presente Impugnação ao Pedido de Registro de Candidatura, determinando sua autuação e regular processamento.

b) Que se digne Vossa Excelência em determinar a notificação do Senhor Geraldo Alckmin, que pode ser encontrado na Av. Morumbi n.° 4.500, bem como do Senhor Cláudio Lembo, que pode ser localizado a Avenida Dr. Altino Arantes n.° 692 – Mirandópolis, São Paulo – SP, e ainda da Coligação São Paulo em boas mãos, na pessoa de sua Representante Renata Covas, que pode ser encontrada na Av. Brigadeiro Luiz Antônio n.° 3849, São Paulo – SP, para que, caso queiram, apresentem defesa, no prazo assinalado pelo artigo 4.° da Lei Complementar n.° 64/90.

c) Que bem processada e instruída a presente Impugnação ao Registro de Candidatura, seja a mesma julgada procedente, de forma que, conseqüentemente, seja indeferido o pedido de registro de candidatura dos Senhores Geraldo Alckmin e Cláudio Lembo aos cargos de Governador e Vice-Governador, respectivamente, pela Coligação São Paulo em boas mãos.

Pretende-se provar os fatos constitutivos do direito invocado por meio de todas as provas admitidas em direito, especialmente por meio das provas documentais que seguem em anexo.

ITA SPERATUR JUSTITIA!

São Paulo, 11 de Julho de 2.002.

Marcelo Santiago de Padua Andrade

OAB/SP 182.596

Hélio Freitas de Carvalho da Silveira

OAB/SP 154.003

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