Guerra eleitoral

Partidos querem impugnação de pedido de registro de Alckmin

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15 de julho de 2002, 12h28

A coligação São Paulo quer mudança, integrada pelo Partido dos Trabalhadores, Partido Comunista do Brasil e Partido Comunista Brasileiro, quer a impugnação do pedido de registro de candidatura de Geraldo Alckmin. Ele concorre pelo PSDB ao governo de São Paulo.

O pedido ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo foi feito pelos advogados Hélio Freitas de Carvalho da Silveira e Marcelo Santiago de Pádua Andrade.

De acordo com a coligação, há motivos suficientes para a impugnação. “Todavia, como se comprova por meio dos documentos que instruem a presente Impugnação, o referido Impugnado compôs a chapa majoritária estadual eleita no pleito de 1994, tendo sido reeleito no pleito de 1998. Ocupou nos dois períodos a Chefia do Poder Executivo Estadual e, por tal razão, é inelegível para um terceiro mandato subseqüente”.

No ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu votar a favor da candidatura dos vices reeleitos. Assim, segundo o entendimento, eles poderão concorrer aos cargos de titular nas eleições desse ano. A decisão do TSE, em outubro de 2001, beneficiou Alckmin. Leia notícia sobre o assunto.

Veja o pedido feito pelos partidos ao TRE-SP.

Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo

Ref. Processo n.°

Impugnação ao Pedido de Registro de Candidatura

A COLIGAÇÃO SÃO PAULO QUER MUDANÇA, constituída pelo Partido dos Trabalhadores – PT, pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B e pelo Partido Comunista Brasileiro – PCB, registrada perante este Egrégio Tribunal Regional Eleitoral para as eleições estaduais do corrente ano, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados adiante assinados (instrumento de procuração em anexo, outorgado por Paulo Frateschi, na condição de representante da Coligação Impugnante), tempestivamente, com fulcro no artigo 3.° da Lei Complementar n.° 64/90 e no artigo 36 da Resolução TSE n.° 20.993/2002, ofertar a presente IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA dos Senhores GERALDO JOSÉ RODRIGUES ALCKMIN FILHO e CLÁUDIO LEMBO, escolhidos em convenção pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, Partido da Frente Liberal – PFL e Partido Social Democrático – PSD, como candidato ao cargo de Governador e Vice-Governador, respectivamente, do Estado de São Paulo pela COLIGAÇÃO SÃO PAULO EM BOAS MÃOS, o que o faz nos termos das razões de fato e de direito adiante expendidas:

1) Dos Fatos

Com vistas às eleições majoritárias do Estado de São Paulo, os Partidos Políticos integrantes da Coligação São Paulo em Boas Mãos, nos termos do artigo 7.° e seguintes da Lei n.° 9.504/97, realizaram convenções partidárias através da quais deliberaram lançar o nome do Impugnado Geraldo Alckmin como seu candidato ao cargo de Governador.

Todavia, como se comprova por meio dos documentos que instruem a presente Impugnação, o referido Impugnado compôs a chapa majoritária estadual eleita no pleito de 1994, tendo sido reeleito no pleito de 1998.

Ocupou nos dois períodos a Chefia do Poder Executivo Estadual e, por tal razão, é inelegível para um terceiro mandato subseqüente.

Vejamos.

2) Do Direito

2.1) Da Emenda Constitucional n.° 16 e seu

Impacto na Ordem Constitucional Vigente

A história constitucional republicana, desde suas primeiras luzes, elegeu como dogma a restrição à perpetuação no poder e ao continuísmo, bem como a vedação do uso do poder político e econômico para a obtenção de mandatos eletivos.

Buscou-se imprimir à República recém-nascida feições de uma democracia em sentido substancial, não obstante todas as vicissitudes sociais e culturais que depunham contra a nova forma de governo.

Para tanto, por meio da legislação constitucional e infra-constitucional, aparelhou-se o Estado de institutos visando assegurar a lisura do voto e a liberdade de sufrágio contra toda sorte de abusos.

A democracia deveria ser efetiva e concreta e, por tal razão e por aspectos culturais e sociais, fugiu-se da tradição constitucionalista norte-americana e adotou-se o princípio da irreelegibilidade.

O princípio foi reafirmado em todas as Constituições Republicanas, com exceção feita à Constituição de 1937, por razões óbvias e casuísticas.

Contudo, houve modificação da orientação constitucional, uma vez que, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.° 16/97, passou o artigo 14, parágrafo 5.° da atual Carta Política a admitir a reeleição para um único período subseqüente.

2.2) Da Exegese do Artigo 14, parágrafo 5.°,

da Constituição Federal

O artigo 14, parágrafo 5.°, da Carta Política, preceitua que “O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.”

O C. TSE, respondendo consultas formuladas nos termos do artigo 23, XII, do Código Eleitoral, manifestou-se quanto a viabilidade, em tese, do registro da candidatura do Impugnado Geraldo Alckmin.

Como se depreende da análise de Resoluções como a Res. TSE n.° 20.889, publicado no DJU de 14.12.2001, apontou o C. TSE, em resposta à Consulta n.° 689, que, não obstante a redação da Emenda Constitucional n.° 16/97, não haveria como atribuir os mesmos efeitos dados à sucessão quando se tratar de mera substituição e que, ademais, as inelegibilidades devem ser interpretadas restritivamente, razão pela qual reconheceu a possibilidade de reeleição daqueles que se encontram em situação similar ao Impugnado Geraldo Alckmin.

Tal entendimento, vênia devida, merece ser revisto. A uma, porque não houve a observância das melhores técnicas de interpretação constitucional. A duas, porque não respeitou o elemento literal da norma constitucional a ser aplicada.

Ademais, sempre há que se verificar com temperamento as diretrizes traçadas pelo C. TSE, uma vez que, conforme reconheceu o próprio C. TSE no v. Acórdão n.° 11.287, de 28.08.90, a decisão proferida em sede de consulta é “mero ato de orientação, sem caráter vinculativo e sem efeitos concretos.”

Cabem, primeiramente, algumas breves considerações.

I)

Como destaca KONRAD HESSE, a “(…) tarefa da interpretação é encontrar o resultado constitucionalmente ‘exato’ em um procedimento racional e controlável, fundamentar esse resultado racional e controlavelmente e, deste modo, criar certeza jurídica e previsibilidade – não, por exemplo, somente decidir por causa da decisão.” (Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, p. 55 – Tradução da 20.ª Edição Alemã, Tradução de Luis Afonso Heck, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1998)

A interpretação constitucional difere, em substância, da atividade exegética voltada à compreensão dos demais atos normativos.

Para desincumbir-se de sua tarefa, o intérprete da Constituição deve valer-se de postulados, instrumentais hermenêuticos e princípios que escapam do alcance das corriqueiras regras de hermenêutica em razão da natureza inaugural do texto constitucional, bem como de seu caráter aberto e amplo.

A interpretação torna o direito operativo, dá vida à Constituição e deve, invariavelmente, pautar-se na Supremacia e Unidade da Constituição, de forma a lhe conferir a maior efetividade e harmonização possíveis.

Ao lado destes postulados, há ainda enunciados que devem ser obedecidos.

É relevante enfatizar que o elemento literal constitui sempre, em última análise, ponto de referência inafastável para a compreensão do sentido da regra jurídica, seja ela de índole constitucional ou infra-constitucional.

Em razão disso, tem-se como enunciado instrumental de hermenêutica constitucional que a termos diferentes não se deve atribuir significado idêntico.

Valendo-se da cátedra de J.J. GOMES CANOTILHO, CELSO BASTOS observa às pág. 110 da 2.ª Edição de seu livro “Hermenêutica e Interpretação Constitucional” que:

“(…) a letra da lei é o ponto de partida de sua interpretação e, mais adiante, consistirá no limite da mesma. É certo que o elastério do vocábulo comporta limites rigorosos, pois do contrário se estaria afastando de sua função que é a de proporcionar a compreensão do que comunica. Avançar além desses limites significaria criar uma Constituição paralela à Constituição real, para se utilizar de expressão usada por J.J. Gomes Canotilho, o que é totalmente inadmissível.”

Tecidas estas primeiras linhas de consideração, tem-se como certa a insustentabilidade da interpretação do artigo 14, parágrafo 5.°, da Constituição Federal proposta pelo C. TSE, já que desconsidera postulados cogentes e ofende o texto daquela supracitada norma constitucional.

II)

Sobreleva destacar que a inovação da Constituição Federal não significou rompimento com os valores democráticos tuteladores da alternância no poder e da lisura dos pleitos eleitorais.

Houve apenas a sua mitigação, haja vista que a recondução é limitada a um único período subseqüente ao primeiro.

A Lei Fundamental ainda zela pela Democracia Efetiva e conserva seu compromisso histórico-republicano em torno da não perpetuação no poder de pessoas ou grupos familiares.

É valor caro ainda para a ordem constitucional vigente o princípio da igualdade de oportunidade na disputa eleitoral.

Assim, o instituto da reeleição deve ser interpretado harmoniosamente com o panorama histórico e social acima traçado e com o princípio da transitoriedade do exercício do poder que, s.m.j., encontram-se sedimentados na constituição e ordenamento jurídico pátrio.

Dessa forma, é válida a advertência de KONRAD HESSE, feita às páginas 69 de sua obra acima citada, no sentido de que:

“(…) Como a Constituição quer ser atualizada, mas as possibilidades e condições históricas dessa atuação se transformam deve, na resolução de problemas jurídico-constitucional, ser dada preferência àqueles pontos de vista que, sob os respectivos pressupostos, proporcionem às normas da Constituição força de feito ótima.”

Bem por isso, o labor do exegeta, diante da novidade trazida pela Emenda Constitucional n.° 16/97, não pode se desprender das duas ordens de preocupação que norteavam o direito pretérito, a saber, o combate ao continuísmo, bem como ao abuso do poder econômico ou político.

Depreende-se do voto condutor da Resolução TSE n.° 20.928, da lavra do Exmo. Min. FERNANDO NEVES, (DJU de 05.03.2002), o espírito que deve balizar a atividade hermenêutica no que toca à reeleição quando se aduz que:

“(…) também se examinou a questão no julgamento da Consulta n.° 689, Resolução n.° 20.889, de 9.10.01, quando ficou assentado que a Constituição da República veda a permanência de uma pessoa, em um mesmo cargo no Poder Executivo municipal, estadual ou federal, por três mandatos, visto que restringiu a reeleição a um único período subseqüente.”

Merece menção também o bem fundamentado voto da Exma. Min. ELLEN GRACIE exarado por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.° 19.442, publicado no DJU de 07.12.2001:

“O argumento principal para a solução da presente controvérsia, porém, emerge, de fato, da alteração das normas de inelegibilidade, introduzida pela EC n.° 16/97, a qual, ao alterar a redação dada ao parágrafo 5.°, do mesmo art. 14, permitiu a reeleição dos chefes do Poder Executivo por um único período subseqüente. A interpretação sistêmica da nova realidade constitucional leva à necessidade de compatibilização desse dispositivo com aquele constante do parágrafo 7.° do mesmo artigo. Subjacente a todo o conjunto dessas normas constitucionais, estiveram sempre duas ordens de preocupação: (1) a de impedir o ‘continuísmo’, seja pelo mesmo ocupante do cargo, seja por uma mesma família, ao vedar a eleição subseqüente de parentes próximos, e (2) a de impedir o uso da máquina administrativa em tais campanhas, com evidente desvantagem para os demais competidores e para a lisura do processo de escolha democrática.

Ora, inobstante a alteração introduzida pela EC n.° 16, a primeira preocupação permanece atendida pela limitação que se pôs à possibilidade de reeleição. Diz o parágrafo 5.° do art. 14 que o ‘Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.’

(…)

Uma interpretação literal do parágrafo 7.°, como se vê, gera situação paradoxal, à medida que impede a eleição dos parentes e dos cônjuge para o cargo do titular, quando ele mesmo, por sua vez, pode candidatar-se para este mesmo cargo.

Daí concluir que a única solução razoável é a que conjuga os ditames dos parágrafos 5.° e 7.° e lhe dá leitura condizente com os princípios que informaram a redação das normas constitucionais, sem desconsiderar a nova realidade, introduzida pela EC n.° 16. A interpretação dada pelo Tribunal Regional Eleitoral atende à finalidade da norma, que é evitar o uso da máquina administrativa pelo titular, por seu sucessor ou por seu substituto em benefício de seus familiares. Por isso deve ser mantida.”

Naquele mesmo v. Acórdão, constam lúcidas ponderações do Exmo. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

“Mas é lugar comum que o ordenamento jurídico e a Constituição, sobretudo, não são aglomerados caóticos de normas, presumem-se um conjunto harmônico de regras e princípios.

A mim parece impossível negar impacto da Emenda Constitucional n.° 16 sobre o parágrafo 7.° do art. 14 da Constituição, sob pena de consagrar-se o paradoxo – bem relembrado pelo voto da eminente relatora – de impor-se ao parente, que S. Exa. Chamou de ‘autor da inelegibilidade’, o que não se negou a esse autor: permanecer todo o tempo do mandato, se candidato à reeleição, ou afastar-se seis meses, para concorrer a qualquer outro cargo eletivo.”

Não é só. Na exegese da Emenda Constitucional não se deve descuidar de outros princípios caros ao Estado de Direito.

No artigo 1.° da Constituição Federal de 1988 afirmou o Poder Constituinte Originário que o Estado de Direito Brasileiro será Democrático, tendo a cidadania com um de seus fundamentos.

O caput do artigo 5.°, também da Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da isonomia, de capital importância no exercício regular da vida democrática regulada pelo artigo 14 e seguintes da Carta Política.

Em síntese, a vida democrática pode ser assim entendida: São realizadas eleições periódicas, o que acentua o caráter transitório do exercício do poder e a rejeição à perpetuação de pessoas ou famílias no seu exercício e, nessas eleições, assegura-se sempre que possível a isonomia entre os candidatos.

A renovação do poder é regra e a hipótese de reeleição, exceção que é, deve ser interpretada restritivamente de forma a preservar esses princípios e valores diletos do Estado Democrático de Direito.

Merece lembrança a lição de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR:

“Uma interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude da sua expressão literal. Via de regra, o intérprete se vale de considerações teleológicas e axiológicas para fundar o raciocínio. Supõe, assim, que a mera interpretação especificadora não atinge os objetivos da norma, pois lhe confere uma amplitude que prejudica os interesses, ao invés de protegê-los. Assim, por exemplo, recomenda-se que toda norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente deva ser interpretada restritivamente. O mesmo se diga para as normas excepcionais: uma exceção deve sofrer interpretação restritiva. No primeiro caso, o telos protegido é postulado como de tal importância para a ordem jurídica como um todo que, se limitado por lei, esta deve conter, no seu espírito (mens legis), antes o objetivo de assegurar o bem-estar geral sem nunca ferir o direito fundamental que a constituição agasalha. No segundo, argumenta-se que uma exceção é, por si, uma restrição que só deve valer para os casos excepcionais. Ir além é contrariar sua natureza.

(…)

A interpretação restritiva, por vezes, se impõe por si como a mais conveniente, como é o caso das normas excepcionais. Com a extensiva isto não sucede, pois aí uma valoração, pelo intérprete, das situações é mais ostensiva e radical. De certo modo, a doutrina percebe que, nesses casos, o intérprete altera a norma, contra o pressuposto de que a interpretação deve ser fiel – o mais possível – ao estabelecido na mensagem normativa.(…)”.

(in Introdução ao Estudo do Direito, 2.ª Edição, Editora Atlas, 1994, São Paulo, p. 295/297)

III)

Ao tratar da reeleição, o Poder Constituinte Derivado Reformador fugiu do significado léxico mais puro do termo reeleição.

A reeleição não se refere àquele que anteriormente fora sufragado nas urnas, diplomado e empossado para o exercício da Chefia do Poder Executivo em alguma das esferas.

O instituto, no evidente intuito de cercear a perpetuação no poder, encontra aplicação no caso de sucessão ou substituição, independentemente da época em que elas se deram.

O elemento literal da norma, lembrado por CANOTILHO e CELSO BASTOS, não admite interpretação em sentido contrário. Não há como conferir tratamento jurídico distinto aos casos de sucessão e de substituição.

O artigo 14, parágrafo 5.°, da CF/88, promoveu a equiparação da situação jurídica do titular do cargo eletivo, do seu vice, bem como de todos aqueles que se encontram na linha sucessória e que tiveram intimidade com o poder por meio de seu exercício.

A Carta Política refere-se, indistintamente, a sucessão e substituição. Substituir é exercer a chefia do Poder Executivo de forma temporária ou transitória, ao passo que suceder é estar à testa do Poder Executivo de forma definitiva.

Tanto aquele que suceder quanto aquele que substituir, independentemente do instante da sucessão ou substituição, estarão sujeitos ao regramento próprio da reeleição.

Nesse contexto, correto parece afirmar que o substituto ou sucessor do titular da chefia do Poder Executivo poderá candidatar-se para um único período subseqüente ao término do mandato.

Deve-se conjugar a locução “único período subseqüente” à excepcionalidade da reeleição e a vedação à perpetuação no poder.

Conforme já narrado e comprovado pelas certidões que instruem o presente impugnação, o Impugnado Geraldo Alckmin fora eleito por duas vezes ao cargo de Vice-Governador.

Substituiu em diversas ocasiões o titular do mandato de Governador do Estado de São Paulo tanto no seu primeiro quanto no segundo mandato, o que, conforme se verá adiante, já é causa capaz de afirmar a sua inelegibilidade para o cargo de Governador nestas eleições.

Ademais, desempenhou função que extrapola aquelas ordinárias de um Vice-Governador, eis que, no seu primeiro mandato, foi coordenador da Câmara de Desestatização.

Seu íntimo contato com o Poder foi além e, no segundo mandato, com a morte do Senhor Mário Covas Júnior e a vacância do cargo de Governador, passou à condição de sucessor.

Exerceu, de fato e de pleno direito, a Chefia do Poder Executivo Estadual por período considerável do primeiro mandato e por aproximadamente metade do período total da segunda investidura.

Por ter sucedido ou substituído o Governador no curso dos dois mandatos anteriores, não pode se candidatar a um terceiro mandato.

Tal entendimento é corolário lógico da idéia sedimentada na doutrina e jurisprudência de que a chapa é única e indivisível. A unidade da chapa é reconhecida pelo artigo 91 do Código Eleitoral, tendo sido confirmada pelo artigo 77, caput e parágrafo 1.°, da Constituição Federal e pela Lei n.° 9.504/97, artigo 2.°, parágrafo 4.°, lei ordinária posterior à Emenda Constitucional n.° 16/97 que regulou as eleições já sob a égide do instituto em apreço.

Sobre o tema, impende destacar que o candidato à Chefia do Poder Executivo e seu Vice são escolhidos em convenção partidária. São registrados simultaneamente e são votados conjuntamente. São diplomados, uma vez eleitos, e empossados também de forma conjunta. O Vice é seu sucessor e substituto natural.

As Cortes Eleitorais, invariavelmente, vêm consagrando o princípio da indivisibilidade da chapa, reconhecendo dessa forma, que a sorte do Vice está atrelada e subordinada à sorte do Titular do Cargo.

À guisa de ilustração, destaca-se ementa de julgado do C. TSE:

“Registro de Candidato. 2. Pedido de substituição de candidato a Vice-Governador de partido que já não possui candidato a Governador. 3. O registro de candidatos a Governador e Vice-Governador deverá ser feito sempre em chapa única e indivisível – ut art. 91, caput, da Lei n.° 4.737/65. 4. Recurso não conhecido.”

(TSE, Recurso Especial n.° 15.506, Relator Exmo. Min. NÉRI DA SILVEIRA, publicado em sessão de 21.09.1998)

Da indivisibilidade e unidade da chapa majoritária decorre o reconhecimento do direito subjetivo do Vice ao exercício da Chefia do Poder Executivo em caso de falecimento do titular eleito, ainda que antes da diplomação.

A esse respeito, destaca-se a ementa do v. Acórdão TSE tirado do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.° 2.081, da relatoria do Exmo. Min. EDUARDO RIBEIRO, publicado no DJU de 24.03.2000, assim redigida:

“Vice-Prefeito. Diplomação e posse no cargo de prefeito.

O falecimento do candidato eleito para o cargo de prefeito, ainda que antes da expedição do diploma, transfere ao vice-prefeito o direito subjetivo ao mandato como titular.”

Tudo isso significa dizer que, em última análise, quem concorre ao cargo de Vice está concorrendo ao exercício eventual (às vezes definitivo) da Chefia do Poder Executivo.

A comunhão da situação jurídica de Titular e Vice, de tão patente e aquilatada, gerou a inelegibilidade do titular para o cargo de Vice no período subseqüente.

Nesse sentido, v. Acórdão exarado por conta do julgamento do Recurso Extraordinário n.° 158.564, do C. STF, que teve como Relator o Exmo. Min. CELSO DE MELLO.

Constou de seu judicioso voto que:

“Impõe-se reconhecer que a função típica do Vice-Prefeito – além daquela de suceder ao chefe do Poder Executivo no caso de vaga – realiza-se no ato de substituí-lo, em caráter temporário, nas hipóteses de impedimento. Na realidade, essas funções típicas ou próprias do cargo de Vice-Prefeito correspondem às atribuições ordinárias para cujo exercício foi ele instituído.

Autorizar a candidatura, nesta hipótese, poderia dar ensejo à perpetuação do poder, ante a possibilidade sempre presente – de o Vice-Prefeito, mais do que meramente substituir, vir a suceder o prefeito municipal nos casos de vacância. Com esse procedimento, estar-se-ia, em últimas análise, permitindo a uma mesma pessoa, ainda que investida em mandato diversos (o de Prefeito e o de Vice-Prefeito), suceder a si própria no exercício do poder. Ensejar-se-lhe-ia, em suma – e tal como ressaltado pela decisão ora impugnada – o desempenho, por via indireta, de mandato eletivo cujo exercício, em período subseqüente, é expressamente vedado pela Constituição.

O prevalecimento da tese sustentada pelo ora recorrente, afetaria de modo substancial o telos normativo que emerge do preceito consubstanciado no art. 14, parágrafo 5.°, da Constituição e comprometeria, desse modo, a alta finalidade ético-política que ditou a formulação dessa regra básica de inelegibilidade de nosso sistema jurídico.”

Tal entendimento, s.m.j., deve ser amenizado, após o advento da Emenda Constitucional n.° 16/97, para se reconhecer a sua elegibilidade desde que, para aquele período, seja lícita sua recondução à Chefia do Poder Executivo.

O E. Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, dirimindo consulta, firmou esse entendimento, conforme se verifica do v. Acórdão de n.° 23435, publicado no DJE de 03.02.2000.

Na fundamentação daquele v. aresto, deixou consignado seu Exmo. Relator Des. TADEU COSTA que

“(…) Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal esposa o entendimento de que a expressão mesmos cargos ‘deve abranger não apenas os que ostentam a mesma denominação (Presidente, Governador e Prefeito) mas também aqueles que, a despeito da denominação diversa (Vice-Presidente, Vice-Governador e Vice-Prefeito), tem como atribuição ordinária (senão exclusiva) o potencial exercício das funções próprias daqueles cargos (Recurso Extraordinário n.° 158.564 – AL, relator o ilustre Ministro Celso de Mello).”

Doravante, diante da nova redação do artigo 14, parágrafo 5.°, da CF, poderá o Titular pleitear uma única vez a reeleição. Findo este, inviável é a busca de novo mandato na condição de Vice, haja vista que tais funções, em verdade, se confundem, posto que a atribuição ordinária do vice é o exercício da chefia do Poder Executivo.

Se tal raciocínio aplica-se ao titular reeleito que busca eventual terceiro mandato na condição de vice, também deve ser aplicado ao vice postulante de terceiro mandato, agora ao cargo de titular, ainda mais quando este vice tenha tido tão íntimo e pleno contato com o poder.

Nesse diapasão, mostra-se inviável a candidatura do Impugnado Geraldo Alckmin para um terceiro período à frente do Poder Executivo Estadual.

A jurisprudência firmada pelo Colendo Tribunal Superior Eleitoral inclina-se nesse sentido.

Segue transcrita a ementa da Resolução n.° 20.928, da lavra do Exmo. Min. FERNANDO NEVES, publicada no DJU de 05.03.2002:

“Titular. Mandato no executivo. Renúncia seis meses antes do pleito. Reeleição por mais dois mandatos. Impossibilidade.

O titular de mandato executivo que renuncia, se eleito para o mesmo cargo, vindo, assim, a exercê-lo no período imediatamente subseqüente, não poderá, entretanto, ao término desse novo mandato, pleitear reeleição, porque, do contrário, seria, admitir-se, contra a letra do art. 14, parágrafo 5.°, da Constituição da República, o exercício do cargo em três períodos consecutivos (precedentes: Resolução n.° 20.114, de 10.03.98, e Resolução n.° 20.889, de 9.10.01).”

A posterior Resolução n.° 20.942 reafirma o entendimento acima apontado, conforme resta evidente da ementa redigida pelo Exmo. Min. FERNANDO NEVES:

“Vice-prefeito. Substituição. Prefeito. Renúncia. Reeleição por mais dois mandatos. Impossibilidade.

Vice que substitui o titular de mandato executivo em face de sua renúncia, elegendo-se para um mandato subseqüente, não poderá, ao término desse novo mandato, pleitear reeleição, porquanto a Constituição Federal restringe a reeleição a um único período, não se permitindo o exercício de um eventual terceiro mandato. (Precedentes: Consulta n.° 366, de 10.03.98; Consulta n.° 689, de 9.10.01; e Consulta n.° 728, de 13.11.01)”

Esgotou-se no patrimônio jurídico do Impugnado Geraldo Alckmin a produção de efeitos do artigo 14, parágrafo 5.°, da Constituição Federal, haja vista que ele já fez uso do permissivo constante daquela norma por conta de sua reeleição no pleito de 1.998. Assim, inviável a busca de um terceiro mandato consecutivo no Poder Executivo Estadual.

Convém frisar que a Lei Fundamental ainda tem como regra a impossibilidade de recondução para os cargos ou funções mais destacadas. A título de ilustração, tem-se o artigo 57, parágrafo 4.° da Carta Política, que impossibilita a reeleição para o mesmo cargo no período subseqüente nas eleições das mesas das Casas Legislativas do Congresso Nacional, ou, ainda, o artigo 89, VII, da Lei Maior, que veda a recondução dos cidadãos componentes do Conselho da República.

Assim, qualquer exceção ao princípio da eventualidade do exercício do poder merece a interpretação construtiva delineada, a fim de bem conjugar todos os valores postos em questão.

Não se trata de mera interpretação restritiva dada à norma em apreço. Cuida-se, em verdade, de buscar a ratio essendi do comando normativo constitucional por meio de uma atividade hermenêutica construtiva ligada intimamente ao telos normativo, de forma a afastar uma exegese cega da regra de exceção.

O ex-Procurador-Geral XAVIER DE ALBUQUERQUE, lembrado pelo Exmo. Min. CORDEIRO GUERRA em lapidar voto constante do BE 236/455, mencionado no RE 158.564-1, do Pretório Excelso, é preciso ao afirmar que o “estabelecimento de uma inelegibilidade atende a aspirações menos jurídicas do que morais, sociológicas, econômicas, uma palavra, políticas” e que o comando normativo que alberga uma inelegibilidade não pode, na sua interpretação “ser manipulado como preciosismo capaz de frustar, pela prevalência do meio sobre o fim, a sua própria destinação.”

Caso prevaleça entendimento diverso, estar-se-ia franqueando que pessoa certa permaneça no Poder por quatro períodos de quatro anos, o que, de acordo com o arcabouço axiolóxico trazido pela novel Carta Política, é insustentável pelas razões já expostas.

Data maxima venia, a exegese do texto constitucional pretendida na presente Impugnação é que deve prevalecer.

Por ela, revela-se o real alcance do instituto da reelegibilidade, porque dá ao artigo 14, parágrafo 5.°, da Constituição Federal efetividade e concretude e preserva-se, por outro lado, valores relevantes ao Estado Democrático de Direito, já que foram resguardados o princípio democrático, a isonomia, a lisura da disputa eleitoral e a salutar alternância no poder em repúdio ao continuísmo.

Por ser a interpretação defendida a que melhor se afina com postulados, instrumentais e princípios aplicáveis, deve ser acolhida a presente impugnação.

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