Enrolação punida

A multa pela utilização do recurso com objetivo procrastinatório

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11 de julho de 2002, 13h25

Como qualquer outro meio colocado no processo, à disposição da parte, para sustentar suas razões e fazer valer o direito que porventura tenha, também os embargos de declaração – instituto de origem portuguesa e como a casa portuguesa, com certeza (1) – devem ser utilizados na real medida em que necessários e úteis para “a finalidade de completar a decisão omissa, ou, ainda, de aclará-la, dissipando obscuridades ou contradições” (2), apenas para isso, asserto que implica já na idéia de não admiti-los com o reprovável escopo de retardar a marcha de um feito, o que, infelizmente, acontece, e não tão raramente quanto se possa imaginar, num primeiro momento.

E, evitar tão lastimável procedimento, foi algo com o que preocupou-se o legislador (ainda que pareça incrível!), do que dá robusta demonstração o estatuído no parágrafo único, do artigo 538, do CPC, ou, como superiormente dilucida o preclaro Antonio Janyr Dall’ Agnol Júnior:

“Cioso o legislador originário, a que se somou igual preocupação do reformador, com o comportamento desleal das partes no processo, cuidou de dispor sobre a eventualidade de recurso sem fundamentação minimamente razoável, com objetivo apenas procrastinatório”.

Por isso, segundo a primeira parte do único parágrafo do art. 538, deparando o órgão jurisdicional – de primeiro ou de grau superior – com recurso que se enquadre no conceito, haverá de, fundamentadamente, aplicar multa no embargante, destinando-se o produto dela ‘a ser entregue ao embargado”. (3)

Clara, portanto, não só a possibilidade, mas, mesmo, a necessidade de se coibir sejam oferecidos embargos declaratórios meramente protelatórios, por significar condenável desvirtuamento da sua razão de ser, assertiva essa que, de tão evidente, dispensa maiores considerações para demonstrar sua veracidade.

Todavia, diante da redação do citado parágrafo único, do art. 538, do Estatuto Processual, surge a dúvida, que divide as opiniões (se fosse um assunto romântico ou futebolístico, melhor cairia a elocução “dividiria os corações”), acreditando alguns que apenas se houver reiteração, na apresentação de embargos declaratórios manifestamente protelatórios, é que a multa por isso imposta, condicionará “a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo”, na dicção do aludido preceito legal, enquanto que, para outros, desnecessária a reincidência, para a obrigatoriedade de se efetuar o depósito que se vem de mencionar. Dilucida o preclaro Júlio César Bebber, em obra de sua autoria, que:

“O depósito do valor das multas em nada se identifica com o depósito do valor da condenação. Aquele visa sancionar a parte, pela ação desleal, com a imposição de efeito pecuniário, enquanto este, como ressaltado anteriormente, busca assegurar, ainda que parcialmente, o sucesso da futura execução”.

Trata-se, pois, de institutos diferentes que, a não ser pela condição de pressuposto recursal, em nada se identificam, merecendo cada qual tratamento próprio.

Dessa forma, sendo imposta ao empregador (réu) multa com fundamento nos arts. 538, parágrafo único, e 557, parágrafo 2o, do CPC, este, para ter admitido seu recurso, deverá depositar o valor arbitrado à condenação (em sua totalidade ou de acordo com o limite legal), além da quantia integral da multa imposta.

O valor da multa não deverá ser somado ao quantum arbitrado à condenação para efeito do depósito recursal, por tratar-se de instituto com finalidade distinta. O fato de já se ter efetuado o depósito da condenação no valor limite (Lei n. 8.177/91, art. 40), frise-se, não exime o depósito do valor da multa, que deverá ser efetivado integralmente”. (4)

Bem é de ver que o renomado autor não exige reincidência alguma, como obrigatoriedade para o depósito. Estamos em que, data vênia de posicionamentos contrários, não colhe o argumento de que a obrigatoriedade do depósito da multa só é de exigir-se em havendo reincidência na oposição de embargos declaratórios protelatórios, e isso por duas singelas – e por isso mesmo sólidas – razões, a saber:

a) tal entendimento, o do pressuposto da reiteração, implica em reconhecer que é possível, sem maiores consequências imediatas, oferecer, uma vez, embargos declaratórios protelatórios, sentir esse que, pelos resultados a que leva, há de ser descartado, mesmo porque foge, aliás, em desabalada carreira, do espírito da lei; nesse passo, interessante transcrever lúcido ensinamento do festejado Bolívar Viégas Peixoto, no sentido de que:

“Aplica-se a exigência do depósito inclusive ao reclamante e em qualquer hipótese de aplicação da multa, seja ao embargante primário, seja ao reincidente, não se podendo admitir que a condição de depósito para a interposição de recurso se limite à reiteração dos embargos protelatórios, o que fugiria ao espírito do texto da lei”. (5)

b) a parte final do parágrafo único, do art. 538, do CPC, quando cuida da reincidência, trata de sua configuração para efeitos de elevação da multa e não para que o depósito da mesma seja feito como pressuposto para interposição de qualquer outro recurso, conclusão que mais se harmoniza com uma interpretação do sistema processual como um todo, de notável e irrecusável importância.

Aliás, não se deve olvidar que o ponto, quando um período sucede a outro, no mesmo parágrafo, como se dá “in casu”, não significa que o período que se inicia não tem qualquer ligação com o anterior, antes, deve ser considerado que há um encadeamento de idéias entre os mesmos, ou um desdobramento do enunciado no período principal, com o exposto no posterior; apenas quando “se passa de um grupo a outro grupo de idéias, costuma-se marcar a transposição com um maior repouso da voz, o que, na escrita, se representa pelo ponto parágrafo” (6), lição essa que nos lembra e permite ver que no parágrafo único do mencionado art. 538, do CPC, e até por se tratar de um parágrafo, se está desenvolvendo, mas dentro de um mesmo grupo de idéias, os meios de que o legislador lançou mão para evitar a apresentação de embargos declaratórios procrastinatórios.

Entre as cinco qualidades que um bom parágrafo deve possuir, segundo Luiz Carlos Figueiredo, “unidade, coerência, consistência, concisão e ênfase” (7), uma delas, a primeira, de momento, nos interessa mais de perto, pois: “A unidade é a primeira qualidade do parágrafo. Ela amarra todas as idéias entre si: a idéia central às idéias secundárias, e estas entre si (todas têm algo em comum, que as unifica); e cada idéia se liga às próprias exemplificações ou detalhes. A unidade seleciona uma forte idéia central (período tópico) ao redor da qual giram as mais importantes idéias secundárias. Assim, se a idéia central contém A, todas as idéias secundárias contêm a”. (8)

Ora, em sendo assim, não se vê como e porque separar e condicionar “a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo”, apenas quando da reincidência no oferecimento de embargos declaratórios procrastinatórios, quando esta – a reincidência – apenas justifica o aumento da multa imposta mas que, como a anterior – a multa primeiramente imposta -, visa a obstar que aqueles sejam oferecidos, proibição essa que esta à base da idéia principal do parágrafo em exame, e que autoriza, impõe mesmo, que o respeitante depósito, como condição para interposição de outro recurso, se aplique em ambos os casos de imposição de multa, ligadas que estão, insista-se, à idéia central de coibir a prática de se apresentar embargos declaratórios protelatórios.

Em seus escólios ao artigo “sub examen”, ensina o conceituado processualista Humberto Theodoro Júnior que:

c) a multa pelo uso dos embargos em caráter protelatório poderá, agora, ser elevada de 1% para 10% do valor da causa, caso a parte reitere a prática do recurso abusivo (parágrafo único);

d) aplicada a pena ao embargante protelador, qualquer outro recurso que pretenda manejar terá sua interposição condicionada ao depósito da multa cominada (parágrafo único)”. (9)

Bem é de ver que o citado autor liga o aumento da multa à reincidência, o que não faz, quanto ao condicionamento da interposição de qualquer outro apelo à satisfação da mesma, em relação ao que limita-se a mencionar “embargante protelador”. Por seu turno, Luis Arlindo Feriani, dilucida que:

“Em contra-partida, visando obstar a utilização do recurso com objetivo meramente procrastinatório, possibilitou-se agora expressamente, no sentido do que já admitia a jurisprudência, que tanto o tribunal, como o juiz, declarando o caráter protelatório dos embargos, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de um por cento (1%) sobre o valor da causa, com a elevação, no caso de reiteração, a até dez por cento (10%), subordinando a interposição de qualquer outro recurso ao depósito respectivo” (10).

Ao empregar o vocábulo “respectivo”, no parágrafo suso-reproduzido, à toda evidência, o insígne processualista, deixou claro que a multa há de ser satisfeita, tanto num caso como em outro, não ligando-a à reincidência.

Para além do que já foi exposto e em linha de arremate, cabe evocar a natureza alimentar do crédito trabalhista, que faz com que, também no direito processual, se procure a interpretação que propicie a mais rápida satisfação do mesmo, e que se entende ser a ora esposada, na quaesio que se vem de examinar.

Bibliografia:

“Embargos de Declaração no Processo Civil Brasileiro”, Vicente Miranda, Saraiva, 1990, página 27.

“Código de Processo Civil Comentado”, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, RT, 5a Edição, página 1040.

“Revista da Ajuris – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul”, ano XXVI, n. 80, dezembro/2000, página 42.

“Recursos no Processo do Trabalho”, LTr, 2000, página 139.

“Iniciação ao Processo Individual do Trabalho”, Forense, 3a Edição, página 238.

“Gramática da Língua Portuguesa”, Fename, 6a Edição, 1980, página 599.

“A Redação pelo Parágrafo”, Editora UnB, s/d, página 31.

in obra citada, página 30.

“As Inovações no Código de Processo Civil”, Forense, 4a Edição, página 28.

10. “Breves Anotações às Recentes Alterações do Código de Processo Civil”, E.V.Editora Ltda., 2a Edição, página 50.

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