Foro privilegiado

Câmara dos Deputados amplia foro privilegiado de políticos e juízes

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8 de julho de 2002, 11h54

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou o foro privilegiado para autoridades no exercício de função ou mandato e também para ex-ocupantes de cargos públicos — presidente, ministros, governadores, senadores, deputados, prefeitos e magistrados. O benefício especial, iniciativa de parlamentares do PSDB, alcança investigados por crimes comuns e de responsabilidade e é extensivo aos atos de improbidade administrativa, prevalecendo até mesmo se o inquérito ou a ação judicial tiver início após o término do exercício da função.

O foro privilegiado está previsto no substitutivo ao projeto de lei 6.295/2002, que altera a redação do artigo 84 do Código de Processo Penal. O substitutivo, aprovado discretamente no dia 28, tem caráter conclusivo — de acordo com o artigo 24 do Regimento Interno da Câmara, ele não necessita ser submetido ao plenário.

“A votação ocorreu no apagar das luzes da sessão legislativa, quando todas as atenções da população estavam voltadas para a decisão da Copa do Mundo”, alertou o procurador de Justiça Marfan Martins Vieira, presidente da Conamp (Confederação dos Ministérios Públicos Estaduais).

Nomes que compõem a lista de investigados pela Procuradoria da República e pelo Ministério Público nos Estados serão contemplados imediatamente — casos do ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) Nicolau dos Santos Neto, do ex-senador Luiz Estevão, da ex-governadora Roseana Sarney (PFL-MA) e do ex-presidente do Senado Jader Barbalho (PMDB-PA).

Processos de natureza criminal e civil em que Nicolau, Estevão, Roseana e Jader são citados migrarão da primeira instância do Judiciário para tribunais superiores.

Moralidade

Jamais uma proposta que garante tratamento diferenciado às autoridades foi tão longe. Projetos na mesma direção, apresentados por parlamentares da base governista, nunca prosperaram na Comissão de Constituição e Justiça. O texto do foro já chegou à Mesa Diretora da Câmara e aguarda apenas o transcurso de cinco sessões para apresentação de eventual recurso. O prazo deverá esgotar-se em 9 de agosto.

Para apresentação de recurso – como impõe o artigo 132 do regimento —, são necessárias 52 assinaturas. Se não houver recurso, ou se for rejeitado, o projeto aprovado na CCJ será encaminhado diretamente ao Senado para posterior envio a sanção do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Marfan avalia que “a proposição cria privilégio odioso e injustificável para o administrador faltoso, cerceando a ação do Ministério Público, justamente quando o crescimento dos casos de corrupção em todo o País recomenda atuação firme, corajosa e verdadeiramente patriótica dos promotores e procuradores em defesa da moralidade pública”.

O autor do projeto 6.295 é o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG). O autor do substitutivo é o deputado André Benassi (PSDB-SP). Ambos foram buscar na redação do Decreto-Lei 3.689 (Código de Processo Penal), que data de outubro de 1941, uma brecha para restabelecer o foro privilegiado no caso de ação penal e criar o benefício no caso de improbidade.

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A diferença dos dois textos, o do projeto original e o do substitutivo, é que Benassi estendeu o benefício aos acusados em processos abertos com base na Lei da Improbidade Administrativa – principal instrumento do Ministério Público para submeter à Justiça agentes políticos e servidores envolvidos em atos lesivos ao erário, fraudes e desvios de recursos públicos.

O artigo 84 passa a ter a seguinte redação: “A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade”.

O parágrafo único define: “A competência especial relativa a atos administrativos do agente prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública”. Fica estabelecido, ainda, que a ação de improbidade “será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública”.

Oportuna

O deputado Benassi argumentou que “a proposta é extremamente oportuna, pois visa a recompor garantias de direitos”. Ao votar pela “constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e no mérito pela aprovação do projeto 6.295/02, na forma do substitutivo apresentado”, o autor sustentou que a competência especial por prerrogativa de função “é determinada pela relevância e gravidade das conseqüências do ato público praticado pelo agente, em razão da dignidade do cargo que exerce, ou seja, não se examina o indivíduo, mas sim, o ato praticado no exercício das funções públicas”.

Para Benassi, “o fato de se romper o vínculo funcional não retira a essência do ato que continua sendo público, sendo aconselhável o julgamento de tais atos por foros especiais”.

O tucano ressaltou que a alteração “não deve conter eventuais dúvidas no que tange à extensão da competência especial”. “É necessário esclarecer que o que se deseja é manter a prerrogativa de foro especial unicamente para o julgamento dos atos compreendidos nas atribuições administrativas do agente público, não interferindo de tal forma no julgamento dos crimes comuns”.

Procurador reúne assinaturas para contestar decisão

O procurador de Justiça Marfan Martins Vieira, presidente da Confederação dos Ministérios Públicos Estaduais, avalia que o projeto do foro privilegiado “é fato que se reveste da maior gravidade”. Na quinta-feira, ele transmitiu mensagem simultânea a todos promotores de Justiça e procuradores no País, conclamando a categoria a se mobilizar “para obtenção das assinaturas necessárias à interposição do recurso”. “É fundamental vigorosa campanha contra o projeto, absolutamente contrário ao interesse público”.

Para o juiz Fernando Moreira Gonçalves, diretor da Associação dos Juízes Federais, o foro privilegiado é “um absurdo”. E lembrou que as investigações abertas pelo Ministério Público na área de improbidade, nos últimos anos, “foram muito importantes para descobrir casos graves de corrupção”.

Gonçalves citou o caso do desvio de verbas das obras do Fórum Trabalhista, que começou com investigação por improbidade feita por procuradoras da República em São Paulo, em 1998. Na época, o juiz Nicolau dos Santos Neto e o então senador Luiz Estevão não podiam ser investigados criminalmente porque dispunham de prerrogativa de foro por força da Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal. Em agosto de 2000, o STF revogou a súmula.

Transparência

“Esse projeto, numa só penada, restabelece a prerrogativa de foro criminal para ex-ocupantes de cargos públicos e cria o benefício em ação de improbidade, o que nunca existiu”, advertiu o magistrado. “A quem interessa obstáculos para a investigação de improbidade pelo MP?”

Para o juiz, “se ocasionalmente procuradores cometem abusos no curso de investigações, o caminho para corrigi-los certamente não é esse”. “Esse projeto vai na contramão da história e afronta diversos princípios constitucionais”.

Com o foro especial, as investigações de improbidade envolvendo autoridades estaduais e municipais vão se concentrar nas mãos do procurador-geral de Justiça, nomeado pelo governador. A missão hoje confiada a centenas de promotores terá de ser cumprida pelo chefe do Ministério Público. No âmbito federal, processos contra ex-governadores e ex-senadores vão se acumular no Superior Tribunal de Justiça e no STF.

Autor sustenta que medida é de bom senso

O deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), autor do projeto que amplia o foro privilegiado para ex-ocupantes de cargos públicos, considera a medida “um desdobramento lógico e de bom senso em favor do cidadão que atuou na função pública e que precisa garantir-se de tudo que fez durante o exercício dela”. “O que se procura é promover a quantos que exercem cargos e funções de especial relevância para o Estado, uma vez processados após o término do mandato ou do exercício funcional, a garantia de ter o foro especial que lhe era proporcionado ao tempo da titularidade”, afirmou o deputado.

“Se o presidente da República ou ex-governador ou ex-secretário de Estado, depois de terminado o prazo da função, for processado por atos ou manifestações havidos ao tempo em que exerciam suas atividades públicas, o tribunal há de ser aquele que julgaria naquela época os respectivos atos ou manifestações que promovera no período”, destacou Bonifácio.

Para o deputado tucano, se isso não ocorrer, “os riscos de qualquer cidadão serão enormes, colocando-os numa situação de desigualdade e de dificuldades, o que prejudicará aqueles que, por dever, disputarem mandatos populares ou exercerem cargos governamentais.”

Independência

Bonifácio de Andrada assegurou que “as providências do projeto constituem garantias e não privilégios, pois a capacidade que se espera das autoridades amparadas pelo foro especial por prerrogativa de função ficará comprometida se houver receio de que, cessado o mandato ou a investidura, o seu julgamento não será mais realizado pela autoridade judiciária que a própria Constituição considerou mais isenta, e sim por outra que, presumidamente, não teria o mesmo grau de independência”.

O deputado observou que “não se pode olvidar que o título de cargo público angaria ao longo de seu exercício inúmeros adversários, e que estes podem exercer pressões como vindita contra aquele, que no exercício do cargo, contrariou interesses, e agora ostenta apenas a condição de ex-autoridade e adversário da corrente dominante”.

“O interesse social do bom exercício da função pública recomenda que o foro especial por prerrogativa de função seja prorrogado, mesmo depois de cessado o mandato ou a investidura, em relação aos atos praticados no exercício do cargo”, completou Bonifácio de Andrada.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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