Reforma do Judiciário

A Reforma do Judiciário e o Quinto Constitucional

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3 de agosto de 1999, 0h00

Muitos dizem que o chamado “quinto constitucional”, previsto no artigo 94 da Constituição Federal, teria como objetivo levar para os Tribunais a experiência profissional e a visão ampliada e de certa forma mais amadurecida de advogados e membros do Ministério Público, os quais dessa maneira estariam colaborando para que os julgamentos nas instâncias superiores fossem mais democráticos.

Assim, a Ordem dos Advogados e o Ministério Público indicam os seus candidatos para o “quinto”, formando uma lista sêxtupla que adota como um dos critérios de escolha um requisito de difícil ou discutível aferição, que é o do “notório saber jurídico”, requisito esse que pode dar margem a indicações baseadas em subjetivismos sujeitos a interferências que não favorecem o mérito.

Não comentaremos nesta oportunidade o requisito de “ilibada reputação”, já que ele deve ser preenchido por qualquer aspirante ao cargo de Juiz, mesmo na primeira instância, da mesma forma que a “idoneidade moral” é requisito legal a ser preenchido para a própria inscrição como advogado.

Apesar da aparente “democratização” ou “arejamento” dos Tribunais, a elaboração de listas sêxtuplas acaba por sujeitar os indicados a constrangedores pedidos de apoio, seja a Conselheiros das Seções da Ordem dos Advogados, seja a integrantes do Ministério Público, o que viabiliza a interferência de interesses ou sentimentos pessoais que em nada enriquecem o sistema de escolha.

Ao submeter a lista sêxtupla ao crivo do próprio Tribunal de que o candidato deseja fazer parte, possibilita-se verdadeira submissão da Advocacia e do Ministério Público ao Poder Judiciário, o que prejudica a liberdade e a autonomia dessas instituições, em evidente prejuízo do interesse maior da Justiça.

Outrossim, após a escolha dos Tribunais a decisão final pertence ao Poder Executivo. Isso acaba violando os mais elementares princípios de independência e autonomia que devem existir entre os poderes da República, ignorando o princípio clássico da sua tripartição. Não raras vezes a escolha final recai sobre o indicado que melhor tenha demonstrado defender os interesses do Executivo, desequilibrando a balança da Justiça.

Em várias ocasiões temos encontrado pretendentes ao “quinto” que procuram justificar a candidatura com uma alegada “irresistível vocação” para a magistratura, só percebida depois de mais de dez anos de advocacia. Se a vocação é tão irresistível como alegam, certamente haverá de ser suficiente para vencer as diversas etapas de um concurso público de títulos e provas, embora alguém possa afirmar que vocações deveriam manifestar-se mais cedo.

Entendemos que a única forma verdadeiramente democrática de ingresso na magistratura e no serviço público em geral, especialmente no Judiciário, pelas suas próprias e singulares características, finalidades e poder, é através de concursos públicos de provas e títulos, sistema que, evidentemente, melhor pode aferir o já citado requisito de “notório saber jurídico”.

O acesso dos magistrados aos Tribunais superiores deve ser uma conseqüência de progressão na respectiva carreira, combinando-se a aferição de tempo de serviço e merecimento, critérios apuráveis objetivamente, enquanto a indicação através de listas sêxtuplas pode resultar de composições de natureza estranha àqueles critérios.

Da forma como atualmente existe, a instituição do “quinto” possibilita interferências políticas ou de outra espécie, com o que os indicados podem se ver obrigados ou comprometidos a retribuir tais interferências, com evidente prejuízo para uma Justiça verdadeiramente democrática, transparente e adequada aos tempos de modernidade em que vivemos.

Há quem entenda, por tudo isso, que a instituição do “quinto constitucional” é resquício medieval e colonial, de épocas em que a Justiça era um favor concedido pelo Rei ou Imperador e não uma conquista e exigência da sociedade politicamente organizada em um Estado democrático de Direito.

Acompanhando as formações das listas “sêxtuplas” no Estado de São Paulo, temos verificado que os candidatos que se apresentam ao Conselho Estadual da OAB, como regra, preenchem folgadamente todos os requisitos que a Lei Maior exige. Sem dúvida qualquer um dos candidatos, se nomeado, iria abrilhantar e enriquecer os Tribunais superiores.

Todavia, não nos parece justo que advogados e membros do Ministério Público devam se submeter ao constrangimento de pedir votos ou apoios a seus colegas para que possam ocupar cargos nos Tribunais superiores. E o que é pior: que essas pessoas, profissionais de ilibada reputação e reconhecido saber jurídico tenham de se submeter a humilhantes e desgastantes “campanhas”, envolvendo até membros do Legislativo, como se tais cargos pudessem resultar de algum tipo de “negociação” política, no seu aspecto mais negativo.

Nem por eleição direta, onde todos os advogados votassem, nem através de concursos, seriam evitadas ingerências ou pressões espúrias sobre tal processo. Haveria, por certo, prejuízo ao princípio da isonomia.

No Estado de São Paulo o Conselho Seccional da OAB vem, pelo menos atualmente, dando ao texto constitucional um tratamento absolutamente transparente, democrático e criterioso. A formação das listas sêxtuplas é precedida de ampla divulgação, abrindo-se a todos os advogados que entendam preencher os requisitos legais igual oportunidade de inscrição. Os “curricula” dos inscritos são examinados com antecedência por todos os Conselheiros, que, em sessão pública, fazem um amplo exame dos candidatos. Dessa forma, os indicados atualmente pela OAB-SP são, sem sombra de dúvida, os que melhor atendem às exigências do procedimento, pela sua cultura, pela sua tradição advocatícia e pelo seu notório saber jurídico.

Não pode a OAB, certamente, deixar de participar do processo, pois as vagas a serem preenchidas decorrem de preceito da Carta Magna e a omissão por certo prejudicaria a composição dos Tribunais. Mas é evidente que, submetendo a escolha ao Judiciário e finalmente ao Executivo, cria-se a possibilidade de interferências espúrias ou pressões políticas, isso quando, como agora, a OAB procure não exercê-las e faça uma escolha criteriosa. Se houver, em algum Conselho, descuido nesses critérios, evidentemente que toda a legitimidade da escolha ficará prejudicada e poderá o sistema servir de instrumento para o atendimento de interesses subalternos ou mesmo para o exercício de tráfico de influência.

Diante de todas essas considerações, e ao se cuidar de uma reforma do Poder Judiciário, entendemos que já é hora de eliminar essa forma de nomeação de Juizes. Os que possuam o requisito do “notório saber jurídico”, certamente não terão qualquer dificuldade para que sejam aprovados nos concursos de ingresso à magistratura. Nossa sugestão, portanto, é que simplesmente seja extinto o “quinto constitucional”. Quem tiver vocação para a Magistratura, que preste os concursos das carreira, onde poderá receber as promoções necessárias para preencher as vagas dos Tribunais.

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