Pedido rejeitado

TJ-RJ rejeita agravo para suposto filho de W. Moreira Salles

Autor

4 de julho de 2002, 15h33

Enquanto não for feito o exame de DNA para detectar se José Roberto Pacheco é filho de Walter Moreira Salles, ele não pode se habilitar no inventário da família dona do Unibanco.

A decisão é do desembargador da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Mauricio Caldas Lopes.

Pacheco luta há mais de um ano para ser reconhecido como filho de Salles. O romance entre Maria Pacheco e Walter Salles teria durado 10 anos.

Leia a decisão

Agravo de Instrumento n° 2747/2002

Agvtes. Pedro Moreira Salles e S/Mulher e Outro

Agvdo. José Roberto Gomes Pacheco

Interessado 1: Walther Moreira Salles Júnior e Outro

Interessado 2: Espólio de Walter Moreira Salles p/Inventariante

Redator Para O Acórdão: Desembargador Mauricio Caldas Lopes

Investigação à paternidade

Filho nascido na constância do casamento.

Adulterinidade a matre.

Impossibilidade jurídica do pedido.

Com o advento do exame de pareamento cromossomial e da nova ordem jurídica implantada pela Constituição de 1.988, assecuratória do direito à própria dignidade — CR., artigo 227 – que, necessariamente, compreende o de conhecer a própria e real identidade, exibe-se anacrônico o sistema da presunção relativa da paternidade decorrente de justas núpcias, que impedia se vindicasse estado de família diverso do que decorrente do registro de nascimento, conclusão que mais se robustece à luz do artigo 27, do ECA., que bem se pode ter, no particular, por regulamentador do preceito constitucional. e que arreda toda e qualquer sorte de restrição ao exercício do direito à ação investigatória, cujos efeitos, a um só tempo constitutivo de novo status familiae e desconstitutivo do anterior, alcança, como resultante necessária de seu acolhimento, o registro de nascimento decorrente da presunção pater is est quem justae nuptiae demonstrant.

Coisa julgada.

Não se pode pretender formada coisa julgada material, em decorrência de singela homologação de partilha amigável nos autos do inventário dos bens ficados pelo decesso do pai registral do investigante – sujeita à desconstituição pelo mesmo erro que fundamentaria a do registro – tanto mais quando não há identidade de partes, pedido e respectiva causa.

Litisconsórcio passivo necessário.

Inexistência.

Vivo que fosse o pai presuntivo, deveria ele, necessariamente, compor o polo passivo da lide, na qualidade de litisconsorte necessário, não assim a mãe e a irmã do investigante, cujo interesse mais se aproxima ao de assistir ao autor da demanda, em face da repercussão da eventual procedência do pleito investigatório na partilha homologada.

Improvimento do agravo.

acórdão

Vistos, discutidos e relatados estes autos do Agravo de Instrumento nº 2.747/02, em que são agravantes Pedro Moreira Salles e sua mulher e outro, agravado José Roberto Gomes Pacheco e interessados 1) Walther Moreira Salles Júnior e outro; 2) espólio de Walther Moreira Salles p/inventariante, acordam, os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso.

Assim decidem na conformidade do relatório e voto do redator designado.

relatório

1.Adoto, inicialmente, o relatório, lido na Sessão de Julgamento, pela eminente Desembargadora-relatora, e que tem o seguinte teor:

“Trata-se de agravo de instrumento interposto por Pedro Moreira Salles, sua mulher Marisa Moreira Salles, Fernando Roberto Moreira Salles, e sua mulher Cláudia Espínola Moreira Salles, contra decisão da MMa. Juíza da 10a Vara de Família que rejeitou todas as preliminares suscitadas pelos réus, ora agravantes, em ação de investigação da paternidade em que foi argüida a impossibilidade jurídica do pedido face à presunção da paternidade advinda do casamento; a ocorrência de coisa julgada e carência de ação por não ter sido rescindida a sentença homologatória da partilha dos bens deixados pelo pai do autor onde também se afirma a paternidade de José Ildefonso de Medeiros Pacheco em relação a este; a necessidade de se terem como litisconsortes passivos a mãe e a irmã do autor em se admitindo cumulação de pedidos de investigação de paternidade e de anulação de registro o que, todavia se afirma ser impossível; a decadência do direito de negação da paternidade conforme previsto no artigo 178, parágrafo 3o do Código Civil, necessidade de haver precedência da prova da falsificação do registro, bem como ilegitimidade ativa “ad causam” quanto à negatória de paternidade pois esta só pode ser negada por aquele contra quem prevalece a presunção da paternidade.


Sustenta a magistrada que proferiu a decisão ora agravada que improcedem todas as preliminares argüidas porque o parágrafo 6o, do artigo 227, da CF, alterou radicalmente o sistema anterior enaltecendo a dignidade da pessoa e a perquirição da filiação; lastreou seu entendimento também no artigo 27 do ECA que afirma ser o estado de filiação direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.

Inconformados, rebelam-se os agravantes contra a rejeição das preliminares, bem como contra a autorização também concedida na decisão agravada para a realização de exame pericial (DNA) nos restos mortais do falecido pai do primeiro e terceiro agravantes, reiterando os argumentos expostos na contestação.

A peça inicial veio acompanhada dos documentos que estão nas fls. 34 a 407, estando cópia da decisão agravada nas fls. 57 a 59.

Foi deferido efeito suspensivo ao recurso (fls. 410), tendo sido interposto agravo regimental (fls. 423 a 430) que não foi provido, conforme acórdão de fls. 436 a 438.

Foi informado o cumprimento ao artigo 526 do CPC, nas fls. 417 a 421, e mantida a decisão aqui atacada.

As contra-razões ao recurso estão nas fls. 440 a 453 e prestigiam a decisão atacada, seguidas de peças de fls. 454 a 461.

O parecer do Dr. Procurador de Justiça está nas fls. 463 a 465 e é pelo não provimento do recurso.

Este é tempestivo e foi oportunamente preparado.”

1.3 Este, pois, o relatório.

voto do redator do acórdão

2. Editada em 1.916, a Lei Civil ainda em vigor, à míngua de legislação processual de nível nacional, acabou por trazer em seu bojo várias disposições dessa ordem as quais, malgrado a superveniência dos Códigos de Processo de Civil de 1.939 e 1.973, persistiram vigendo, notadamente no que respeitante ao direito de família, e especialmente no que referido à filiação, por força das influências do direito romano, ao se deparar com o então invencível empeço decorrente da certeza da maternidade, e da simples presunção da paternidade, que as justas núpcias estabeleciam – pater is est quem nuptiae demonstrant…

2.1 Daí que não se admitia ação de investigação que atribuísse prole adulterina à mulher casada, salvo a negatória de paternidade, privativa do marido e que, desde que iniciada em vida, transmitia-se a seus herdeiros, como também se proibia que se vindicasse estado contrário ao que resultasse do registro do nascimento, excetuada a prova de erro ou falsidade.

2.2 Notável abalo, todavia, suportou o sistema quando do advento do exame de pareamento cromosssomial que passou a permitir que a paternidade, também, ela se tornasse certa, e, mais ainda, diante da superveniência da nova ordem jurídica implantada com a Constituição de 1.988 que, em seu artigo 227, assegurou a todos, indistintamente, o direito à própria dignidade, que, sem sombras de dúvidas, compreende o de conhecer a própria identidade, de que se exibe inseparável a respectiva ascendência.

Na esteira de tal disposição, sobreveio o ECA – Lei 8.069/90 – que, em seu artigo 27, acabou por afirmar ser o “reconhecimento do estado de filiação ( é ) direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.”

2.3 É diante deste novo estado de fato e de direito que se deve examinar a espécie: a paternidade não é mais uma simples presunção decorrente do casamento, mas pode e deve ser determinada; o direito à dignidade pessoal necessariamente há de assegurar ao cidadão o de conhecer sua “origem genética e, em conseqüência, a sua real e não presumida identidade” ( Pertence, HC. 76060-4-SC ), de modo a não se admitir, quanto à investigação de paternidade, as limitações que a lei civil, em obséquio às dificuldades técnicas da época e ao sistema em decorrência delas adotado, impunha à investigação que importasse em atribuir prole adulterina à mulher casada, com vistas a assegurar a estabilidade da família legalmente constituída.

4.4 É bem verdade que em face dos efeitos constitutivos e, a um só tempo desconstitutivos, do registro anterior, como resultante necessária da eventual sentença de procedência do pleito investigatório, e sua repercussão inclusive no campo sucessório, detive-me a meditar sobre o tema, sobremodo diante do direito alienígena, como o Inglês, que impõe ao investigado, pela simples recusa ao exame de DNA, a derrota no pleito investigatório, por não lhe conferir eficácia outra que não a incidental e apenas confinada aos lindes do processo em que proferida, de modo a impedir a repercussão da sentença em outras áreas…

3. Diante do direito brasileiro, de inclinação romanista como os da Itália, França e Espanha ( idem, Pertence, HC. 76060-4-SC ), em que os efeitos da sentença declaratória de paternidade, já afirmados constitutivo e, a um só, tempo, desconstitutivos do status anterior, se projetam no campo do direito sucessório e já tendo o agravado recolhido a herança do pai que supostamente apenas o criou, deparei-me com o empeço que o ordenamento jurídico — que não pode chancelar a imoralidade — poderia contrapor ao exercício do direito da ação investigatória, acabando por me tranqüilizar diante da regra do artigo 486, do Código de Processo Civil, que bem admite a ação anulatória do édito simplesmente homologatório, e fundada, por sinal, no mesmo erro que serviria de apoio à nulidade do registro, de modo que também tal restrição não poderia impedir a ação de investigação, tal como previsto no artigo 27, do ECA que, às expressas, afastara toda e qualquer restrição a seu exercício.


3.1 O Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem, por igual perfilhado orientação liberal na espécie, desde o V. Acórdão proferido no REsp. nº 7.631 — RJ ( RSTJ 27/384 ), passando pelo REsp. nº 248.765 – MG ( RSTJ 137/366 ), onde, pelo voto do eminente Ministro Ari Pargendler, teve a oportunidade de discernir longamente sobre o tema, embora a pretexto de afastar a aplicação das regras inscritas nos artigos 178, § 9º, VI, e 362, do Código Civil, por força da distinção que fez entre filho natural, destinatário, ele sim, daquela regra, e o ilegítimo, até o REsp. 90.617-MG, relator o Ministro Carlos Alberto Direito ( DJU 25.03.2002 ) com expressa remissão ao REsp. nº 195-527-SP ( DJU 22.05.2000 ), como se vê da ementa que a esse encima:

“Ação de investigação de paternidade. Legitimidade de filho nascido na constância do casamento. Precedentes da Corte.

1. Com a ressalva do entendimento do Relator, o filho nascido na constância pode buscar seu verdadeiro pai em ação de investigação de paternidade.

2. Recurso especial não conhecido.

4. Orientado por essas ponderações, passo a enfrentar a cada uma das questões postas pelos agravantes: a) a ação de investigação, no caso, em que até mesmo dissolvido o casamento pela morte do pai registral, é juridicamente possível sim, mesmo quando se esgrima com a reprodução, pelo nova lei civil a viger, da regra inscrita no atual artigo 348, do Código Civil, que apenas firma a relatividade da presunção legal, mas que não impede a investigação da verdade real, nem mesmo a pretexto de assegurar a estabilidade da família, expondo-a, por outro flanco, à turbatio sangüinis decorrente do desconhecimento do parentesco, e que desde a Lei Mosaica se persegue evitar, proibindo-se o casamento entre parentes em linha reta; b) resultante necessária da sentença de procedência do pleito, é a desconstituição do registro anterior que, exatamente por isso, até independe de pedido, cumulativo que fosse – Zveiter, REsp n. 119.866-SP, DJ de 30.11.1998 — espancando não só a pretensão de cisão dos pedidos, na medida em que a ação investigatória prescinde da prévia desconstituição do registro, e, bem assim, a alegação de necessariedade do litisconsórcio que, quando existente – e penso não existir — se instalaria entre o pai constante do registro, já falecido, e os herdeiros do investigado. A esse propósito, aliás, acentue-se que o interesse da mãe e irmã do agravado, em face da repercussão patrimonial da eventual procedência do pleito, muito mais se aproxima do de assisti-lo no polo ativo ( CPC., artigo 50 ), do que a ele se contrapor; e c) inexistindo identidade de pedidos, causa de pedir e de partes, não se pode, validamente, acenar com a formação da coisa julgada material, decorrente da simples homologação de partilha, que, absolutamente, não decidiu a propósito do pedido declaratório-constitutivo veiculado na ação de investigação.

5. Com tais considerações, e adotando, na forma regimental, como razões de decidir, também as da r. decisão hostilizada, complementadas pelas conspícuas informações constantes de fls. 417/421, nega-se provimento ao recurso.

Rio de Janeiro, 14 de maio de 2002

Desembargador Paulo Sérgio Fabião

Presidente s/voto

Desembargador Mauricio Caldas Lopes

Vogal

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!