Caso TRT-SP

Leia a sentença que absolve Luiz Estevão no caso do TRT-SP

Autor

1 de julho de 2002, 19h13

O ex-senador Luiz Estevão foi absolvido no processo sobre o desvio de verbas do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, na semana passada. O juiz da 1ª Vara Criminal Federal, Casem Mazloum, considerou que o ex-senador não cometeu crimes de estelionato, peculato, formação de quadrilha, corrupção passiva e corrupção ativa.

Na mesma sentença, Mazloum absolveu também os empresários Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz.

Do que se depreende da decisão, o juiz aposentado Nicolau dos Santos Netto promoveu toda a operação de desvio das verbas do Fórum Trabalhista sozinho. Condenado a oito anos de prisão, o ex-presidente do TRT cumprirá a pena, inicialmente, no regime semi-aberto, na Colônia Agrícola de São Paulo, se a decisão não for revertida.

A Advocacia-Geral da União, que atua como assistente de acusação do Ministério Público, estuda as possibilidades de recurso, inconformada com o descarte dos documentos autenticados pelos Estados Unidos, o que livrou o ex-senador.

A condenação de Nicolau, contudo, possibilita agora o repatriamento de cerca de US$ 4 milhões que se encontram bloqueados na Suiça, mas estavam condicionados à decisão judicial para a remessa dos valores ao Brasil.

O procurador Luiz Francisco acredita que a sentença será revertida no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Veja notícia sobre o assunto). Na sentença o juiz transcreve a denúncia feita pelo MP.

Leia a decisão:

1ª Vara Federal Criminal, do Júri e das Execuções Penais de São Paulo

Proc. n°2000.61.81.001198-1

Acusados: Nicolau dos Santos Neto e outros.

Vistos.

Trata-se de ação penal promovida em face de NICOLAU DOS SANTOS NETO, FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ e LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, qualificados nos autos, como incursos, o primeiro, nos arts.171, §3º (estelionato), 288 (quadrilha ou bando), 312 (peculato), e 317, § 1º (corrupção passiva); o segundo e o terceiro, nos arts.171, §3º, 288, 312 e 333, § único (corrupção ativa), 299 (falsidade ideológica) e 304 (uso de documento falso); e, o último, nos arts. 171, § 3º, 288, 299, 304, 312 e 317, § 1º, todos do Código Penal, pois, consoante narra a denúncia (e ulteriores aditamentos), ipsis litteris,

“O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Procuradora da República signatária, no pleno exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem perante Vossa Excelência oferecer DENÚNCIA contra:

NICOLAU DOS SANTOS NETO, brasileiro, casado, Juiz do Trabalho aposentado, nascido em 15.07.1928, filho de Lamartine dos Santos e Rosina Oriente dos Santos, portador do RG/SP nº 925.049, inscrito no CPF/MF sob nº 022.663.348-91, domiciliado nesta Capital onde reside na Av. Amarilis, nº 183 (antigo nº 605);

MARIA DA GLÓRIA BAIRÃO DOS SANTOS, brasileira, casada, do lar, nascida em 08.12.1934, portadora do RG/SP nº . domiciliada nesta Capital onde reside na Av. Amarilis, nº 183 (antigo nº 605);

FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, brasileiro, casado, empresário, portador do RG nº 5.508.310, inscrito no CPF/MF sob nº 895.904.738/49, domiciliado nesta Capital, com endereço comercial na Rua Sete de Abril, nº 342 – 3º andar e residencial na Rua Prudente Correa, nº 386;

JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ, brasileiro, casado, administrador de empresas, portador do RG/SP nº 9.212.661, inscrito no CPF/MF sob nº 044.497.478-44, domiciliado nesta Capital, com endereço comercial na Rua Sete de Abril, nº 342 – 3º andar e residencial na Rua Argentina, nº 880;

ANTONIO CARLOS DA GAMA E SILVA, brasileiro, casado, engenheiro, portador do RG/SP nº 4.144.400-0 e inscrito no CPF/MF sob nº , domiciliado nesta Capital, onde reside na Rua Inglaterra, nº 202;

GILBERTO MORAND PAIXÃO, brasileiro, engenheiro, demais dados ignorados; pela prática dos atos delituosos a seguir descritos:

A LICITAÇÃO DO PRÉDIO DO TRT-SP

Em janeiro de 1992, o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região – São Paulo, sob a presidência do acusado NICOLAU DOS SANTOS NETO, fêz publicar o Edital de Licitação nº 01/92, para aquisição de imóvel destinado a ser a sede do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo, ainda sob a égide do Decreto-Lei nº 2.300/86, que à época regia o tema de Licitações e Contratos (Anexo ___).

Propositadamente mal redigido, o Edital previa o oferecimento de propostas em quatro modalidades, tendo por objeto:

I. OBJETO

A presente licitação, na modalidade de concorrência, tem por objeto a aquisição de imóvel, adequado para a instalação de no mínimo 79 JCJ da cidade de São Paulo, permitindo a instalação posterior de no mínimo mais 32 JCJ em uma das quatro modalidades como segue:

1.1 – imóvel construído, pronto, novo ou usado;

1.2 – imóvel em construção, independentemente do estágio da obra, com projeto de adaptação;

1.3 – terreno com projeto aprovado, acompanhado de projeto de adaptação;

1.4 – terreno com projeto elaborado especificamente para instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento.


Foram adquiridas 30 cópias do Edital, pelas pessoas físicas e jurídicas relacionadas no ANEXO ___ e suas Notas. Algumas delas eram ligadas ao Grupo Monteiro de Barros; outras, ao Grupo OK, do Senador Luiz Estevão; três delas estavam sediadas no mesmo endereço e com o mesmo telefone.

A CPI do Judiciário apurou que OITO das empresas que retiraram o Edital de Licitação receberam, posteriormente, cheques do Grupo Monteiro de Barros, conforme se descreve no ANEXO ___.

Apenas 3 propostas foram efetivamente entregues, tendo uma delas sido desqualificada, a saber, a da Empreendimentos Patrimoniais Santa Gisele Ltda. Das outras duas propostas, uma foi apresentada por formação de consórcio entre as empresas GRUPO OK e CONSTRUTORA AUGUSTO VELLOSO e a outra, vencedora do certame, pela empresa INCAL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ALUMÍNIOS LTDA., cujos sócios são os acusados FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO e JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ.

O CONTRATO DE LICITAÇÃO

Estranhamente, a Presidência do TRT/SP, na pessoa do acusado NICOLAU, adjudicou o objeto da licitação a empresa que não participou da concorrência: a INCAL INCORPORAÇÕES LTDA., constituída após a licitação, mais precisamente em 19.02.1992, tendo como sócias a futura vencedora Incal Ind. E Com. De Alumínios Ltda. e a Monteiro de Barros Investimentos S/A. Essa prática delituosa confrontou com o que dispunha o artigo 40 do Decreto-Lei nº 2.300/86.

A nova empresa INCAL INCORPORAÇÕES LTDA. foi constituída com capital integralizado de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros), quantia equivalente, em 19.02.92, a US$ 69,99 (sessenta e nove dólares e noventa e nove cents).

Essa empresa de setenta dólares é que foi a incumbida por NICOLAU de erguer um empreendimento no valor de US$ 139.000.000,00 (cento e trinta e nove milhões de dólares). A divulgação do resultado da licitação foi publicada em 31.3.1992.

A assinatura do contrato com a INCAL INC. deu-se em 19.09.1992 e, pela Escritura celebrada, estabeleceu-se como objeto “a aquisição de imóvel consistente em terreno e prédio a ser construído para a instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, pelo sistema de “preço fechado”, no valor de Cr$ 150.252.480.000,00 (cento e cinquenta bilhões, duzentos e cinquenta e dois milhões, quatrocentos e oitenta mil cruzeiros), em cruzeiros de 2.1.1992″ (equivalentes a 251.653.900,97 UFIR).

O pagamento do preço foi avençado em uma entrada e sete parcelas semestrais (ANEXO ___).

Entretanto, bem antes disso, por ordem do acusado NICOLAU, na qualidade de Ordenador de Despesas do TRT-SP, foram liberados diversos “adiantamentos” à empresa, totalizando mais de 36 milhões de UFIR, conforme detalhado no ANEXO ___.

Esse altíssimo valor foi entregue, em adiantamento e antes de qualquer contrato assinado, a uma empresa que, como já dito acima, não participara da licitação e tinha capital de apenas setenta dólares. E, o que é pior, sem a exigência de nenhuma garantia real, descaso esse que infringiu, além do bom trato com o dinheiro público, o artigo 46 do DL 2.300/86.

Outra grave irregularidade que maculou a indigitada licitação foi a de o objeto ter sido adjudicado sem que a INCAL comprovasse ser a proprietária legítima do terreno, como exigido pelo item 1.2 do Edital:

“1.2 – Será exigido em qualquer das hipóteses que o imóvel esteja devidamente regularizado dentro da postura municipal antes e depois de suas adaptações.”

A INCAL INC. somente adquiriu o terreno em 19.08.92, pela quantia equivalente, ao câmbio da época, a US$ 4,200,000.00 (quatro milhões e duzentos mil dólares), sendo que, em “adiantamentos”, havia recebido do TRT-SP o equivalente a US$ 21,866,963.74 (v. ANEXO ___). A INCAL limitava-se a embolsar o dinheiro e emitir recibos em favor do TRT-SP, sem nenhuma contraprestação.

O objeto licitado não encontrava previsão no então vigente DL 2.300/86, já que, explicitamente, tratava de compra de imóvel a preço fechado, para entrega futura, cuja construção ficou inteiramentemente sob a responsabilidade financeira dos cofres públicos, indevidamente onerados com adiantamento de recursos sem a devida contraprestação pela INCAL INC.

Para as obras de construção do Forum Trabalhista, que deveria ter mais de 84.000 metros quadrados de área construída, os réus FABIO e JOSÉ EDUARDO, os mesmos sócios da incorporadora, criaram outra empresa, a CONSTRUTORA IKAL LTDA., primeiramente denominado CONSTRUTORA INCAL S/A.

O terreno e a construção continuaram sob a propriedade da INCAL até 19.12.1996, data em que foi lavrada Escritura de Venda e Compra perante o 14º Tabelionato de Notas desta Capital, mediante a qual a INCAL “vendeu” para o TRT-SP o malfadado empreendimento, com o compromisso de finalizar sua execução.

Mediante os expedientes fraudulentos que serão explicitados abaixo, a INCAL recebeu do TRT-SP liberações de recursos equivalentes a 98,70% do preço contratado, aplicando apenas parte na obra, que em abril de 1998 – quando foi paralisada – estava somente 64,15% realizada.


Em 18 de junho de 1998, como se já não bastassem todas as verbas irregularmente liberadas, foi celebrado um Aditivo ao Contrato, majorando o preço inicial e avençando o pagamento de mais parcelas, sendo que o de duas delas efetivamente ocorreu em 18.06.98 e 03.07.98.

Felizmente, por decisão do Meritíssimo Juiz Federal Doutor José Carlos Motta, da 12ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, em Medida Cautelar Inominada ajuizada pelo Ministério Público Federal, representado pelos Excelentíssimos Procuradores da República Maria Luisa Rodrigues de Lima Carvalho Duarte, Walter Claudius Rothenburg e Elizabeth Kablukow Bonora Peinado, foi suspenso o desembolso da parcela prevista para 04.08.98, bem como das demais vincendas, com a determinação de serem depositadas judicialmente, nas respectivas datas, à disposição e ordem do Juízo, em conta remunerada.

Hoje, as duas torres do prédio inacabado na Av. Marquês de São Vicente foram devolvidas pelo atual Presidente do TRT-SP, Dr. Floriano Vaz da Silva, ao Serviço de Patrimônio da União.

A PRIMEIRA AUDITORIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO 1992

No período de 26.10.92 a 13.11.92 o Tribunal de Contas da União promoveu, em caráter rotineiro, uma Inspeção Ordinária Setorial, auditoria essa que recebeu a autuação Procedimento TC nº 700.731/92-0, onde a contratação da INCAL INC. pelo TRT-SP foi analisada. O julgamento dessa auditoria realizou-se somente em 08 de maio de 1996.

Foram detectadas pelos auditores do TCU, dentre outras, as seguintes irregularidades, que vão aqui resumidas (v. pág. 1.051 do Relatório Final da CPI e ANEXO ___):

* ilegalidade do objeto da licitação (1): em virtude da redação indevida, constatou-se que as empresas interessadas em participar tiveram dificuldades em compreender o verdadeiro objetivo do órgão licitante – o TRT-SP. Não se tratou de simples aquisição de imóvel mas sim de objeto contendo várias hipóteses de oferta, com amplitude de atividades, envolvendo situações diferentes em cada uma das modalidades. Amplo, complexo, diversificado e sem qualquer objetividade, proporcionou procedimentos divergentes que mascararam as ilegalidades e irregularidades em todo o processo licitatório, dificultando a identificação da real natureza da licitação.

* ilegalidade do objeto da licitação (2): a compra de imóvel a preço fechado, para entrega futura, não encontrava previsão no Decreto-Lei nº 2.300/86.

* a construção ficou sob a inteira responsabilidade dos cofres públicos, que foram onerados com adiantamentos de recursos sem a devida contraprestação pela empresa contratada, que sequer foi solicitada a apresentar garantias ao Poder Público contratante.

* Na mesma esteira de ilegalidade, houve diversos aditamentos ao contrato original, todos eles envolvendo maior desembolso dos cofres públicos, contrariando os termos do contrato original.

* contrato e seus aditivos foram regidos por normas de interesse privado, e não de direito público como deveriam, favorecendo sobremaneira a empresa contratada, em detrimento do interesse da Administração, que posicionou-se em situação de inferioridade, subjugando-se à contratada e atuando como se particular fosse, sem supremacia de poder.

Somente em maio de 1996, o Tribunal de Contas da União, embora abraçando a tese do fato consumado, proferiu a decisão nº231/96-TCU-Plenário (v. ANEXO ___) que determinou, em resumo:

* aceitar preliminarmente os procedimentos adotados pelo TRT-SP tendo em vista a fase em que se encontravam as obras;

* determinar ao Presidente do TRT-SP a transferência da propriedade do terreno e edificação, que até então encontrava-se em nome da INCAL, bem como a efetivação de medidas para a rigorosa obediência às normas da atual Lei de Licitações (Lei nº8.666/93);

* comunicar ao TRT-SP que a invocação de preceitos do Direito Civil comum em matéria de licitação não procede, tendo em vista a legislação específica;

* dar conhecimento à Secretaria Federal de Controle do contido no item anterior, para cientificação de todas as CISETs (órgãos de controle).

A SEGUNDA AUDITORIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO 1998

Em fevereiro de 1998, o sempre atento Ministério Público Federal oficiou ao TCU comunicando que, passados dois anos da decisão da primeira auditoria, tendo sido ultrapassados os prazos contratuais entre o TRT-SP e a INCAL e já tendo sido pago pelo tesouro nacional praticamente a totalidade do preço, muito ainda faltava para a conclusão física da obra. Solicitava, assim, informações sobre as medidas a serem adotadas, quanto ao esclarecimento dos fatos e à apuração das responsabilidades.

Foi determinada pelo TCU uma inspeção in loco na obra e as principais conclusões dos auditores foram:

* embora o término da obra estivesse previsto para novembro de 1996, vinham ocorrendo sucessivas prorrogações de prazo, por meio de Termos Aditivos à Escritura de Compromisso de Venda e Compra;


* a cessão e transferência do terreno para o TRT, recomendada na auditoria anterior, havia sido efetivada;

* não estava sendo observada a determinação anterior do TCU quanto à liberação dos recursos mediante o cumprimento do cronograma físico, pois os pagamentos já efetuados somavam 98.70% do total e a obra só estava 64.15% concluída;

* a INCAL, que não cumpriu os prazos estipulados no contrato, não sofreu nenhuma penalidade administrativa – pelo contrário, foi-lhe concedido pelo TRT-SP, mediante inclusão de cláusula contratual, o direito de redução do ritmo da obra em caso de atraso nos pagamentos;

* inconsistência dos relatórios do engenheiro e ora acusado ANTONIO CARLOS GAMA relativamente ao desenvolvimento das obras; (vide título abaixo);

* contratação irregular da firma AMP do Brasil Conectores Elétricos e Eletrônicos Ltda., que tinha por suposto objetivo modificar o projeto para modernização dos serviços de informática. (OBS.: quanto a este item, atendendo recomendação do MPF para que não contratasse nenhuma empresa sem licitação, o então presidente do TRT-SP acabou suspendendo o contrato).

Essa segunda auditoria do TCU foi julgada em 28.07.1999 e decidiu pela citação solidária dos sócios da INCAL (FÁBIO e JOSÉ EDUARDO), do ex-juiz NICOLAU, do juiz DÉLVIO BUFFULIN e dos engenheiros ANTONIO CARLOS GAMA e GILBERTO PAIXÃO, para ressarcir ao Tesouro Nacional a quantia desviada (conforme se verá adiante), no prazo de quinze dias, com atualização monetária a partir de maio de 1999 (vide fls. 1110/1111 da CPI e ANEXO ___).

OS RELATÓRIOS FRAUDULENTOS QUE POSSIBILITARAM A LIBERAÇÃO DE RECURSOS

Em setembro de 1992, ato contínuo após ter encerrado seu mandato na Presidência do TRT-SP, o acusado NICOLAU conseguiu colocar-se como “Presidente da Comissão de Obras”, para poder continuar à frente da obra e influenciar de maneira imperativa as decisões sobre ela tomadas (fls. 594 – Portaria GP nº 03, de 16.9.92). Até então, a INCAL INC. já havia recebido do TRT-SP vultosa importância, sem que tivesse dado início às obras, o que efetivamente só ocorreu em junho de 1993.

Para dar aparência de cumprimento da lei, já que havia a auditoria do TCU em andamento e para dar mais um golpe de sangria nos cofres públicos, o acusado NICOLAU, como presidente da Comissão de Obras, sugeriu em 16.03.1993 ao Presidente do TRT-SP, à época, o Juiz José Victório Moro, a contratação de um profissional de engenharia para supervisionar a obra e acompanhar as etapas da construção.

Foi então emitida a Carta-Convite nº 35/93, assinada em 03.05.93 pelo acusado NICOLAU, constando como objeto “a elaboração de relatórios periódicos de supervisão e fiscalização das obras, produzidos a partir de vistorias no local e levantamentos junto à INCAL e seus subcontratados”.

Cinco engenheiros foram convidados, dentre eles o réu ANTONIO CARLOS, que foi o único que se interessou pelo trabalho. Duas empresas de engenharia, ao ter conhecimento da Carta-Convite, retiraram cópias e apresentaram propostas, ficando os concorrentes e a remuneração pedida pelo trabalho assim especificados: (tabela anexada aos autos)

Assim, pelo menor preço, o engenheiro ANTONIO CARLOS DA GAMA E SILVA foi contratado em 31.05.1993 como encarregado de fazer vistorias e medições, reportando o andamento das obras a NICOLAU e ao Presidente do TRT-SP, à época, o Juiz José Victório Moro.

Os relatórios foram fraudados em seu conteúdo, com a finalidade precípua de justificar desembolsos ilegais de verbas públicas em favor da incorporadora INCAL. Os pareceres não apresentavam maiores comentários de natureza técnica, como seria de se esperar e não demonstravam, por intermédio de memória de cálculo, os percentuais atestados.

Os Juízes do TRT-SP que prestaram depoimento à CPI do Senado Federal foram unânimes em afirmar que os pagamentos efetuados à INCAL eram realizados com base nas medições do acusado ANTONIO CARLOS.

Em abril de 1998, já no curso do Inquérito Civil Público instaurado no âmbito do Ministério Público Federal de São Paulo, foram realizadas vistorias na obra por Equipe de Inspeção do TCU, pelo Engenheiro Wagner José Gonçalves e pela Arquiteta Ivone Carneiro Rafael, Coordenadora do Departamento de Avaliações e Perícias da Universidade de São Paulo – FUNDUSP.

Ambos constataram que o cronograma físico da obra não passava de 64,15% de conclusão, ao passo que o desembolso das verbas públicas já alcançava a cifra de 98,70% do valor total do contrato entre o TRT-SP e a INCAL.

A conclusão da Equipe de Inspeção do TCU foi a de que o acusado ANTONIO CARLOS limitava-se, em seus “relatórios”, a sugerir o percentual que o TRT-SP deveria liberar, tomando por base os recursos financeiros alegadamente alocados pela INCAL no empreendimento e não as medições técnicas de avanço físico da obra e dos serviços efetivamente executados.


As irregularidades pela Equipe de Inspeção do TCU quanto aos “relatórios” do acusado ANTONIO CARLOS encontram-se minuciosamente apontadas no ANEXO ___ e constam das fls. 1.096 do Relatório Final da CPI.

Apesar de contratado pelo TRT-SP, o acusado ANTONIO CARLOS também recebia em sua conta bancária depósitos do Grupo Monteiro de Barros, que coincidiam com as liberações feitas pelo TRT-SP com base em seus “relatórios”.

Os cheques, relacionados às fls. 1.066 do relatório Final da CPI e no ANEXO ___, somaram a expressiva quantia de de US$ 42.483,35 (quarenta e dois mil, quatrocentos e oitenta e três dólares e trinta e cinco cents).

O próprio autor do projeto arquitetônico do Forum Trabalhista, Arquiteto Décio Tozzi, declarou ao ser ouvido pelo MPF no inquérito civil público que, em março de 98, “uma das torres estava com seu cronograma físico de 60% a 70% completo; a outra, por volta de 50%”.

Assim, foram sendo feitos desembolsos de recursos públicos sem a devida contraprestação, configurando pagamentos antecipados vedados à época pelo DL 2.300/86 e que cntinuam vedados, agora, pela Lei 8666/93.

É de se observar que as cláusulas 6.1.4 e 6.1.5 do Edital de Licitação tornavam de rigor o prosseguimento da obra independentemente de liberação de recursos públicos (ANEXO ___).

CELEBRAÇÃO DE ADITIVO CONTRATUAL PARA O

“REEQUILÍBRIO FINANCEIRO”

Em 1997, quando encontrava-se na Presidência do TRT-SP o Juiz DÉLVIO BUFFULIN (gestão de 15.10.96 a 15.9.98), este determinou a formação de uma Comissão de Instalação, tendo por objetivo principal adotar as medidas necessárias à ocupação do prédio e à instalação das Juntas, sem qualquer vinculação com a Comissão de Obras, ainda presidida pelo acusado NICOLAU.

Essa Comissão, atônita, constatou que se providências urgentes não fossem tomadas, a instalação das Juntas seriam inviável. Permito-me relacioná-las no ANEXO ___ (v. fls. 1.079 da CPI).

Iniciaram-se, assim, tratativas entre o TRT-SP e a INCAL, no sentido de firmar aditivo ao contrato original incluindo serviços que supostamente não estavam na proposta original (rede de informática, segurança predial, complementações no auditório, ampliação da creche etc.). Até então, três aditivos haviam sido firmados, mas apenas no sentido de prorrogação de prazo para a conclusão das obras.

Houve resistência por parte dos membros da Comissão de Instalação em assinar o referido Termo Aditivo e, também, recomendação do Ministério Público Federal para que este não se concretizasse, já que os técnicos do TRT entendiam que os serviços em tela estavam previstos na proposta da empresa e deveriam, portanto, ser realizados sem custo adicional para os cofres públicos. Além disso, se porventura se entendesse não estarem incluídos, jamais se poderia contratá-los por mero Aditivo, sendo necessária nova licitação específica para os itens faltantes. O TRT-SP decidiu, então, não concretizar a negociação. Note-se: por este ângulo, já que o aditivo efetivamente se realizou, ao depois, por outros motivos, causando novo desembolso de dinheiro público.

Já em 1998, tendo recebido mais de 98% do preço e faltando 34% da obra a finalizar, os acusados FÁBIO e JOSÉ EDUARDO, responsáveis pela a incorporadora INCAL, não dispondo mais de recursos suficientes ao término da obra e vendo fracassada sua tentativa de “emplacar” a inclusão de novos serviços, acharam outro jeito de burlar a lei e engordar seus bolsos, pleiteando junto ao TRT-SP um aditivo contratual, desta feita para estabelecer um suposto “reequilíbrio financeiro”, no valor de mais R$ 34.088.871,11 !!!

As esfarrapadas alegações para tanto eram o atraso no cumprimento do cronograma financeiro, que gerou prorrogação do prazo do contrato (mais R$ 23.478.605,82), alteração do sistema de reajuste em função do Plano Real (mais R$ 9.080.958,43), criação do IPMF (mais R$ 135.339,06) e da CPMF (mais R$ 53.239,12) e a retenção na fonte do IRPJ, CSSL, COFINS e PIS/PASEP (mais R$ 1.340.728,68).

Foi levada a proposta da INCAL ao Presidente do TRT-SP DÉLVIO BUFFULIN, sob forte influência e aquiescência do acusado NICOLAU. Este, como Presidente da Comissão de Obras, solicitou por Ofício, em 08.06.1998, que o Juiz DELVIO BUFFULIN nomeasse o engenheiro e ora acusado GILBERTO MORAND PAIXÃO para fiscalizar a obra, muito embora ainda estivesse em vigor o contrato com o Engenheiro GAMA, exatamente com a mesma finalidade – acompanhamento dos serviços, orçamentos, custos e medições do empreendimento.

O engenheiro GILBERTO PAIXÃO foi contratado rapidamente, apenas uma semana depois (em 15.06.1998) e, no mesmo dia de sua contratação, emitiu “parecer técnico”, obviamente favorável ao pleito de reequilíbrio financeiro apresentado pela INCAL e baseando-se apenas nas correspondências trocadas entre esta e o TRT-SP.


Em singelas sete páginas, sem maiores aprofundamentos técnicos, o acusado GILBERTO PAIXÃO propiciou que em apenas dois dias, ou sejam em 17.06.98, fosse firmado o 4º Termo Aditivo, aumentando as despesas públicas em R$ 36.931.901,10, com todo o beneplácito do acusado NICOLAU e do Juiz DELVIO BUFFULIN, cuja possível conduta criminosa está sendo tratada em foro próprio : encontra-se em trâmite perante o Colendo Superior Tribunal de Justiça o Inquérito nº 257/99, que investiga a participação do referido Juiz Buffulin).

Apenas dois pagamentos foram efetuados, dada a decisão da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo, já referida às fls. 07 desta denúncia.

A RESCISÃO DO CONTRATO PELA ATUAL PRESIDÊNCIA DO TRT-SP, COM BASE EM LAUDOS TÉCNICOS

Como mencionado às fls. 09 desta denúncia, por solicitação do MPF a obra do Forum Trabalhista foi inspecionada por equipe do TCU, pelo Engenheiro Wagner José Gonçalves e pela Arquiteta Ivone Carneiro Rafael, cujas conclusões encontram-se minuciosamente detalhadas às fls. 1.083/1.088 da CPI. Nessa inspeção foi apurada a paralisação do cronograma físico em 64,15%, conforme quadro demonstrativo às fls. 1.086 da CPI e que ora é juntado como ANEXO ___.

Preocupado com o estágio da obra e com as irregularidades praticadas por seus colegas antecessores, o atual Presidente do TRT-SP, Doutor FLORIANO VAZ DA SILVA contratou o Centro Tecnológico de Controle de Qualidade Falcão Bauer , especialista em avaliações e em controle de qualidade de empreendimentos civis, o qual entregou, em 28.01.1999, Relatório de Inspeção contendo todos os levantamentos efetuados, constatando que, àquela época, a obra encontrava-se concluída em cerca de 75%.

Este percentual não retratava a realidade da obra em virtude da adoção de critérios que envolveram “pesos” de cada item, hipótese admitida pela Falcão Bauer em correspondência trocada em março de 1999 com o TRT-SP. Os detalhes desse Laudo Técnico da Falcão Bauer e a divergência nos critérios estão às fls. 1.088/1.091 do relatório final da CPI.

Também em março de 1999 foi entregue ao Presidente do TRT-SP Juiz Floriano Vaz da Silva substancial relatório da Comissão de Acompanhamento dos procedimentos Relativos à Construção do Forum da Capital que, além de minudente histórico de todo o processo de construção do Forum desde 1992, dando conhecimento que:

* obra estava paralisada apesar de a Justiça Federal, na tutela antecipada concedida pela 12ª Vara Cível, ter determinado, em 24.9.98, que a INCAL terminasse a obra em cinco meses;

* ve demissão em masa dos operários que outrora trabalhavam na construção do Forum;

* tado físico da obra requeria, ainda, inúmeros serviços;

* obra não havia recebido preparos especiais e essenciais desde a paralisação. Estava se deteriorando.

Além disso, o relatório informou que, desde o início da licitação e durante todo o processo de construção do Forum, as documentações referentes à obra ficaram sob a exclusiva guarda e responsabilidade do acusado NICOLAU, que somente permitia seu trâmite por áreas administrativas do tribunal quando absolutamente necessário para a emissão de empenhos e ordens bancárias.

Finalmente, em despacho datado de 25 de março de 1999, o atual Presidente do TRT-SP Juiz Floriano Vaz da Silva determinou a rescisão unilateral do contrato com a INCAL, além de diversas outras medidas elencadas às fls. 1.094 do relatório final da CPI.

No final do mês de janeiro de 2000, o prédio inacabado foi devolvido ao patrimônio da União Federal.

As duas torres, esqueletos de concreto que consumiram milhões e milhões de reais à custa dos cidadãos contribuintes brasileiros, são um triste monumento à corrupção explícita, à confiança na impunidade e à desfaçatez com que elementos como os réus se aproveitam das verbas públicas em benefício próprio! Como se verá a seguir:

O SUPERFATURAMENTO DA OBRA

Até julho de 1998, época em que foram judicialmente suspensos os pagamentos do TRT-SP à INCAL INC., o Poder Público havia desembolsado a importância de R$ 226.261.129,17, excluindo-se as parcelas pagas em virtude do Aditivo celebrado em 18.06.98.

Inspeção levada a efeito, mais uma vez, por determinação do Tribunal de Contas da União, em março e abril de 1999, realizadas por técnicos do TCU e da Caixa Econômica Federal concluiu que, na verdade, foram efetivamente aplicados na construção do empreendimento R$ 62.461.225,60, em valores de abril de 1999.

Da mesma forma, concluiu que de abril de 1992 a julho de 1998 a Administração Pública desembolsou em pagamentos à INCAL a astronômica quantia de R$ 231.953.176,75, também atualizada até abril de 1999.

Simples operação aritmética demonstra que foram desviados dos cofres públicos, à custa dos contribuintes, R$ 169.491.951,05.


O DESVIO DO DINHEIRO PÚBLICO PARA PARAÍSOS FISCAIS

O Ministério Público Federal requereu à RECEITA FEDERAL e ao BANCO CENTRAL DO BRASIL para que procedessem à fiscalização nas contas bancárias e na documentação fiscal das empresas INCAL INCORPORAÇÕES e CONSTRUTORA IKAL, além das declarações de bens e renda das pessoas físicas de NICOLAU DOS SANTOS NETO, FÁBIO MONTEIRO DE BARROS e JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ.

Tal fiscalização encontra-se com seu relatório em fase final de conclusão e será oportunamente apresentado, razão pela qual não os denuncio também por esses delitos, nesta ocasião.

Entretanto, a CPI apurou que pelo menos 51 milhões de reais das verbas desviadas foram enviados ilegalmente para o exterior, no que se chamou de “OPERAÇÃO PANAMÁ”, por intermédio de interposta empresa denominada INTERNATIONAL REAL STATE, sediada documentalmente no Panamá mas, na verdade, movimentada daqui do Brasil mesmo, por ordem do Sr. PEDRO RODOVALHO MARCONDES CHAVES NETO, procurador da suposta empresa panamenha.

Curiosamente, ao se descobrir que a International Real State mantinha uma conta do tipo CC5 no Banco Itaú, ao se verificar a documentação relativa a essa conta veio à tona que o acusado FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO também constava como procurador da mesma, desde 1983.

A CPI apurou, também, que NICOLAU recebia cheques da Corretora Split, destinatária de dezenas de cheques emitidos por JOSÉ EDUARDO e FÁBIO em nome do Grupo Monteiro de Barros e que eram falsamente escriturados como relativos a investimentos feitos na International Real State. A relação completa desses cheques encontra-se às fls. 1137/1138 da CPI.

NICOLAU, por sua vez, também fazia supostas aplicações com a International Real State, sendo descoberta uma transferência à sua ordem para essa empresa no valor de US$ 1,000,000.00 (um milhão de dólares), através do Commercial Bank de Nova Iorque (v. fls. 1139 da CPI).

A relação de cheques escriturados como “Investimento no Exterior” pelo grupo Monteiro de Barros e depositados em contas de terceiros segue às fls. 1124 a 1135 do relatório final da CPI.

O ALTO PADRÃO DE VIDA DOS ACUSADOS NICOLAU E MARIA DA GLÓRIA, DECORRENTE DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Importantes revelações sobre a verdadeira face de NICOLAU e de sua esposa MARIA DA GLÓRIA, co-ré, foram feitas, sob juramento, à Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal por pessoa que privava da mais familiar intimidade: seu ex-genro MARCO AURÉLIO GIL DE OLIVEIRA, à época casado com Maria Cristina Bairão dos Santos, uma das três filhas do casal.

Marco Aurélio declarou à CPI (fls. 1222) que, até 1992 aproximadamente, NICOLAU e MARIA DA GLÓRIA tinham um padrão de vida até que mediano, onde a ostentação e os gastos não eram tão grandes. A exuberância e a crescente aquisição de carros, jóias e imóveis, além das inúmeras viagens que faziam ao Exterior (cerca de 4 ou 5 por ano), tiveram início com o exercício da Presidência da Comissão de Obras destinadas ao controle do empreendimento do Forum Trabalhista.

(Continue a ler a sentença).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!