Caso TRT-SP

Leia a sentença que absolve o ex-senador Luiz Estevão

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1 de julho de 2002, 19h26

Com efeito, a empresa MONTEIRO DE BARROS INVESTIMENTOS S.A., da qual são sócios FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO e JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ, celebrou Instrumento de Compra e Venda de Ações e Mandato, em 21.02.1992, com o GRUPO OK CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES S.A., presidido por LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO.

Na cláusula primeira do referido instrumento declara-se que a INCAL INCORPORAÇÕES S.A. poderá ser a responsável, como incorporadora e empreendedora, pela construção dos edifícios objeto da Concorrência 01/92, que se encontra em curso promovida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, caso a empresa INCAL Indústria e Comércio de Alumínio Ltda. seja considerada vencedora. A cláusula segunda reza que a Monteiro de Barros detém 100% das ações ordinárias da INCAL INCORPORAÇÕES S.A., que correspondem a 100% do capital total. Na cláusula terceira a Monteiro de Barros transfere 900 ações ordinárias que possui da Incal Incorporações ao Grupo OK Construções e Incorporações Ltda.

Junto ao Instrumento encontrava-se cópia do Termo de Transferência nº 03, registrando a venda das 900 ações ao Grupo OK, equivalentes a 90% do capital social, assinado por FÁBIO e LUIZ ESTEVÃO, instrumento este que teve sua autenticidade reconhecida por LUIZ ESTEVÃO em seu interrogatório perante este DD. Juízo (fls. 5815). Note-se que 1.000 ações correspondiam a 100% do capital social.

Há, também, carta datada de 21.02.1992 e dirigida à Monteiro de Barros Investimentos S.A., na qual a empresa Grupo OK Construções e Incorporações Ltda. formaliza renúncia ao direito de preferência na aquisição das ações que a Monteiro de Barros possui na Incal Incorporações S.A., expressando que poderiam ser transferidas a quaisquer interessados.

É pressuposto básico, para não dizer lógico, que somente pode renunciar ao direito de preferência na aquisição de ações de um sócio quem é detentor de cotas numa sociedade. Ao crivo do direito, a formalização da renúncia ao direito de preferência não é, nem de longe, equivalente a um distrato de instrumento de compra e venda de ações devidamente registrado, por serem institutos jurídicos absoluta e formalmente diferentes.

Assim, o acusado LUIZ ESTEVÃO é dono de 90% da INCAL, tendo como sócios FÁBIO e JOSÉ EDUARDO, na qualidade de integrantes da sociedade Monteiro de Barros Investimentos.

A sempre atenta defesa de LUIZ ESTEVÃO, muito oportunamente, possibilitou à signatária verificar que, efetivamente, um erro material de digitação foi cometido no tópico final (item 107 do primeiro aditamento), imputando ao acusado LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO a conduta de corrupção passiva, quando na verdade trata-se de corrupção ativa, muito embora do corpo da acusação isso esteja muito claro e suficientemente delineado.

Por todas estas razões, tendo em mente o objetivo único de manter o compromisso deste órgão ministerial com o princípio da ampla defesa, constitucionalmente garantido, de forma a assegurar que não paire absolutamente nenhuma dúvida, principalmente para a defesa do acusado LUIZ ESTEVÃO, que levantou a preliminar e, principalmente, em apreço aos ilustres advogados constituídos pelos acusados, para que não se alegue que os réus têm dificuldades em compreender a acusação, o Ministério Público Federal passa aos esclarecimentos necessários, requerendo sejam incluídos no presente ADITAMENTO À DENÚNCIA e integrados ao corpo da exordial, corrigindo um erro material e possíveis omissões da acusação, em aplicação do artigo 569 do CPP.

CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA:

Corrige-se neste momento erro material da peça exordial de acusação, para que conste do item 107 do primeiro aditamento que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia o acusado LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO como incurso nas sanções do artigo 333, parágrafo único do Código Penal (corrupção ativa).

LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO e JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ são acusados de oferecer e/ou prometer vantagem indevida (dinheiro e benesses) a funcionário público (NICOLAU DOS SANTOS NETO) para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício (os inerentes a todas as etapas da licitação fraudulenta e da execução do contrato, em decorrência do que ocorreram as liberações de valores), como narrado nos itens 1/ 18, 28/53 da denúncia).

À pessoa de NICOLAU DOS SANTOS NETO, na outra ponta, é imputada a conduta de solicitar ou receber, para si e/ou para outrem (empresas como a Hillside Trading, familiares – especialmente sua esposa MARIA DA GLÓRIA BAIRÃO DOS SANTOS, e outros aliados), em razão da função pública exercida (Presidente do TRT e da Comissão de Obras, responsável direto pelo adiantamento de recursos aos demais co-réus), vantagem indevida (dinheiro e benesses), praticando atos de ofício com infringência dos deveres funcionais de probidade e moralidade administrativas, como a celebração ilegal de concorrência adredemente preparada, adjudicando seu objeto a empresa que dela não participou, a influência danosa na transferência de verbas públicas para as contas particulares e das empresas dos co-réus e o locupletamento ilícito de todos os envolvidos.


PECULATO:

NICOLAU DOS SANTOS NETO, FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ e LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO são acusados de terem se apropriado de valores do Tesouro Nacional destinados originalmente à construção da sede do Fórum Trabalhista de São Paulo, desviando-os em proveito próprio e/ou alheio (para suas contas particulares, de suas empresas e de familiares ou aliados), como descrito nos itens 62/72, 73/105 da denúncia e itens 12/15, 30/41, 88/92, 100, 103/105 do primeiro aditamento à denúncia e nos itens 9/25 da presente.

A qualidade de funcionário público, inerente a NICOLAU em razão do cargo (Presidente do TRT e da Comissão de Obras), como elementar do delito, comunica-se aos demais acusados, os três sócios da INCAL, em virtude da co-autoria, posto que “basta que um só dos concorrentes seja qualificado (intraneus) para que os demais respondam pelo mesmo tipo de crime” (PAULO JOSÉ DA COSTA JR., Comentários ao Código Penal , vol. 3, p. 441, Ed. Saraiva, 2ª ed.).

ESTELIONATO:

NICOLAU DOS SANTOS NETO, FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ e LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO são acusados de obter, para si e/ou para outrem (empresas, familiares e aliados), vantagem ilícita (fraude na concorrência, celebração ilegal do contrato e do aditivo), em prejuízo alheio e em detrimento de entidade de direito público, mediante os artifícios, ardis e outros meios fraudulentos, conforme as condutas descritas nos itens 1/6, 28/53 da denúncia e itens 1/8 do primeiro aditamento, além dos novos documentos juntados com o presente aditamento, em co-participação.

FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO:

NICOLAU DOS SANTOS NETO, FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ e LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, contando com a participação até agora apurada de Maria da Glória Bairão dos Santos, Antonio Carlos da Gama e Silva e Gilberto Morand Paixão, associaram-se para o fim de apropriação indevida de verbas públicas destinadas à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, fazendo-o inicialmente através de montagem de uma licitação viciada e em desacordo com as normas legais que regiam a espécie, preparada para que fossem finalistas as empresas Grupo OK (em consórcio com Augusto Velloso) e INCAL Indústria e Comércio de Alumínio Ltda. e para que fosse consagrada vencedora empresa que não participou do certame – Incal Incorporações S.A., de propriedade de FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ e LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO. Tudo com a conivência e sob a orientação de NICOLAU DOS SANTOS NETO, Presidente do TRT e da Comissão de Obras. A associação criminosa permaneceu e foi mantida consolidadamente ao longo dos anos, propiciando que o dinheiro público desviado da obra fosse durante vários anos depositado nas contas particulares dos co-réus e de suas empresas e familiares, mediante requintados e intrincados esquemas de transferência de valores que envolvem abertura de contas bancárias com nomes de fantasia, mantidas em diversos países e com especial preferência para os paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Bahamas etc.), onde a legislação permissiva dá cobertura legal a esse tipo de procedimento abominável.

USO DE DOCUMENTO FALSO:

Por fim, FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ e LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, para tentar justificar as transferências financeiras entre a INCAL e as empresas do GRUPO OK, fizeram uso perante a CPI do Judiciário de dois documentos que se comprovou terem sido falsificados e criados no computador portátil de FÁBIO, com ele apreendido pela Polícia Federal no momento de sua prisão, em 10.05.2000 e submetido à perícia.

Tanto o “Contrato Particular de Promessa de Venda e Compra de Imóvel e outros Pactos” celebrado entre o Grupo OK – Construções e Incorporações S.A. e a Monteiro de Barros Construções e Incorporações Ltda., apresentado à CPI como datado de 07 de abril de 1994, como o “Contrato Particular de Ajuste de Contratações e Acordos Já Efetivados, Sob a Modalidade de Encontro de Contas, Ante o Disposicionamento de Recursos Financeiros em Moeda Nacional e Unidades Imobiliárias, Visando a Aquisição de Imóveis Rurais e Outros Pactos”, tendo por contratantes os mesmos Grupo OK – Construções e Incorporações S.A. e a Monteiro de Barros Construções e Incorporações Ltda., firmado respectivamente pelos acusados LUIZ ESTEVÃO e FÁBIO e por JOSÉ EDUARDO como testemunha, supostamente em 28 de maio de 1997, tinham suas minutas originais nos arquivos do notebook denominados “argon.doc” e “Contrato de consolidação.doc”, sendo certo que o exame pericial foi determinante no sentido de verificar que os referidos arquivos foram criados poucos dias antes do depoimento de FÁBIO à CPI (que se deu em 29.06.1999), deixando patenteada a falsidade dos mesmos e seu uso consciente pelos acusados.


C O N C L U S Ã O

Por todo o exposto, feita a retificação quanto a uma das imputações à pessoa de LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, assim como os esclarecimentos necessários quanto aos fatos, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer digne-se Vossa Excelência de receber o presente aditamento da denúncia, para que todos os seus termos passem a integrar a exordial.”

Este segundo aditamento foi recebido pelo despacho de fls.7808, ocasião em que foi homologado o pedido do MPF de desistência da oitiva da testemunha Lauro Bezerra.

Em razão desse novo aditamento, os acusados José Eduardo, Fábio e Luiz Estevão foram outra vez interrogados (fls.6043/9, 9050/2 e 9230/4, respectivamente).

As testemunhas da acusação foram inquiridas a fls. 6388/6396, 6397/6400, 6417/6425, 6442/7, 6448/9, 7625/7637 e 7644/9, enquanto que as da defesa o foram a fls.8182/9, 8185/7, 8213/7, 8218/8221, 8223/5, 8334/7, 8391/6, 8397/8401, 8412/3, 8416/7, 8420/2, 8462/7, 8482/3, 8506/9, 8523/4, 8737/8, 8772/3, 8794/6 e 9484/8. Compete salientar que a inquirição de diversas destas testemunhas ocorreu mediante cartas precatórias expedidas para vários estados e, uma delas, por rogatória expedida à França, circunstâncias estas que acarretaram a enorme delonga no andamento do processo, daí estar justificado o aparente excesso de prazo para o término da instrução.

Na fase do art.499 do CPP as partes juntaram documentos e requereram diligências, tendo os defensores de Fábio Monteiro e José Eduardo requerido a realização de perícia (fls.10092/10100), a fim de apurar se de fato existiram os supostos superfaturamento e descompasso do cronograma físico-financeiro do empreendimento. Tal perícia foi inicialmente deferida, porém a decisão foi reconsiderada (fls.11493/4), em atendimento às ponderações do MPF e, principalmente, por ter concluído este juízo que, para o julgamento da ação penal, mostra-se dispensável a prova, sendo o seu interesse de exclusiva relevância para o âmbito cível. Ademais, neste processo, teria a grave conseqüência de impingir ilegal constrangimento ao acusado Nicolau, porquanto faria sua prisão (sem condenação) perdurar por cerca de outros seis meses, no mínimo, fazendo-a prolongar-se por aproximadamente dois anos sem sentença, o que acarretaria a ilegalidade de sua permanência na prisão.

Em alegações finais, apresentadas em 124 páginas (11505/11628), o Ministério Público Federal teceu considerações sobre as irregularidades ocorridas no procedimento licitatório, desde o edital, na obra inquinada da Justiça do Trabalho, culminando por pedir a condenação dos acusados em todos os tipos penais que lhe foram atribuídos, com a aplicação das penas em seu grau máximo, não sem antes argüir matérias preliminares, uma delas consistente na suposta ocorrência de tratamento desigual das partes, relativamente ao prazo previsto no art.499 do CPP. Reiterou (fls.11585), também, o requerimento de conversão do julgamento em diligência para a inquirição de Jesuína Varandas Ferreira, ex-funcionária do Grupo OK, que, em declarações prestadas na sede do MPF em Brasília, narrou detalhes sobre a fabricação de documentos e retificações de livros contábeis das empresas de Luiz Estevão, bem como sobre supostas ameaças de estupro e de morte de que teria sido vítima. A douta Procuradora, outrossim, manifestou surpresa pelo fato de não terem sido juntados nos autos os 1.100 documentos em idioma inglês, embora tenha reconhecido que não guardam relação com os fatos em apuração, pois somente foram traduzidos e juntados “os documentos e extratos que efetivamente guardavam alguma relação com o objeto dos autos” (fls.11589).

O assistente da acusação secundou a manifestação do MPF (fls.11818/9).

Os doutos defensores de NICOLAU DOS SANTOS NETO, nas alegações finais (fls.11.826/11904) produzidas em 78 páginas, argüiram as preliminares de inépcia da denúncia, porquanto em seus 118 parágrafos não logrou esta descrever as condutas de estelionato, peculato e corrupção passiva; e de cerceamento de defesa, em face do indeferimento da perícia requerida pelos defensores de Fábio Monteiro e José Eduardo. No mérito, alegaram que o MPF preteriu a técnica em prol de discurso jornalístico, com utilização de frases de efeito. Aduziram que nenhum dos crimes restou caracterizado ou comprovado. Alternativamente, pedem a aplicação do princípio da consunção, pois não se poderá dar a uma só conduta enquadramentos em vários tipos penais. Subsidiariamente, pugnam pela aplicação da pena no mínimo legal, com o reconhecimento, também, das atenuantes previstas no art.65, I e III, “d”, do Código Penal.

O dr. defensor de FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, por seu turno, em alegações finais inseridas em 72 laudas (fls.11927/11998), insistiu, preliminarmente, na realização da perícia para apurar os supostos superfaturamento e descompasso do cronograma físico-financeiro da obra, perícia esta anteriormente requerida na fase do art.499 do CPP, sob o argumento de que o seu indeferimento acarretará nulidade insanável, por se tratar de exame de corpo de delito. Alegou que o laudo extrajudicial realizado por peritos não nomeados pelo Juízo é nulo. Argüiu também a inépcia da denúncia, por não preencher os requisitos do art.41 do CPP. Requereu, outrossim, expedição de ofício à Receita Federal para requisitar o documento original da auditoria procedida nos livros da Incal, pois o alegado desvio de R$169 milhões foi produto de criação do MPF e não consta do referido documento da Receita. No mérito, obtemperou que nenhuma irregularidade ou ilegalidade maculou o contrato entre a Incal e o TRT, bem como a licitação que o precedeu. Aduziu que o MPF ocultou ou distorceu o verdadeiro percentual de execução da obra, assim como os valores efetivamente recebidos do TRT, que teriam sido, na verdade, no montante de 172 milhões de reais. Ponderou que nenhum dos crimes atribuídos a Fábio Monteiro restou caracterizado ou comprovado. Alternativamente, se assim não se entender, pediu a aplicação do princípio da consunção, bem assim a observância das circunstâncias favoráveis ao acusado.


Em defesa de JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ, seu ilustre defensor, em peça de 77 laudas (fls.12961/13038), argüiu, como preliminar, a inépcia da denúncia do MPF, por não ter descrito a conduta do acusado ensejadora do resultado. Alegou, no mérito, que, ao contrário do afirmado na denúncia, José Eduardo nunca foi sócio da Incal, mas sim do Grupo Monteiro de Barros Investimentos S/A, do qual era detentor de ínfimos 0,6% das ações e que, por isso, não detinha poder de decisão nas empresas. No mais, reiterou o quanto expendido nas alegações finais do co-réu Fábio Monteiro.

Por fim, LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, por seu ilustre defensor, em peça de 185 páginas, sustentou, nas derradeiras alegações (fls.13043/13225 e fls.13508/13510), as preliminares de inépcia da denúncia; ilicitude da prova produzida, consistente na quebra de sigilo bancário sem autorização deste juízo; bem como a infringência ao princípio do promotor natural, porquanto a procuradora da República que apresentou as alegações finais não possuía atribuição para oficiar em primeiro grau, pois havia sido promovida ao cargo de Procurador Regional da República. No mérito, alegou que nenhum dos crimes que lhe foram imputados restou comprovado, especialmente de que concorreu para os mesmos. Afirmou que a CPI do Judiciário em nenhum momento apontou-o como autor de qualquer crime, tendo apenas remetido as conclusões ao MPF para que melhor fosse apurada sua conduta. Porém este, de forma açodada, aditou a denúncia para incluí-lo no processo, sem qualquer apuração prévia. Aduziu que o MPF desdenhou as regras aplicáveis ao conflito aparente de normas e que, quanto ao crime de falso, carece de exame de corpo de delito, além do que o uso absorve a suposta falsificação. Concluíram, os doutos defensores, por pedir a absolvição do acusado.

Por fim, os autos vieram conclusos para a prolação de sentença, em 13.6.2002 (fls.13462), após o que as partes foram cientificadas dos documentos derradeiramente juntados aos autos.

É o relatório.

DECIDO.

A denúncia revelou-se parcialmente procedente com relação a NICOLAU DOS SANTOS NETO e, quanto aos demais acusados, improcedente.

Compete, primeiramente, a resolução das questões preliminares argüidas.

Relativamente às informações requeridas na fase do art.499 do CPP, e eventualmente ainda não respondidas, é aplicável à espécie, por analogia, o disposto no art.222, § 2º, do CPP, pois não se poderá procrastinar indefinidamente o julgamento do feito para se aguardar a juntada de documentos, principalmente quando se trata de réu preso, caso em que se exige a observância, na medida do possível, dos prazos previstos em lei para o julgamento da lide, sob pena de constrangimento ilegal. Ademais, as informações solicitadas não têm relevância para a análise do mérito do processo, consoante se verá.

No que concerne às questões preliminares aduzidas pelo MPF, ficam elas rejeitadas por carência de base legal.

Ao contrário do sustentado pelo órgão argüente, na realidade o princípio da igualdade restou indene justamente em face do quanto decidido a fls. 9494/6 e 9506. Ocorreria a inobservância desse primado se o lapso de tempo utilizado pelo MPF, para se manifestar na fase do art.499 do CPP, não fosse também concedido aos drs. defensores. Reitere-se, aqui, que a contagem do prazo da forma preconizada pelo MPF, a fls. 9504/5, é equivocada, pois partiu da premissa de que sua fluência interrompe-se aos sábados e domingos, o que na realidade não ocorre, conforme deflui expressamente do art.798, “caput”, do CPP.

Quanto à insistência do órgão ministerial na inquirição, como testemunha do Juízo, da ex-contadora do “Grupo OK”, Jesuína Varandas Ferreira que, perante membros do MPF de Brasília, teria narrado a prática de falsificações em livros contábeis da empresa e teria também sofrido ameaça de estupro e de morte, fica tal requerimento indeferido, pois os supostos delitos não dizem respeito ao caso dos autos, tanto que existe ação penal em curso na 7ª Vara local acerca dos fatos. Portanto, de nenhuma utilidade seria a oitiva da referida pessoa para este processo. Serviria apenas para tumultuar e procrastinar o seu andamento, o que vai de encontro ao propugnado pelo MPF na ocasião em que foi determinada a realização de perícia na obra do TRT, contra a qual insurgiu-se sob o argumento de que retardaria a conclusão e julgamento do presente processo. Portanto, se a perícia constituiria, como afirmou o MPF, motivo de atraso no andamento do feito, também a oitiva da pessoa indicada teria igual efeito e, de forma contraproducente, em nada contribuiria para o esclarecimento dos delitos aqui em julgamento.

O mesmo ocorreria se ordenada, como parece pretender o MPF, a tradução e juntada de 1.100 documentos grafados em língua inglesa que, consoante inclusive afirmado pelo referido órgão, nenhuma relação têm com o caso dos autos. A tradução de tal quantidade de documentos na certa demandaria cerca de seis meses, se não mais, com a agravante de que seriam inúteis para instruir o presente processo, na medida em que o próprio MPF afirmou (fls.8492) que não guardam relação com este processo. Ademais, os mesmos foram juntados em autos apartados para livre análise, inclusive, como é curial, pelos drs. defensores, caso em que, se houvesse interesse em qualquer das referidas peças, na certa haveria requerimento de tradução e juntada, o que não ocorreu. Por isso, fica rejeitada tal argüição, conforme, aliás, já decidido a fls.8542/3.


Rejeito o requerimento de desentranhamento das peças (fls.13508/13510) em complementação às alegações de Luiz Estevão, conforme propugnou a assistente da acusação (fls.13512/6), em atenção ao princípio da ampla defesa e, ainda, pela ausência de prejuízo à acusação, porquanto não teve esta cerceada a oportunidade de rebater seu teor.

No que se refere às preliminares aduzidas pelos doutos defensores de NICOLAU DOS SANTOS NETO, da mesma forma, ficam elas indeferidas.

Não constitui esta a sede própria para eventual reconhecimento de inépcia da denúncia. Tendo ela sido recebida, como o foi no presente caso, a suposta omissão, conforme sustentado pelos defensores, de descrição adequada e precisa, pelo MPF, das condutas, datas e circunstâncias configuradoras dos supostos crimes, terá conseqüências outras, na sentença, que não o reconhecimento de inépcia da denúncia. Nesse sentido é o entendimento do C. Supremo Tribunal Federal:

“Concluído o processo penal, não há lugar para a alegação de inépcia da denúncia” (JSTF 164/308).

Deste modo, tal preliminar é de ser rejeitada, assim como, porquanto sob o mesmo fundamento, as argüições nesse mesmo sentido apresentadas pelos demais acusados, de sorte que as alegações atinentes à argüição serão objeto de análise no âmbito do mérito.

Há que se redargüir, quanto à outra preliminar em favor de NICOLAU, que a prova pericial não foi requerida pelos argüentes, mas sim pelos defensores de Fábio Monteiro e José Eduardo, daí não se poder alegar ocorrência de cerceamento de defesa. Se os doutos defensores de NICOLAU DOS SANTOS NETO entendessem ser imprescindível tal prova técnica para a sua defesa, na certa a teriam requerido na fase do art.499 do CPP, ou em qualquer outra fase precedente, o que não ocorreu. Por conseguinte, a alegação de restrição do direito de defesa não poderá ser aduzida em prol do referido réu, visto que em nenhum momento foi anteriormente pleiteada a prova ora reclamada. Todavia, consoante se verá, quando do exame do mérito, a perícia com o objetivo de apurar o suposto superfaturamento e a observância ou descompasso do cronograma físico-financeiro da obra em nada será útil para se saber se ocorreram ou não os crimes de peculato, estelionato, formação de quadrilha etc. É certo que, num primeiro momento, numa análise perfunctória do requerimento de perícia, este juízo entendeu ser pertinente a prova. Todavia, consoante expendido posteriormente (fls.11493/4), a realidade é que as questões objeto da perícia pretendida são imprescindíveis apenas para a instrução do processo cível, em trâmite na 12ª Vara Federal, onde as dúvidas relativas ao eventual dano civil serão aquilatadas. Aqui, o que interessa é perquirir se ocorreram ou não os crimes atribuídos aos acusados na denúncia. Apenas a título de argumentação, é possível afirmar que, por exemplo, podem restar configurados crimes sem necessariamente haver superfaturamento ou descompasso entre o cronograma físico e financeiro ou, contrario sensu, podem ocorrer esses fatos sem que tenham ocorrido os crimes (aduzidos na denúncia) em seus contextos. Uma coisa não pressupõe necessariamente a outra.

Sob esse mesmo fundamento, fica rejeitada a preliminar também argüida pelos drs. defensores de Fábio Monteiro e de José Eduardo. Cabe apenas acrescentar que não se trata, a perícia requerida, como sustenta a defesa, de exame de corpo de delito, na medida em que não se cuida aqui de “crime de superfaturamento” (que somente passou a existir com a edição da Lei 8.666/93, em seu art.96, I) ou de “crime” de “descompasso entre cronograma físico-financeiro”. Cuida-se de apreciar se existiram ou não os crimes de estelionato, peculato, corrupção, formação de quadrilha e falsidade ideológica que, salvo neste último caso, pode caracterizar-se como delicta facti permanentis e ser exigível, somente então, o exame de corpo de delito para a prova de sua materialidade.

Além do mais, o fundamento que serviu para a decisão que indeferiu a perícia (fls. 11493/4), ou seja, de que é ela imprescindível apenas para a solução do processo civil, restou corroborado pelas alegações finais de Fábio Monteiro, na qual se discorre quase que inteiramente sobre o indevido rompimento unilateral do contrato, cuja causa teria sido o suposto superfaturamento e descompasso do cronograma físico-financeiro, daí a sua insistência na realização de perícia para provar o contrário. Vê-se, pois, que a aludida prova interessa unicamente para a solução da lide cível em trâmite na 12ª Vara Cível. Ademais, ver-se-á, adiante, que nenhuma influência terá a perícia para a análise da materialidade ou autoria dos fatos descritos na denúncia, o que demonstra a sua prescindibilidade e, até mesmo, inutilidade para a resolução do presente processo. A sua realização, repita-se, somente iria procrastinar ainda mais o julgamento do feito, de modo a prolongar indevidamente a prisão sem julgamento do co-réu Nicolau dos Santos Neto. Esses mesmos fundamentos servem para a rejeição do requerimento de expedição de ofício à DRF.


No que se refere à argüição de nulidade da perícia realizada extrajudicialmente, apontada pela defesa de Fábio e de José Eduardo, descabe, do mesmo modo, o seu acolhimento, visto que somente os atos realizados no processo é que são passíveis de anulação. Atos realizados em inquéritos ou procedimentos extraprocessuais não geram nulidade do processo, conforme iterativa jurisprudência. A prova realizada extrajudicialmente sem as cautelas formais supostamente pertinentes gera, em juízo, quando muito, falta de credibilidade ou de força probatória, jamais a anulação do processo.

As argüições preliminares aduzidas em favor de LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, da mesma forma, ficam rejeitadas. A alegação de inépcia da denúncia não comporta acolhimento pelo mesmo fundamento acima já consignado, qual seja, o de que descabe, na fase da sentença, a sua aceitação, consoante julgado do C. Supremo Tribunal Federal acima transcrito.

Não se mostra, outrossim, evidenciada a suposta violação ao princípio do Promotor natural. É certo que a douta Procuradora da República, drª Janice Agostinho Barreto Ascari, foi promovida ao cargo de Procuradora Regional da República em 19/11/2001, tendo continuado a oficiar no presente processo e oferecido, em 1/4/2002, as alegações finais. Todavia, não é menos certo que tal atuação decorreu de designação do Procurador-geral da República e com base em permissivo legal (art.68, § único, da Lei Complementar nº75/93), que autoriza a designação de Procuradores Regionais para oficiarem em órgãos jurisdicionais diversos dos Tribunais Regionais.

Essa designação somente estaria imersa na ilegalidade se, conforme exige o referido parágrafo único, não houvesse autorização do Conselho Superior do Ministério Público Federal, o que competiria ao argüente comprovar. Vale lembrar que o ato administrativo, como no caso presente, contém em si o atributo da presunção de legitimidade, de modo que, até prova em contrário, presume-se que o Procurador-Geral da República tenha agido com observância das regras legais, ou seja, que tenha designado a ilustre Procuradora Regional mediante prévia autorização do Conselho Superior. A fls.13486/7, porém, embora em peça sem autenticação, parece ter havido expressa autorização do referido órgão superior.

Assim, estabelecido que a designação ocorreu com a estrita observância da regra prevista no art.68, § único, da Lei Complementar nº75/93, poderia eventualmente caracterizar-se a violação ao princípio do promotor natural se comprovado que a designação ocorreu por critério político ou com vistas a violar o exercício pleno e independente das atribuições do Ministério Público. Nesse sentido,

“A argüição de ofensa ao princípio do promotor natural, imanente ao sistema constitucional brasileiro, consoante julgandos do STF, não se concretiza quando afastada qualquer lesão ao exercício pleno e independente das atribuições do parquet e ausente possível manipulação casuística ou designação seletiva por parte do procurador-geral de Justiça, a deixar entrever a figura do acusador de exceção” (STJ, RHC 6294, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 26.5.97, p.22570).

Não há, no caso, nenhuma prova, ou mesmo afirmação do argüente, no sentido de que a designação da digna Procuradora oficiante estaria impregnada de qualquer das referidas pechas. Ao contrário, a designação aparenta ter-se fundado na conveniência do serviço, pelo fato de a representante do MPF ter oficiado no feito desde o seu início, de modo que a função ministerial teria melhores condições de desenvolvimento com a manutenção de sua atuação no processo, em face da complexidade deste.

Por fim, no respeitante à alegação de ilicitude da prova remetida pelo Departamento de Justiça estadunidense, porquanto consistente em quebra de sigilo bancário sem autorização deste juízo e, ainda, por não ter sido ainda firmado, na época, o acordo de cooperação judiciária, também não prospera tal argüição.

A prova somente poderia ser reputada ilícita se, no país em que foi lograda, houvesse infração a normas estabelecidas no território sob sua jurisdição, caso em que competiria ao argüente comprovar. Os documentos bancários, pelo que se vê, foram remetidos pelo Departamento de Justiça dos EUA (conf. tradução de fls.11723/11815), ou seja, por órgão oficial daquele país, razão porque possuem como ínsita a presunção de legitimidade, somente passível de desconstituição por prova em contrário a cargo do argüente.

Acrescente-se que o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal firmado entre o Brasil e os EUA, em vigor desde 21/2/2001, consoante o art.20, §2º, do Decreto Legislativo nº262/2000, não teve, ao contrário do sustentado pela douta defesa, o objetivo de servir de requisito de validade ou eficácia da prova apurada em outro país. Colimou, tão-só, facilitar e tornar célere a solicitação de cooperação judiciária. Aliás, é expresso o preâmbulo do referido acordo internacional: “Desejosos de facilitar a execução das tarefas das autoridades responsáveis pelo cumprimento da lei de ambos os país, na investigação, inquérito, ação penal…acordam o seguinte”.

Com referência aos documentos juntados pelos defensores de Estevão, em língua inglesa (fls.13325/13403), que supostamente comprovariam a ilicitude dos dados bancários remetidos pelo Departamento de Justiça norte-americano, não se mostra pertinente, no estágio atual do processo, a determinação de sua tradução, pois esta demandaria mais delongas na finalização do processo, em função do qual, repita-se, há réu preso por tempo superior a um ano sem julgamento. Além disso, pelo que se vê do resultado do mérito, nenhuma utilidade haveria em sua tradução.

Portanto, fica rejeitada a referida preliminar.

Superadas as argüições preambulares, passo ao exame do mérito.

Antes de adentrar na análise do mérito, tal qual consignado nos processos conexos, julgados simultaneamente com este, não é redundante, mas sim pertinente, reiterar os princípios e nortes a serem observados no julgamento de uma causa criminal, pois, embora elementares e perfeitamente compreendidos pelos profissionais do Direito, nunca é demais lembrar a extrema relevância para a correta e justa solução da lide criminal a estrita observância desses primados, dentre os quais o do princípio in dubio pro reo. É consabido que, no exame da causa, deve-se partir da premissa de que, para a sustentação de uma decisão condenatória, é exigível que o fato delituoso descrito na denúncia tenha sido inequívoca e terminantemente provado. No processo penal é descabido, diante de duas ou mais versões plausíveis emergentes da instrução, optar por aquela que incrimina. É mister que a versão da acusação seja definitiva e irretorquivelmente demonstrada como a única veraz, com a exclusão de qualquer outra que possa ter emergido da instrução (salvo a hipótese em que se admite a mutatio libelli). Caso não comprovado terminantemente que a versão da acusação constitui a verdade efetiva, deve prevalecer o princípio in dubio pro reo, já que, na dúvida, por mais tênue que seja, acerca da ocorrência do delito ou da autoria, assim como da culpabilidade, a absolvição é a única e inevitável alternativa que se impõe ao julgador.

Não é outro o entendimento consagrado na jurisprudência.

“Apresentando o bojo do processo duas versões verossímeis acerca dos fatos, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, deve prevalecer a versão trazida pelo réu.” (TRF/4, ACR 0457050-0, Rel. Juiz Gilson Dipp, DJ 22.5.96, p.33347).

(Continue a ler a sentença).

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