Porteira aberta

Fazenda onde o líder do MST foi baleado é desapropriada

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28 de janeiro de 2002, 17h44

O juiz federal Cláudio de Paula dos Santos da 1ª Vara Presidente Prudente – SP, deu permissão para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inicie os trabalhos de assentamento da Fazenda Santa Rita. A decisão se deu na ação de desapropriação proposta pelo Incra para fins de reforma agrária.

Entretanto, o processo deve prosseguir, para que se determine se as terras são ou não produtivas.

Recentemente, a fazenda foi invadida por 275 famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terras (MST). Na ocasião, o líder do movimento, José Rainha, foi baleado em emboscada. Diante do ocorrido, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann acusou um juiz de ser responsável, indiretamente, pelo atentado a José Rainha.

De acordo com o ministro, a invasão dos militantes do MST foi um protesto contra a demora por parte do juiz, que já teria sido procurado insistentemente pelas Procuradorias do Incra e do governo paulista, interessadas na solução do caso.

Em sua decisão, o juiz devolveu ao governo a responsabilidade pelo atraso no processo. Ele afirmou que, apesar de uma tentativa frustrada de conciliação entre as partes em novembro de 2000, o Incra só manifestou interesse na desapropriação em outubro de 2001. E, mesmo assim, por irregularidade no pedido inicial, o pedido válido só foi apresentado em 15 de janeiro deste ano.

Quanto às alegações dos proprietários da fazenda da necessidade de realização prévia de perícia, o juiz determina que a mesma seja realizada nos próximos dias.

De acordo com o juiz, a perícia deverá efetuar o cálculo do Grau de Utilização da Terra (GUT), bem como do Grau de Eficiência da Exploração (GEE), devendo apresentar o laudo em 60 dias.

Veja a íntegra da decisão

1ª VARA FEDERAL DE PRESIDENTE PRUDENTE

Autos nº 98.0021315-5

Desapropriação

Autor: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra

Réus: Ione Gargione Junqueira e outro

D E C I S Ã O

Trata-se de ação de desapropriação para fins de reforma agrária em fase instrutória, vindo o Incra a pedir a imissão na posse da propriedade.

Inicialmente, cumpre abordar a celeuma criada nos últimos dias em torno deste processo, motivada por declarações veiculadas por toda a imprensa nacional a respeito do Judiciário e, especialmente, das pessoas dos juízes em exercício nesta Subseção, por parte do Sr. Ministro do Desenvolvimento Agrário.

Segundo noticiou a imprensa e restou registrado nos autos pelos expedientes de fls. 232 e 239 e petição de fls. 234/235, na última semana ocorreu invasão do bem expropriando por parte do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, cujo desdobramento teria resultado em lesões corporais em membros dessa associação, causadas por tiros em confronto com prepostos dos Réus. A partir desse incidente Sua Excelência, de forma aética, passou a destilar toda sorte de acusações e impropérios aos juízes, chegando até mesmo a xingamentos e calúnia, pois disse, segundo a imprensa, que um juiz da Subseção – que sequer atua no feito – deveria responder por tentativa de assassinato. Não há necessidade de que sejam aqui repetidas as declarações e, pelo nível de algumas, nem mesmo convém.

O Judiciário manifesta-se nos autos, razão pela qual não houve comentários quanto às declarações do Sr. Ministro, limitando-nos, procurados pela imprensa, a tentar esclarecer o andamento do processo. Não tem a presente manifestação intenção de responder a essas declarações no que pertine à pessoa deste juiz. Primeiro, porque não me anima polemizar sobre o caso ou ensejar que o façam; segundo, porque o nível ao qual chegou o declarante não o credencia para os impropérios assacados, devendo ser encaradas como sendo estratégia política, quiçá buscando tirar o foco de atenção da verdadeira questão que interessa à opinião pública, que é sua própria atuação. Mas é necessário deixar registrado nestes autos nossa indignação com o ocorrido.

Não penso que as colocações feitas sejam dignas da altura do cargo ocupado por Sua Excelência. Antes de dignificar seu cargo, ou de desacreditar o dos juízes, as declarações vêm demonstrar ausência de espírito, desprestigiando e empobrecendo a imagem do Governo que representa, das autoridades em geral, e mais ainda de quem as formula. Trata-se portanto de desrespeito não só com o Judiciário mas também com as autoridades de todos os níveis no país, que saem do episódio vilipendiadas.

Na nossa ordem, proclamada Estado Democrático de Direito, o Judiciário, como Poder da República, não se mostra infenso às críticas; podem e devem os atos e decisões judiciais ser discutidos (embora as decisões devam ser cumpridas, sob pena de instaurar-se a anarquia e a insegurança). É próprio da democracia que se possa emitir opiniões sobre o Poder Público e seus membros. Mas é profundamente lamentável ver manifestações como as ora em questão, em que se deixa de lado a crítica e parte-se para o ataque desairoso, sem ética ou escrúpulos; exercício de liberdade e de autoridade não se confunde com leviandade e desrespeito. Como ironicamente o próprio Ministro declarou ao abandonar reunião em visita a esta região: “Admite-se a crítica, mas não o desrespeito à autoridade constituída”.


Talvez as manifestações pudessem ser encaradas por alguns como demonstração de altivez e independência, como se buscasse afirmar a reconhecida posição e dignidade do cargo ocupado por Sua Excelência, em altíssimo escalão na República. Mas se de fato são essas qualidades próprias e esperáveis da autoridade pública, não é menos verdade que podem e devem ser exercidas nos limites da ética. Por isso que não se trata do exercício desses misteres, já que poderia o prolator bem demonstrar inconformismo e até indignação sobre algum aspecto do processo sem descer a inverdades e ao desaire. Agir com lhaneza e respeito não desprestigia ninguém. Demonstra nobreza e dignidade não a autoridade que mostra saber ofender, nisso buscando afirmação pessoal quanto às virtudes necessárias ao cargo – quiçá com intenções políticas não confessadas -, e sim a que questiona quando necessário, no lídimo exercício de sua função, mas o faz com justiça e retidão.

Destaque-se que infelizmente não parece ser arroubo momentâneo decorrente da pressão da opinião pública em razão dos incidentes, que, colhendo de surpresa, fez tangenciar para o desespero e a transferência de sua própria responsabilidade a outrem; parece mesmo ser intenção deliberada de ofensa a quem não conhece.

Estiveram neste Juízo o Exmo. Sr. Ouvidor Agrário Nacional e o Exmo. Sr. Superintendente Estadual do Incra, quando chegaram a se desculpar por eventuais “mal-entendidos” no trato da questão. Mas enquanto pessoalmente os representantes do Ministério assim procederam, publicamente deram declarações levando à idéia de que o processo de fato estava paralisado e que, em virtude de sua visita, seria definido em questão de dias – exatamente a presente decisão. Não esclareceram que, vindo aqui ou não, o processo seria despachado quanto à imissão na posse em virtude da juntada da petição de fls. 229/230. De sua parte, Sua Excelência continuou na mesma linha de ataques institucionais e pessoais.

O que mais impressiona nessas manifestações é a virulência para atacar a Justiça e as pessoas dos juízes sem demonstração do mínimo interesse em saber como tramita o processo e sem questionar a própria atuação do órgão que tem sob sua subordinação. Em verdade, mencionados representantes demonstraram conhecer o andamento do processo, não se sabendo se, além da vontade de ofender e transferir responsabilidade, Sua Excelência estava de fato também mal informado. De qualquer forma, nenhuma das hipóteses abona sua posição; para o cargo que ocupa, não é possível tamanha falta de informação sobre algo tão simples no cotidiano do Ministério, que é o andamento de um processo de interesse do órgão. Seja como for, resta claro que deturpou a verdade para a opinião pública.

Veio à baila a questão da morosidade do Judiciário. Trata-se de problema causado por mais variadas razões e que tem merecido a preocupação de toda a sociedade e especialmente dos que labutam com o Direito, carecendo de soluções rápidas sob pena de pôr-se em risco o próprio Estado de Direito. E iniciativas nesse sentido têm partido também do Judiciário, como é o caso da proposta de lei que levou à recente criação dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, além de outras de autoridades do Executivo e do Legislativo e até da sociedade civil organizada. O assunto, porém, exige seriedade no trato, principalmente das altas autoridades.

Mas a questão aqui (imissão na posse) sequer tem a ver com o tempo necessário para o trâmite processual até sentença definitiva, já que se trata de medida provisória a ser tomada no curso da própria ação. Tem a ver com o interesse da parte nessa medida. O despacho de fl. 68 assentou, sem recurso, que a questão da imissão ficaria para após a tentativa de conciliação, vindo o processo posteriormente a este Juízo, onde chegou em agosto/2000. Mesmo tendo sido frustrada a conciliação, em audiência realizada em novembro/2000 (fl. 183), não houve manifestação do Incra no aspecto, vindo a levantar efetivo interesse na imissão somente com a petição de fl. 211, protocolada em outubro/2001. Essa petição, aliás, chegou a ser analisada em dezembro, resultando no despacho determinando que o Autor primeiro regularizasse a inicial (fl. 222).

Enfim, Sua Excelência prestou um desserviço à Nação, ao Governo que integra e aos poderes constituídos, restando a impressão de que as autoridades buscam unicamente empurrar para outras a responsabilidade pelos problemas que se apresentam.

2. À guisa de cumprimento ao despacho que determinou a regularização da inicial veio aos autos a petição de fls. 229/230, recebida neste Juízo em 15 p.p.

Recebo o pedido constante do item c dessa peça como emenda à exordial, suprindo a ausência de pedido principal naquela peça.

Indefiro o requerimento do item a, porquanto já providenciada a averbação (fl. 81).


Quanto ao pedido do item b, é incabível na fase em que encontra o processo, porquanto é cediço que não houve conciliação e contestam os expropriados a declaração de improdutividade.

3. Fls. 211, 226/227 e 234/235 – Alegam os Réus ser incabível a concessão de imissão na posse sob fundamento de que se encontra irregular a representação processual do Incra, de necessidade de realização prévia da perícia e do disposto na Medida Provisória nº 2.027, devendo o processo ser extinto sem julgamento de mérito.

Quanto à primeira questão, tratando-se de autarquia, os Procuradores do Incra prescindem de apresentação de procuração, porquanto sua atuação se dá em virtude de atribuições de cargo público e não por mandato, razão pela qual não procede a prejudicial levantada pelos Réus.

Não procede, igualmente, o empecilho levantado para a imissão na posse quanto à alteração do estado de fato, a tornar ineficaz a prova pericial designada. A diligência será realizada nos próximos dias, só não tendo sido iniciada em virtude do pedido incidente ora analisado. Por isso que alterações no estado fático em virtude da imissão, se ocorrerem, certamente não chegarão a comprometer seu resultado; não haverá tempo para grandes modificações no estado do imóvel pela transferência da posse ao Incra.

Finalmente, também não procede o argumento levantado quanto à MP nº 2.027. Essa Medida Provisória atualmente está publicada sob nº 2.183-56, de 24.8.2001, mantida em vigor por força da EC nº 32, de 11.9.2001, cujo art. 4º altera o art. 2º da Lei nº 8.629, de 25.2.93, passando a vedar, por dois anos, a vistoria, avaliação ou desapropriação em imóveis rurais invadidos.

Essa vedação, todavia, não se aplica aos processos judiciais de desapropriação em curso, porquanto não tem ela caráter de norma processual civil, mas de norma administrativa. Destina-se ao administrador, não influenciando no trâmite processual, porque a medida tendente à expropriação já foi tomada com o ajuizamento da ação.

Assim é que, presentes os pressupostos da Lei nº 8.629, de 25.2.93, uma vez emitidos os Títulos da Dívida Agrária (fl. 67) e efetuado o depósito do valor relativo às benfeitorias (fl. 80), acolho o pedido de fl. 211 e DEFIRO A IMISSÃO NA POSSE em favor do Autor.

Expeça-se carta precatória para efetivação da medida.

4. Indeferidos os quesitos dos Réus para a perícia, mesmo intimados do despacho de fl. 195 não houve formulação de outros em substituição, com o que se entende satisfeitos com os formulados pelo Autor. E, de fato, discordando da classificação do imóvel como improdutivo, os quesitos deferidos voltam-se a essa questão.

Porém, embora implícito nos quesitos do Autor, mas para que reste explícito, como quesitos do Juízo deverá o expert efetuar o cálculo do Grau de Utilização da Terra – GUT, bem assim do Grau de Eficiência da Exploração – GEE. Deverá, ainda, além de levantamentos no ano agrícola 1996/1997, conforme preconizado do Incra, responder aos mesmos quesitos tendo como referência a data da vistoria.

Intime-se o Perito para iniciar os trabalhos, devendo informar nos autos a data de levantamento de campo para ciência das partes. Prazo para apresentação do laudo: 60 dias.

5. Intimem-se.

Presidente Prudente, 25 de janeiro de 2002

CLÁUDIO DE PAULA DOS SANTOS

JUIZ FEDERAL

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