A energia em questão

Especialistas examinam o quadro jurídico do 'blecaute'

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23 de janeiro de 2002, 12h15

Dentro do quadro de litigiosidade instalado no país, assim que as luzes se apagaram no blecaute do último dia 21, advogados mais rápidos no gatilho não hesitaram em clamar pelo cabimento de reparação pelos prejuízos provocados.

Embora o raciocínio seja lógico e cartesiano, é de se examinar a extensão da responsabilidade do Estado em relação ao problema. Dessa reflexão emergirá o entendimento a ser adotado pelo Judiciário não só em relação ao “apagão” de janeiro, mas também quanto aos prejuízos enfrentados pelas empresas com o advento do racionamento.

Para o advogado Marcelo Barbosa, sócio do escritório Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro, a primeira constatação razoável e simples a ser levada em conta é a de que o sistema de geração e distribuição de energia do país, como um todo, carece de muito desenvolvimento na parte técnica, o que demandará ao mesmo tempo investimento e fiscalização. “Falta reforço nas linhas existentes, faltam linhas novas para integrar de verdade o território, e isto somente será possível caso haja investimentos”.

Sem entrar diretamente na discussão a respeito das razões por que não foram tomadas as providências necessárias no passado, Marcelo Barbosa historia didaticamente o projeto iniciado há cerca de cinco anos, quando o governo decidiu privatizar a geração de energia (exceto Itaipu); criar uma agência reguladora independente, no modelo americano; implantar um mercado atacadista de energia (o MAE), destinado a abrigar todas as operações de compra e venda de energia, inclusive de consumidores pessoas físicas (o que ocorreria a partir de 2003, segundo o modelo inicial); determinar que o acesso e o uso do sistema de transmissão seria contratado de forma independente do fornecimento; e, finalmente, delegar a operação do sistema a um organismo independente, o ONS.

“Pois bem”, analisa Barbosa: “O governo não conseguiu privatizar a geração, não temos um mercado atacadista, e a agência reguladora precisa, além de representar os direitos dos consumidores (o que é uma atribuição importantíssima), passar a ser um agente ativo no desenvolvimento do setor, fomentando a expansão do sistema com regras claras e atrativas para o investidor, e que estejam no interesse do país. Em outras palavras, estamos parados no meio do caminho, com algumas características do modelo imaginado, com outras do modelo antigo, e pode-se dizer que a situação atual não é exatamente o resultado de um planejamento”.

O advogado admite que o governo saiu-se bem na condução da crise energética, diante das circunstâncias. “Levando-se em conta a data em que foi declarada a crise, as medidas tomadas foram razoáveis e surtiram efeito, por mais que tenham criado situações difíceis para a população de modo geral”, afirma, questionando apenas a perspectiva de se encerrar o regime de racionamento em momento aparentemente prematuro, o que faz sem mencionar o fato de estar o país em pleno ano eleitoral.

Barbosa não tem dúvida de que, com regras claras e que remunerem razoavelmente os investidores, não faltarão capitais para financiar projetos destinados à construção de novas linhas de transmissão no Brasil. “O problema, hoje, é que um projeto na área de transmissão envolve tantos riscos de difícil mitigação que os financiadores são desencorajados de prover recursos para tais projetos. Prova disso é a tímida – perto do que poderia e deveria ser – presença das grandes empresas estrangeiras nas licitações para as novas linhas de transmissão”.

Como exemplos, o especialista cita o insondável processo de licenciamento ambiental, a árdua obtenção de servidões e desapropriações, que poderiam ser simplificados e racionalizados, bem como a questão da revisão da remuneração do operador das linhas. “Ou seja, as regras existentes oferecem pouca segurança e muitos riscos”.

Além dessas questões, mais ligadas à transmissão, há diversos outros problemas no que toca à geração e à distribuição, bem como as relacionadas especificamente ao funcionamento da agência reguladora que não são de ordem jurídica, mas institucional.

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