Metralhadora giratória

Haidar critica concorrência desleal incentivada por grandes escritório

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22 de janeiro de 2002, 12h48

A Advocacia é uma profissão que a Constituição Federal assegura ser indispensável à administração da Justiça. Assim, seu exercício há de ser preservado, para que possamos obter resultados compatíveis com a dignidade da Profissão.

A concorrência desleal é hoje o maior problema da nossa Profissão. Em artigo publicado na imprensa, ela foi considerada um dos “sete buracos da Advocacia”. Dessa forma, é necessário que tais fatos sejam denunciados publicamente, para que se adotem contra eles enérgicas providências.

A Profissão está ameaçada de extinção como atividade liberal, sendo aos poucos mercantilizada e estatizada. Juizados onde nossa presença é dispensada, conciliações feitas de forma mercantilizada, instituições que oferecem trabalho gratuito a quem tem condições de pagar honorários, a própria estatização da Profissão que vai nos transformando a todos em funcionários públicos, evidentemente subordinados ao Estado, esse monstro insaciável que aos poucos vai nos confiscando os bens através de tributos, para algum dia nos confiscar a liberdade, tudo isso vai extinguir a Advocacia como profissão liberal para transformá-la em um negócio qualquer.

Exemplos são os magistrados que, durante o horário de expediente, prestam serviços de “consultoria jurídica” a qualquer pessoa, através de meios de comunicação, sobre casos concretos que em tese podem representar litígios.

Em São Paulo, duas emissoras de rádio de grande audiência mantém programas onde juizes do Foro Central respondem perguntas do público. Como se vê pelo conteúdo das questões, (cujos textos estão disponíveis na “Internet”) boa parte das consultas referem-se a compra e venda de imóveis, heranças, inventários, desapropriações e questões comerciais. Não se trata, pois, de atendimento a “carentes” e mesmo que assim fosse tal serviço é vedado a magistrados.

Isso é exercício ilegal da profissão, tangencia as raias da criminalidade e é vedado pela Lei Orgânica da Magistratura. Pouco adiantará queixas à Corregedoria, onde o corporativismo certamente as arquivará.

Consultas sobre assuntos jurídicos constituem atividade privativa de advogados, como diz a lei e a OAB registra na “Tabela de Honorários” quanto deve ser o mínimo que por tal serviço cobrará um profissional.

Parece óbvio que qualquer pessoa que necessite consultar um advogado, mesmo podendo pagar a consulta, possa preferir orientação gratuita de um juiz (e há respostas feitas até por juizes de segunda instância), em prejuízo para os advogados. E é possível que tais magistrados tenham acesso aos dados dos consulentes, viabilizando captação de clientela para seus parentes advogados ou para suas futuras bancas quando se aposentarem.

Registre-se, com grande tristeza, que a própria OAB-SP já resolveu constituir advogados que são magistrados recém-aposentados para patrocinar uma medida judicial de natureza tributária, como se não houvesse nos nossos quadros outros profissionais capacitados e como se juízes aposentados pudessem ser mais eficientes no exercício da profissão.

Quando a própria instituição prestigia o juiz aposentado, volta as costas para os seus membros que lutam pela sobrevivência e fecha suas portas para os jovens que, entusiasmados, idealistas e sonhadores, ainda acreditam na nossa Profissão como meio digno e honrado de viver com conforto.

A concorrência desleal também é incentivada por grandes escritórios de advocacia, onde alguns advogados exercem o seu nobre mister fazendo questão de se identificar como “desembargadores”, em muitos casos apenas emprestando o prestígio da carreira onde se aposentaram para insinuar aos possíveis clientes que tal prestígio pode de alguma forma lhes beneficiar.

Sofre a Advocacia, ainda, com a ação nefasta de advogados sem escrúpulos e ignorantes da ética, que organizam escritórios de advocacia como se fossem meras empresas comerciais. Anunciam serviços de forma acintosa e descarada, utilizam-se de vendedores de porta em porta, para o que muitas vezes contratam estagiários ou advogados recém-formados a quem iludem com promessas mirabolantes.

Nessas indústrias supostamente jurídicas, nessas verdadeiras “arapucas” onde muitas vezes o cliente é espoliado depois de ser iludido com falsas promessas de milagres, esquemas mercadológicos gigantescos são implantados. Folhetos multicoloridos são distribuídos aos milhares, malas diretas são produzidas e expedidas em quantidades imensas e até mesmo supostos “seminários jurídicos” são utilizados como estratégia de venda.

Já vimos até moçoilas de excelente aparência, algumas com formação jurídica, visitando empresas e clientes potenciais para lhes oferecer serviços jurídicos com tal insistência e de forma tão despudorada sob o ponto de vista ético, que acabavam colocando a Advocacia numa deplorável posição de mercantilismo sem pudores, que faria corar o mais audacioso mercador , aproximando nossa linda profissão do mais fétido e execrável pântano moral.

Apesar do rigor com que vem agindo o nosso Tribunal de Ética e Disciplina, tais situações estão contempladas com penas muito brandas na legislação vigente. Quando esses maus colegas são processados disciplinarmente, dificilmente se emendam e, por não saberem o que é honra ou dignidade, encaram a punição como risco natural do seu “negócio”.

Tornando-se ricos e poderosos graças a tais expedientes, alguns desses mercadores jurídicos já chegaram até a financiar campanhas eleitorais em nossas entidades representativas, para nelas garantir a presença de seus áulicos e muitas vezes são prestigiados pela OAB quando promovem eventos festivos.

Em alguns ramos da Advocacia, o tráfico de influência vem se tornando regra, em prejuízo da verdadeira Justiça. Funcionários públicos usam informações que detêm em função do cargo e procuram pessoas ou empresas para negociar soluções que deveriam ser encontradas através do trabalho sério de um advogado. E há até mesmo advogados que, exercendo funções públicas, usam seus cargos para captar clientela para si ou para os escritórios aos quais estão vinculados.

Aliás, em muitos casos esses maus advogados, que resolveram se tornar funcionários públicos, ocultam que são advogados, tratam seus colegas com desprezo, mas sempre procuram a OAB quando desejam ocupar cargos elevados que a lei reserva à Advocacia. E muitos Conselheiros da OAB, nessas ocasiões, infelizmente chegam a apoiar e prestigiar aquele que sempre nos desprezou, que nunca dependeu de honorários, que sempre conseguiu viver sem os nossos sobressaltos e as nossas dificuldades…

A concorrência desleal implantou-se de tal forma em nossa Profissão, que boa parte dos jovens que hoje nela ingressam desde logo procuram os concursos onde terão um salário assegurado e as demais vantagens da carreira pública.

E nós, que dedicamos nossas vidas à Profissão que amamos, que sempre sonhamos em ter nossos filhos nessa mesma luta, nessa mesma trincheira, embalando os mesmos sonhos e acalentando os mesmos ideais, depois que os vemos trilhando outros caminhos, muitas vezes somos tentados a também abandoná-la, principalmente nos momentos de dificuldade, nas horas de angústia, nas batalhas intermináveis pela sobrevivência.

Já é hora de reagirmos contra tal estado de coisas! A OAB tem o dever indeclinável de empunhar a bandeira contra a concorrência desleal na advocacia. Afinal, esta é uma corporação de ofício e como tal tem a obrigação de defender seus membros.

A entidade que tão bravamente tem lutado pelos direitos humanos, que tanto tem defendido a sociedade, que tanto tem se esforçado pela cidadania, pelo ensino jurídico, pelo voluntariado, pelos deficientes, pelos sem-terra e pelos sem-teto, pelos presidiários e pelas vítimas, e por tantas outras causas nobres e justas, lutas essas que são valiosas e das quais tanto nos orgulhamos, precisa, com urgência, LUTAR PELOS ADVOGADOS, especialmente pelos que ainda acreditam que esta é uma PROFISSÃO LIBERAL, que ainda imaginam que a advocacia não é uma indústria, não é um emprego ou um negócio qualquer .

Já aproximamos a OAB do Judiciário, já a aproximamos do Ministério Público, da Procuradoria do Estado, dos Sindicatos, da Assembléia Legislativa, da Imprensa; já a aproximamos até de minorias muito especiais, que certamente merecem ser respeitadas e precisam de nosso apoio.

Já chegou a hora de aproximar a OAB do ADVOGADO. Não do advogado da “elite”, das grandes bancas, dos que também exercem o magistério, dos que se asseguram em confortáveis aposentadorias pagas pelos cofres públicos, dos que freqüentam palácios e colunas sociais, dos que administram heranças e grandes patrimônios, mas do ADVOGADO comum, daquele que tem calo no umbigo, daquele que vive só de honorário, daquele que depende do cliente, daquele que sofre nos balcões apertados de cartórios desorganizados, daquele que corre atrás das audiências, daquele que se mata atrás dos prazos, enfim, daquele que é, simplesmente o VERDADEIRO ADVOGADO! Irmanemo-nos todos, especialmente os Conselheiros da OAB-SP, nessa nova cruzada: contra a CONCORRÊNCIA DESLEAL NA ADVOCACIA.

*O manifesto foi lido por Haidar em sessão ordinária do Conselho da OAB-SP na segunda-feira (21/1).

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