Justiça para todos

Costa Leite critica reforma do Judiciário e elogia Juizados Especiais

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14 de janeiro de 2002, 13h06

“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Rui Barbosa, in “Oração aos Moços”

Os dois princípios básicos da Justiça, para que possa cumprir seus deveres institucionais elementares, são: a sua universalidade e a sua presteza. Em linguagem mais simples e direta, significa a sua capacidade de atender a todos. Mas atender só não basta. É preciso ser eficiente, rápida e, principalmente, barata.

Nos últimos anos, procuramos dar ao Superior Tribunal de Justiça o sentido de uma justiça verdadeiramente justa na expressão de “Tribunal da Cidadania”. O STJ está um Tribunal mais aberto, o que permite à sociedade acompanhar suas decisões e conhecer o que faz, como faz e por que faz. Trata-se de uma prática, não de um slogan.

Admitir as deficiências do Judiciário, ao contrário de um sinal de fraqueza, é manter-se em sintonia com um mundo em constante transformação e um convite ao debate saudável para corrigir rumos e cumprir esses dois princípios básicos. Quanto à epígrafe de Rui, ela era tão verdadeira no século passado como continua a sê-lo no presente, mas isso não significa que deva durar para sempre. Antes, devemos usá-la como uma advertência.

O que importa hoje para o cidadão comum é que a Justiça fique cada vez mais perto do povo e que seja mais rápida no atendimento às demandas. Para que isso ocorra, não podemos esperar por uma reforma do Judiciário que, embora aborde questões importantes, ainda deixa muito a desejar no que diz respeito a questões estruturais.

Como tenho insistido muito nessa questão, decidimos não ficar remoendo queixas e passamos à ação. A partir da experiência dos juizados de pequenas causas nos Estados, a idéia de um Juizado Especial no âmbito da Justiça Federal passou a ser tratada como prioridade pelo Conselho da Justiça Federal, órgão vinculado ao Superior Tribunal de Justiça.

Uma comissão de magistrados foi encarregada de realizar estudos, definir regras e propor a sua implantação por intermédio de projeto de lei. Logo se iniciaram negociações com os Poderes Executivo e Legislativo, resultando, por fim, na Lei 10.259, sancionada no ano passado. Eis a comprovação de que, quando existe vontade política dos Três Poderes, é possível, sim, alcançar-se objetivos antes quase inimagináveis.

Em meio às comemorações pelo sucesso da iniciativa, ouvi, de um dos meus pares, o seguinte comentário: “Talvez a sociedade só se dê conta de que foi sancionada uma nova ‘Lei Áurea’ no Brasil daqui a uma década ou mais.” Exageros à parte, o fato é que para os cidadãos de baixo poder aquisitivo, os “sem-justiça”, essa é uma questão vital, um verdadeiro divisor de águas para a Justiça Federal.

Funcionando inicialmente nas capitais, os Juizados Especiais Federais terão uma tramitação simplificada, sem burocracias, proporcionando a rapidez exigida paras as decisões judiciais em causas de menor expressão econômica – que não podem exceder a 60 salários mínimos – movidas por particulares contra a União e contra os demais órgãos federais.

Em um levantamento preliminar, foi constatado que cerca de 50% das causas existentes hoje na Justiça Federal estão dentro desse limite. Ou seja, com esse desafogamento, a Justiça Federal poderá concentrar-se nos processos mais complexos, ser mais ágil em seus julgamentos.

Nas causas de natureza previdenciária que também não atingem o limite de 60 salários mínimos, o percentual de processos é ainda maior: 90%. Daí se tem uma idéia mais clara do nível de congestionamento de processos que, se por um lado arranha a imagem da Justiça, de outro é motivo de insatisfação dos próprios magistrados.

O que pode o Juizado Especial Federal julgar? Em princípio, todo tipo de causa que tenha a União, suas autarquias e empresas como parte. Até mesmo um acidente de automóvel envolvendo um carro oficial com um particular cujo valor esteja nos limites definidos por lei.

No entanto, inicialmente, o Juizado Especial estará concentrado nas causas previdenciárias e penais. Com um detalhe importante: o tão criticado instrumento do precatório, que arrasta a liquidação da dívida junto ao credor por anos a fio, foi abolido nos limites citados acima. Explicando melhor: depois da decisão judicial, o pagamento será feito na boca do caixa, no prazo máximo de 60 dias, em uma das agências da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil.

Se o devedor não pagar, o juiz pode determinar o seqüestro do valor correspondente à condenação imposta. Essa garantia é uma inovação, pois não são raras, sobretudo nos Estados, as situações em que a parte vencedora num processo contra o Poder Público não tenha seu direito efetivado.

É importante destacar, nos Juizados Especiais Federais, a figura dos conciliadores, designados para essa função por um período de dois anos (admitida a recondução) e escolhidos entre advogados, estudantes e bacharéis em Direito. Eles darão ênfase à informalidade nos procedimentos judiciais, assegurando celeridade aos processos. Vale dizer que, com isso, a rotina dos juízes federais será completamente diferente, podendo eles, inclusive, realizar audiências coletivas quando se tratar de processos com conteúdo semelhante. Tais audiências poderão ter apenas um juiz e contar a presença de, por exemplo, 40 conciliadores.

E como vivemos a era da comunicação virtual, nada mais natural que qualquer pessoa possa propor uma ação ao Juizado Especial por meio da internet. Aliás, a rede mundial será útil quando o cartório do Juizado tiver de comunicar às partes uma determinada audiência. Como conseqüência, teremos uma comunicação direta com os cidadãos, eliminando papéis e outros procedimentos burocráticos.

No mundo dos homens, não podemos imaginar uma Justiça inquestionável, infalível. Mas podemos sonhar com isso e lutar por uma Justiça rápida, de qualidade, acessível e sem exclusão. Esse é um bom começo.

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