Spams repudiados

Advogado critica decisão que liberou envio de spams

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11 de janeiro de 2002, 13h00

Uma sentença foi proferida. Uma sentença sobre spamming(1). Uma sentença que envolve, além de conhecimentos de direito, conhecimentos tecnológicos. Por certo, foi a primeira decisão, no sentido, no País. Teve vez em Campo Grande (MS). ¿A responsável? A laica julgadora Rosângela Lieko Kato, nos autos da ação de indenização nº 2001.1660812-9, proposta pelo advogado João de Campos Corrêa contra Inova Tecnologia S/C Ltda., Portal Planeta Serviços e Internet Ltda. e Osite Entretenimento Ltda.

Apesar de seus conhecimentos jurídicos, inegavelmente a leiga julgadora não agiu com o habitual acerto ao sentenciar que o spamming se compara à mala direta, sendo, portanto, uma prática saudável. Todavia esse entendimento é incorreto.

Quando se trata da mala direta convencional, quem paga as despesas são os remetentes; já com o spam a questão é diferente, eis que quem paga as despesas não são os remetentes, mas os destinatários. ¿Como considerar essa prática saudável? ¿Como considerar saudável a ação dos spammers que entopem nossas caixas de correio eletrônico e nela colocam o lixo que bem desejam? ¿Como consignar como saudável os aborrecimentos decorrentes do spamming? ¿Como julgar saudável que a comunidade internáutica pague as contas dos expedientes marketeiros dos spammers?

Para evitar esses aborrecimentos a julgadora em questão sugere a utilização de firewalls. Ora… firewalls são programas que se prestam para evitar invasões hackers e crackers em nossos computadores.

Para evitar o recebimento dos e-mails indesejáveis é necessária a adoção de filtros específicos para tanto.

Consignemos que o intrusivo “meio publicitário” de que se valem os spammers para lograrem seus objetivos tende a alcançar proporções que não só nos incomodarão muito mais como, ainda, aumentarão a gama dos riscos à privacidade problemas e prejuízos que já somos obrigados a suportar.

Os bíticos e abúlicos defensores do spam arriscam-se a nos dizer que não devemos nos preocupar com essa mala direta digital porque ela não é nenhuma ameaça à nossa privacidade ou à rede como um todo. Se não cedermos a seus argumentos, de pronto ripostarão: “¿Não lhe apraz spams? Então os apague ao recebê-los ou ative um filtre que impeça seu recebimento”.

Descaradamente nos sugerem isso por terem a inabalável consciência que somente essas são as alternativas tecnológicas que dispúnhamos para evitar o recebimento dos spams – que nos causam perda de Tempo e de dinheiro, além de nos causarem injustificados aborrecimentos derivados de suas indesejabilidade e inutilidade.

Quando do recebimento de um primeiro spam teremos que alterar as configurações do sistema de filtragem de nosso correio eletrônico para que, doravante, tal mensagem não mais seja recebida (ou melhor, lida), haja vista que o simples apagar ou o mero filtrar não solucionam o problema. E por diversas razões.

Pro primo porque, pelo menos em algum momento a memória RAM(2) de nosso disco rígido será vítima de um ataque por parte desses indesejáveis posseiros digitais, eis que para o processo da filtragem da não solicitada mensagem – e seu igualmente indesejável remetente – teremos que abri-la, copiar os detalhes que se prestarão para o critério de exclusão (normalmente o e-mail do remetente ou o assunto [subject] reportado), aplicar os filtros de nosso software de correio eletrônico e, finalmente, apagar o indesejável spam. Para uma coisa que os spammers dizem “não custar nada”, nos é imposto um bocado de trabalho… Considerando que não se trata de pugnar pelo não recebimento de um único e solitário spam, mas de centenas ou milhares de mensagens de spammers renitentes, constatamos que o trabalho e o conseqüente aborrecimento crescem na mesma proporção. Pois é… os nossos serviços são unilateral e impositivamente contratados pelos spammers – mas sem carteira profissional de trabalho assinada ¡e com a obrigação de arcarmos com o pagamento de nossos próprios salários e demais ônus de seu empreendimento!

Pro secundo, sempre o recipiente de nossas mensagens eletrônicas (seja o do provedor de acesso à Internet, seja o de um correio baseado) guardará os spams, haja vista que o filtro não impede o recebimento da mensagem. O filtro permite, isso sim, que o tenhamos em nossa lista de emails recebidos apenas os que desejamos receber, mas não evitam que as mensagens indesejáveis permaneçam em nosso computador ou em nosso correio baseado. Qual seja, os spams terão que ser recebidos e nós teremos o dispensável trabalho de, em algum momento, apagá-los.

Se abrirmos nosso software de correio instalado em nosso computador, as mensagens filtradas, por regra, não irão para a pasta LIXEIRA. Logo, terão que ser apagadas. Se abrirmos nosso correio baseado, as mensagens estarão guardadas em u’a pasta normalmente chamada EMAILS EM MASSA. Como verificamos, tanto num quanto noutro caso, a mensagem não solicitada terá que ser apagada em algum momento.

Pro tertio, consignemos que há um limite para as mensagens a serem filtradas, do mesmo modo que há um limite para as mensagens que recebemos. Haverá, pois, um momento em que ocorrerá a saturação e os novos spams não poderão ser “filtrados”. Aí atingiremos o no return point.

Nos correios baseados o problema será sentido com mais ênfase – e mais dramaticamente – haja vista que o número de emails que podem ser bloqueados é bem menor. Deve, também, ser ponderado que quanto maior for o número de filtros ativos, mais operações terão que ser realizadas por nosso computador para serem eliminadas as mensagens pré-selecionadas (filtradas), o que reduzirá seu desempenho e provocará um indesejável e inútil aumento temporal em nossas atividades.

Finalmente, o congestionamento que o spamming provoca afeta as comunicações (comerciais ou de negócios e amorosas ou de pesquisa) que têm vez na web, haja vista que mensagens não solicitadas enviadas aos milhões ocupam considerável espaço na banda de transmissão, causando, pois, um sensível prejuízo aos cidadãos/usuários da grande rede de computadores.

Concluindo, não poderíamos deixar de consignar que os spammers, lactu sensu, não assumem os custos de seus desatinos. Assemelham-se aos sorrateiros empreendedores que desejam dividir os prejuízos e concentrar os lucros. Apraz-lhes que suas despesas sejam por nós assumidas.

Todavia, os spammers não apenas levam nosso dinheiro como afetam o regular funcionamento da Web – o que é igualmente sério, pois os spams ocasionam um tráfego desnecessário e prejudicial para todos os usuários regulares da Internet. De acordo com as estatística mais otimistas no início do terceiro Milênio, um terço da banda de transmissão para a Internet (para acesso a websites ou correio eletrônico) era utilizado por spammers. As mais pessimistas tinham uma estimativa de 45% de utilização da banda de tráfego dos dados. Essa saturação levava a rede das redes ao colapso e justificava a indignação das vítimas dos spammers..

Para Vincent Cerf, o pai da Internet, o spamming “pode causar sérias interferências na operação dos serviços da Internet, isso sem se falar sobre os efeitos que isso pode causar num sistema de emails pessoais. (…) Os spammers, em verdade, estão sugando recursos da rede sem que seus usuários tenham quaisquer tipos de compensação – e sem a sua autorização” (3).

Ronald Coase, prêmio Nobel de Economia(4), muito antes do surgimento da Internet, ressaltou que é perigoso para o mercado todo negócio ineficiente, qual seja, aquele que assume os riscos de terceiros para a realização de suas propostas. O spammer, in casu, adequa-se às idéias do laureado economista, uma vez o distribui o risco de suas atividades para um número incontável de vítimas.

Nosso correio eletrônico é, antes de mais nada, pessoal. Como o nome indica, é nosso, é seu, é meu. Jamais será dos spammers. Por seqüência, qualquer invasão implica em algo prejudicial e atentatório à nossa intimidade. Isso porque o correio eletrônico não solicitado (comercial ou não) não se enquadra entre as nossas propostas de fruição da Internet, pelas quais pagamos – e das quais esperamos satisfações, não aborrecimentos.

Nosso endereço eletrônico é objeto de tutela legal no que diz respeito à nossa intimidade, recebendo o mesmo tratamento que é dado a domicílio por nossos diplomas legais. Entendemos que, mesmo em se considerando que o domicílio físico de uma pessoa possa estar consignado em outros meios (inclusive registros públicos), ninguém tem o direito de violar sua intimidade. Ninguém pode se aproveitar dessa direção, por mais que ela seja conhecida. O mesmo se aplica nesses etéreos mares da Internet. Violar nosso correio eletrônico se equipara a violar o nosso domicilio no ciberespaço.

Apesar de seus lídimos direitos, o autor da ação não logrou seu desideratum. Mas não esmoreçamos, vez que os erros do julgado serão, certamente, corrigidos pela Superior Instância.

São Paulo, 11 de janeiro de 2002

Notas de Rodapé

Spamming é a ação de enviar spams.

2 RAM (Random Acess Memory) é a memória principal do computador.

3 COALISATION AGAINST UNSOLICETED COMERCIAL EMAIL Ver no website disponível em http://www.cause.org/problrm.html.

4 Ronald Coase nasceu em Londres em 1910. Em 1932 graduou-se em economia pela London School of Economics, onde lecionou nos anos ’30 e ’40. É um dos fundadores da dita Nova Economia Institucional.

Suas principais obras: The Nature of the Firm (1937) e The Problem of Social Cost (1960). Sua proposta era simples: com os custos da oportunidade podemos solucionar os custos sociais por não necessitarmos de meios que equilibrem as tensões sociais existentes.

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