Jogo democrático

Juiz defende mudança na escolha para ministro do Supremo

Autor

11 de janeiro de 2002, 9h21

O noticiário recente envolvendo a crise da Argentina tem analisado – além da profunda insatisfação social com os representantes e com as múltiplas políticas econômicas implantadas por seus governantes – a falta de confiabilidade dos juízes que integram a Suprema Corte daquele país.

Acusações de parcialidade e de falta de legitimidade desses magistrados estão se tornando freqüentes, o que, para além da crise propriamente dita, coloca em relevo, num momento histórico singular para a maior parte das nações do planeta, uma questão até recentemente desconsiderada, qual seja a da relevância do papel político das denominadas cortes constitucionais, responsáveis pela preservação da eficácia e da autoridade das Constituições e que funcionam como verdadeiras assembléias constituintes permanentes, fixando a todo instante o real significado e o próprio conteúdo dos preceitos que fundamentam e integram os sistemas político e jurídico.

Muito se tem debatido, no Brasil, sobre a reforma do sistema político, com propostas diversas de modernização como a introdução do voto distrital misto e o financiamento público das campanhas eleitorais, mas nada, absolutamente nada, tem sido referido acerca do critério de seleção dos ministros que integram a Suprema Corte do país, cujas atribuições, como demonstrado, ostentam relevância singular no processo de consolidação do Estado Democrático de Direito.

Não por outra razão, aliás, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, vem tentando convocar a atenção da sociedade para a necessidade de revisão dos critérios previstos para a seleção dos ministros do Supremo Tribunal Federal, havendo, inclusive, notícia recente de campanha a ser deflagrada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil, com o objetivo de sensibilizar a opinião pública para essa relevante questão.

A crescente politização da Justiça ou judicialização da política, não no sentido da partidarização dos juízes e tribunais, mas no da transferência de muitos dos embates políticos da arena parlamentar para a esfera judiciária — embora não constitua novidade entre nós, em razão de estudos recentes realizados por sociólogos e cientistas políticos e da própria realidade vivida pela Suprema Corte, perante a qual estão sendo propostas diuturnamente múltiplas ações políticas de controle de constitucionalidade –, tem sinalizado pela necessidade urgente de redefinição do modelo atual de seleção dos membros do STF, de tal sorte que possuam o maior grau de legitimidade possível.

Afinal, se os árbitros últimos do confronto político apresentarem déficits de legitimidade insuperáveis, todo processo político submetido a seu julgamento restará viciado, com graves danos à democracia e aos valores nela encerrados.

Na atual quadra histórica vivida pela sociedade brasileira, não mais parece suficiente o critério da legitimação indireta dos ministros do STF, inferida da própria legitimidade adquirida no processo eleitoral pelo Presidente da República, responsável pela indicação dos nomes que devem compor aquele tribunal, com a participação do Senado Federal em processos meramente formais de sabatina, cuja ineficácia tem sido reiteradamente denunciada por seus próprios membros.

O sistema da tripartição formal do Poder, embora essencialmente único, foi concebido pela genialidade de Montesquieu, que sustentava na introdução a essa teoria que não existiria liberdade se o Poder Judiciário estivesse unido a qualquer das outras faces do poder. “Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador; se unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor”, concluindo que “Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou a mesma corporação dos principais, dos nobres ou do povo exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as desavenças dos particulares.” Afinal, dizia Montesquieu, “É eterna experiência o ato de ser levado a abusar do poder todo homem que o tem; ele o faz até encontrar limites. Quem o diria! A própria virtude precisa de limites.”

O modelo de freios e contrapesos, de equilíbrio entre os poderes do Estado, idealmente harmônicos e independentes, reclama e impõe a fragmentação racional de suas competências, de modo que não existam riscos para o regular cumprimento dos programas políticos, sociais e econômicos, definidos no Texto Constitucional.

O significativo aumento da complexidade das sociedades democráticas, entre as quais a brasileira, em função dos mais variados aspectos políticos, econômicos, culturais, científicos etc, reclama a busca permanente do equilíbrio entre os poderes do Estado, com as redefinições institucionais a tanto necessárias. Urge, por isso, que sejam positivados novos critérios de seleção dos ministros do STF, compatíveis com a elevada dignidade institucional conferida àquela corte e com a participação de diversos setores da sociedade, o que representaria não apenas a tentativa de manutenção do equilíbrio do jogo democrático, mas a garantia de preservação do próprio Estado Democrático de Direito.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!