Juizados criminais

Prisão em flagrante será proibida para mais de 100 crimes

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10 de janeiro de 2002, 14h44

A partir da zero hora deste próximo domingo (13/1) mais de cem delitos deixarão de admitir a prisão em flagrante porque passam a constituir infrações de menor potencial ofensivo. Nesta data entra em vigor a Lei 10.259/01, que criou os juizados criminais federais e ampliou o limite das infrações de menor gravidade para dois anos.

Esse novo patamar, por força do princípio da igualdade e da proporcionalidade (e ainda conforme fundamentado detalhadamente no nosso site www.estudoscriminais.com.br a partir de 11/1) estende-se aos juizados estaduais e do distrito federal, que até agora somente cuidavam de infrações punidas com pena até um ano de prisão.

Em razão dessa importante mudança legal, crimes como porte ilícito de drogas para uso próprio, porte ilegal de arma de fogo, desacato, assédio sexual, lesão corporal no trânsito etc. (cf. Veja de 09.01.02, p. 24) não mais permitirão a prisão em flagrante e tampouco a autoridade policial poderá instaurar inquérito policial. Em conseqüência da lei nova, o que se lavra é apenas um termo circunstanciado, que nada mais é que um boletim de ocorrência minuciosamente elaborado. A competência para julgar esses crimes, que era da Justiça comum, está passando para os juizados criminais.

No caso de alguém ser surpreendido praticando um delito (por exemplo: posse de drogas para uso próprio, porte ilegal de arma de fogo etc.), será devidamente capturado e levado à repartição policial, para as providências legais cabíveis, porém, já não irá para o cárcere, ao contrário, deve ser liberado tão logo termine a lavratura do citado termo circunstanciado. Se a autoridade policial contar com autorização dos juizados, nada impede que já faça a intimação de todos os presentes para a data da audiência em juízo.

Embora liberado, isso não significa que o autor do fato não tenha que sofrer nenhuma conseqüência jurídica. Chegando o termo circunstanciado nos juizados criminais, o juiz marca audiência preliminar de conciliação, que tem dupla finalidade: tentar acordo sobre eventual indenização em favor da vítima do delito (no caso de lesão corporal no trânsito, por exemplo) e proceder à transação penal, que culmina com a aplicação de uma pena alternativa (prestação de serviços à comunidade, pagamento de cestas básicas, pagamento de multa etc.).

O apontado autor do fato não é obrigado a fazer nenhum desses acordos (civil ou penal), que dependem de sua anuência. Caso não admita nenhuma culpa, isto é, se ele se julga inocente, não aceitará nenhum tipo de conciliação e então o Promotor, se entender o caso, poderá dar início a um processo criminal, apresentando, na audiência, denúncia oral. O autor do fato terá direito de apresentar defesa, o procedimento será o sumaríssimo (todos os atos processuais são concentrados) e no final o juiz decidirá (pode condenar ou absolver).

Os juizados criminais surgiram no Brasil no ano de 1995, por força da Lei 9.099/95. Com a nova lei (Lei 10.259/01) sua competência está sendo ampliada. Não se trata de um acréscimo insignificante, mesmo porque esta última lei não ressalvou os casos de procedimentos especiais. Conclusão: crimes até dois anos, com ou sem procedimento especial, passam a admitir a transação penal, se presentes todos os seus requisitos legais.

O modelo de Justiça que se pratica nos juizados criminais é muito mais célere que o tradicional e, ademais, respeita os direitos das vítimas do delito, que, em geral, quando há acordo, recebem indenização na própria audiência preliminar. Os juizados criminais, de outro lado, são tidos como a salvação da Justiça criminal brasileira porque desafogaram os juízos e tribunais. Em conseqüência disso diminuíram muito os casos de prescrição e liberaram a Justiça tradicional para cuidar com mais eficiência dos crimes graves, que realmente perturbam o convívio social.

Outra virtude que assinalam aos juizados consiste na não aplicação da pena de prisão. Aliás, nasceram justamente para se evitar o encarceramento de infratores que praticaram (ou venham a praticar) crimes de menor gravidade. Com as novas Varas Especializadas ou Centrais de Apoio às penas alternativas melhorou consideravelmente o problema da fiscalização e execução dessas penas, que está se tornando cada vez mais certa.

Como se vê, a ampliação da competência dos juizados criminais é muito positiva, mas é preciso recordar que esse novo modelo de Justiça, chamado “consensual”, também conta com uma série de garantias que devem ser rigorosamente respeitadas (garantia de assistência jurídica, constatação de que o fato é efetivamente criminoso etc.), sob pena de sua total desmoralização e deslegitimação.

Por outro lado, é de se esperar que cada Estado cuide do aprimoramento das (ainda precárias) estruturas dos juizados criminais para que, com o novo volume de casos, não venham a perder a sua celeridade, informalidade e rapidez na solução dos litígios. E que o Estado de São Paulo, o único na Federação que ainda absurdamente não conta com tais juizados, não só aproveite a ocasião para institui-los como também incorpore tudo que há de positivo em outras experiências no país. A lista completa de todas as infrações penais punidas com penas até dois anos estará no site www.estudoscriminais.com.br (a partir de 11/1).

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  • Brave

    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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