MP apela

MP pede a FHC veto pra projeto que institui nova lei antidrogas

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7 de janeiro de 2002, 19h52

O Projeto de Lei nº 1.873/91, que institui uma nova lei antidrogas no Brasil apresenta diversas inconstitucionalidades e irá favorecer os traficantes. A afirmação é da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), ao divulgar manifesto contra a sanção do projeto.

Nesta terça-feira (8/1), representantes da Conamp devem se reunir com a assessoria jurídica do presidente da República para discutir o assunto. Na ocasião, será entregue um documento de 13 páginas que pede o veto integral do Projeto de Lei.

De acordo com a Associação, se a proposta for sancionada, “o Brasil se tornará atrativo aos cartéis internacionais, em razão do abrandamento excessivo das punições”. “É evidente, portanto, que o texto é contrário ao interesse social e ao propósito do governo, que é o de imprimir maior rigor na punição do crime de tráfico”, afirma a entidade.

Veja a íntegra do manifesto

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, entidade de classe que congrega os membros do Ministério Público de todo o País, examinando o projeto de Lei de Entorpecentes, que se acha pendente de sanção ou veto pelo Senhor Presidente da República, manifesta sua preocupação com os termos da proposição aprovada pelo Congresso, dela destacando os seguintes pontos:

1 – Ao contrário do que vem sendo divulgado, a legislação atual já distingue, de forma muito clara, o traficante da figura do usuário, prevendo tratamento completamente diverso para um e outro. Pelo sistema vigente, o usuário já tem direito às penas alternativas (não prisão), com tratamento médico para os dependentes (art. 44 do CP e art. 29 da Lei 6.368/76). Além disso, em relação aos traficantes a pena é de três a quinze anos de reclusão, em regime integralmente fechado, enquanto para o usuário é de seis meses a dois anos de detenção, com substituição por pena restritiva de direito (não prisão).

2 – A nova lei, diferentemente da atual, favorecerá os traficantes porque revogará dispositivos da lei dos crimes hediondos, permitindo a progressão de regime; admitindo a concessão de liberdade provisória independentemente de fiança e o indulto; não prevendo a possibilidade de decretação da prisão preventiva de traficantes por conveniência da instrução criminal, mesmo os que, por exemplo, ameaçarem testemunhas; deixando de punir, a título de crime de bando ou quadrilha, aqueles que deles participarem e exigindo um mínimo de três integrantes, quando a legislação atual exige apenas dois.

Essas medidas, além do tratamento muito mais benéfico a infratores que vierem a cometer o delito após a entrada em vigor da nova lei, alcançariam criminosos já condenados, implicando a imediata libertação de milhares de traficantes. Sancionada a lei, o Brasil tornar-se-ia atrativo aos cartéis internacionais, em razão do abrandamento excessivo das punições. É evidente, portanto, que o texto é contrário ao interesse social e ao propósito do Governo Federal, que é o de imprimir maior rigor na punição do crime de tráfico.

A tendência pelo abrandamento vai muito além, reduzindo a pena para o crime de lavagem de dinheiro proveniente de tráfico, que hoje é de 03 a 10 anos, para 02 a 08. Será, por evidente, mais um “convite” aos cartéis internacionais.

3 – A nova lei é mal elaborada, contendo expressões inadequadas, confusas e até contraditórias, permitindo interpretação dúbia e apresentando diversas inconstitucionalidades em seu texto. Sancionada, acarretaria imensa polêmica jurisprudencial, assim favorecendo a impunidade.

A servir de exemplo de tais imprecisões e incoerências, está a possibilidade de o próprio defensor do traficante requerer ao juiz o arquivamento do inquérito; a possibilidade de suspensão do inquérito sem previsão de tempo e condições; a ausência de previsão de pena para o usuário, impossibilitando a conversão caso descumpridas as condições impostas na sentença; a instauração de incidente de dependência pela autoridade policial, de ofício, com possibilidade de impedir o processo e, por conseqüência, a medida de segurança; ausência de previsão de prazo para as medidas alternativas, entre outros.

4 – Abrandando ainda mais o tratamento ao traficante, é criada uma circunstância especial de diminuição da pena de 1/3, reduzindo a pena mínima para 2 anos (atualmente o mínimo é de 3 anos). É, assim, criada a possibilidade de redução da pena sem que o legislador defina, de forma clara, os critérios que a autorizam.

5 – A possibilidade de suspensão do processo, hoje limitada, na regra geral, aos criminosos citados por edital, é alterada para alcançar também os casos de citação pessoal e até meros desatendimentos a notificações. Com isso, o criminoso poderá forçar a suspensão de seu processo quando bem lhe aprouver e quantas vezes desejar, bastando que não compareça em juízo.

6 – A nova lei confere ao perito o poder de definir, em razão da quantidade da substância, se a hipótese é de tráfico ou de porte para uso próprio, o que, além de inconstitucional, retira a discricionariedade do Ministério Público e do próprio julgador.

7 – A relação de substâncias entorpecentes, hoje estabelecida através de portaria do Ministério da Saúde, ficará vinculada à lei ou a tratado internacional, com imenso prejuízo à punição em caso de novas substâncias que surgirem no mercado ilícito, que só serão alcançadas após custoso processo legislativo.

8 – Assim sendo, o projeto aprovado pelo Congresso Nacional, especialmente ao revogar a lei dos crimes hediondos, trará profundo abrandamento em relação à punição de traficantes, em detrimento do interesse social e até governamental, bem como acarretará um sem número de transtornos pelos seus equívocos e impropriedades. Diante de tudo isso, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, por seus membros, em defesa da ordem jurídica e do sistema democrático, conclama ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República a VETAR INTEGRALMENTE o projeto.

Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2002

Marfan Martins Vieira

Presidente da Conamp

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