Cipó de aroeira

STF suspende dívidas do Rio com a União por causa do racionamento

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4 de janeiro de 2002, 9h53

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, determinou que os prejuízos do Estado do Rio de Janeiro, com a queda de arrecadação do ICMS, sejam compensados nas parcelas mensais da dívida estadual com o governo federal.

A decisão liminar, cogitada nesta sexta-feira (4/1) pela jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, foi adotada em Ação Cautelar Incidental, apresentada sobre Ação Indenizatória (615-3) ajuizada em junho de 2001. A compensação do prejuízo fora solicitada antes, mas com um instrumento inadequado (Tutela Antecipada), que foi rejeitado pelo STF. Corrigido o aspecto técnico, o pedido foi atendido.

O resultado prático é que a amortização da dívida fluminense terá abatimento até o limite de 80%. O ministro estabeleceu que a parcela de pelo menos 20% deve ser paga. A dívida mensal do Estado do Rio com a União está em torno de R$ 110 milhões.

O governo federal já anunciou que recorrerá (Leia a entrevista do advogado-geral da União). Segundo Gilmar Mendes, “a questão foi resolvida quando se declarou a constitucionalidade do Plano”, afirma ele, frisando que o próprio Supremo já estabeleceu que “não se admite responsabilidade civil em face de fato legislativo lícito”.

Para o presidente do STF, voto vencido quando a maioria do plenário declarou a constitucionalidade das medidas do racionamento, sua decisão não é incompatível com a deliberação da Casa. “Houve dano e há a responsabilidade pelo dano provocado”, afirma, frisando que os administradores estaduais foram surpreendidos e prejudicados por um fato a que eles não deram causa.

A negligência do governo se evidencia a partir das advertências feitas já em 1984, pelo ex-vice-presidente da República, Aureliano Chaves e das manifestações de Fernando Henrique Cardoso que, em sua campanha presidencial demonstrou saber do risco do apagão, mas não tomou as medidas necessárias.

A compensação pelos prejuízos definida pelo presidente do STF, deve ser feita a partir da data de ingresso da ação original, em junho de 2001. “Assento mais”, afirmou o ministro Marco Aurélio em seu despacho, “que, se procedente o pedido formulado na citada ação, os valores abatidos serão alvo de dedução e, se improcedente, comporão o refinanciamento previsto nos referidos contratos”.

Em seu despacho, Marco Aurélio invoca a negligência e a responsabilidade do governo federal sobre os prejuízos enfrentados pelos Estados com o programa de racionamento.

Leia a íntegra da decisão de Marco Aurélio

AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL A AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA N. 615-3 – RIO DE JANEIRO

RELATOR POR PREVENÇÃO: MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA

Autor: Estado do Rio de Janeiro

Ré: União

Decisão

Crise Energética – “Apagão” – Receita Tributária do Estado – Queda – Dívida Consolidada – Amortização – Suspensão.

1. O Estado do Rio de Janeiro, mediante peça subscrita pelo Procurador Feral – Dr. Francesco Conte, ajuíza ação cautelar incidental à cível originária n. 615-3, sob a relatoria do Ministro Néri da Silveira, formulando pedido de liminar de “suspensão e posterior redução do pagamento mensal feito pelo Estado do rio de janeiro à União Federal, por conta do serviço de obrigações de refinanciamento de dívidas…” item 43 da inicial.

Em síntese, tece as seguintes considerações;

a) em meados de junho de 2001, ajuizou ação contra a União, ante as perdas tributárias decorrentes da crise de energia elétrica e do programa de racionamento implantado;

b) a União não impugnou os fatos narrados e que se fizeram ligados à queda abrupta e continua na arrecadação do ICMS;

c) com a citada Ação Originária de n. 615-3 buscou-se obter o reconhecimento do direito à indenização pelos danos sofridos, formulando-se pedido de tutela antecipada, alfim indeferido pelo Relator, sob a óptica do descompasso com o objeto da lide, sendo desprovido, pela mesma razão, o agravo protocolizado;

d) no julgamento verificado, não se adentrou o mérito do pleito, ficando-se simplesmente no âmbito processual;

e) a manutenção do quadro alcança os serviços públicos essenciais, deixando o Estado de contar com o numerário suficiente ao pagamento dos servidores públicos e dos fornecedores, com os quais encontra-se atualmente em atraso, e, até mesmo à liquidação dos precatórios;

f) a União, via atos comissivos e omissivos, teria provocado o desequilíbrios dos contratos de financiamento firmados, impondo-se a interferência do Judiciário, para viabilizar a atuação político-administrativa do Estado, cobrada com ênfase maior diante da necessidade do implemento de obras de infra-estrutura em região na qual ocorreram enchentes e deslizamentos nos últimos dias do ano;

g) com a procedência do pedido de indenização formulado na demanda principal, os valores relativos à dívida consolidada que deixarem de ser satisfeitos repercutirão na liquidação do acórdão que vier a ser proferido;

h) ainda que julgado improcedente o pedido indenizatório, a concessão de medida acauteladora não implicará prejuízo inafastável, tendo em conta a existência de cláusula nos contratos, prevendo o refinanciamento de possível saldo devedor.

2. A providencia cautelar é ínsita à jurisdição, estando contemplada na abrangente garantia constitucional do livre acesso ao Judiciário, para afastar lesão ou ameaça de lesão a direito – inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal. Atende à isonômico das partes e, acima de tudo, à eficácia da decisão a ser prolatada no processo que se diz principal. Requer a plausibilidade do pedido e quadro revelador de risco, uma vez mantidos os parâmetros reinantes.

Na espécie dos autos, é fato notório a repercussão havida, considerada a crise energética. O país, após longo período de ênfase maior dos problemas econômico-financeiros, após política voltada, a todo custo, ao combate à inflação, verificando-se, por isso mesmo, o abandono do contínuo desenvolvimento, foi surpreendido pela crise energética. Da noite para o dia, viram-se os brasileiros às voltas com a ameaça do “apagão”, situando-se as medidas adotadas, no entanto, na área do racionamento. Ao que tudo indica, a sinalização notada há alguns anos, as previsões e advertências técnicas não desaguaram em providências efetivas, deixando-se de investir no setor. A opção política-governamental acarretou sacrifícios, projetando-se, no tempo, a retomada do desenvolvimento. A crise mostrou-se em geral, impondo-se economia equiparável à de guerra.

Pois bem, incumbindo à União aos cuidados com o setor energético, forçoso é concluir pela relevância do que articulado, pelo autor – Estado do Rio de Janeiro, relativamente à negligência e, portanto, à definição da responsabilidade. Aliás, é tempo de buscá-la, porquanto inerente aos novos ares, à indispensável conscientização dos administradores, à vida organizada, à segurança jurídica. Se alguém claudicou na arte de proceder, se é possível cogitar de ato omissivo, iniludivelmente, a definição subjetiva, a definição da autoria direciona à órbita federal.

A queda da receita decorrente de tributos, notada e sofrida pelos Estados federados, não teve origem nas respectivas administrações, mas sim, ao que tudo indica, na da União. Deduz-se, dessa forma, ao menos neste exame preliminar, que, por ato da União, os contratos de financiamento firmados sofreram, na equação que os ditou, desequilíbrio.

O Estado do Rio de Janeiro, no que se comprometeu a satisfazer, mês a mês, parcelas, teve presente não só um certo nível de arrecadação, como também a ordem natural das coisas, ou seja, o crescimento do aporte dos recursos. Foi surpreendido com as medidas de racionamento e comercialização de mercadorias, a manutenção e incremento da prestação de serviços que servem à incidência do ICMS. Arque, então, a União com o que, até aqui e nesta visão primeira, transparece simples conseqüência da política adotada!

3. Defiro a medida acauteladora, fazendo-o em extensão aquém de pleiteada. Descabe suspender, de pronto, as amortizações. A esta altura, suficiente é considerar a utilidade e necessidade de concertarem-se os contratos de financiamento referidos no item 40 da inicial, sem que isso resulte no total afastamento das parcelas neles previstas. Limito esta medida ã consideração dos prejuízos sofridos pelo Estado do Rio de Janeiro em virtude da queda da receita verificada, a partir da data em que ajuizada a ação cível originária – junho de 2001 – até 80% (oitenta por cento) do valor da parcela mensal a ser satisfeita, por contrato. Assento mais, que, se procedente o pedido formulado na citada ação, os valores abatidos serão alvo de dedução e, se improcedente, comporão o refinanciamento previsto nos referidos contratos.

4. Cite-se a União, para, querendo, contestar.

5. Publique-se.

Rio de Janeiro, 03 de janeiro de 2002.

Ministro Marco Aurélio

Presidente

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