Operações na Web

Bancos devem indenizar se houver falhas em transações virtuais

Autor

  • Reinaldo de Almeida Fernandes

    é advogado e analista de sistemas em Florianópolis sócio de R. A. Fernandes Scheidt Cardoso Advocacia e Consultoria MBA em Direito Econômico Empresarial assessor jurídico da BRy Tecnologia.

4 de janeiro de 2002, 14h43

A lista de bancos que disponibilizam serviços na Internet aumenta cada vez mais. Não são poucas as previsões que se ouve com relação ao fim das agências de rua (high-street bank), principalmente quando se reduz o horário de atendimento das agências ou se faz seu remanejamento para melhor aproveitar a luz do dia, reduz-se o funcionamento dos caixas eletrônicos em benefício da segurança pessoal dos clientes, avulta a importância desse serviço.

Ao mesmo tempo, em face da redução de custos operacionais decorrentes de atendimento pela Internet, não são poucas as instituições do mercado internacional que oferecem taxas de remuneração superiores (ou taxas de serviços inferiores) para os clientes que se valem de seus serviços Web 24 horas, por exemplo, para transferência eletrônica de fundos entre contas ou resgate de aplicações.

Há algum tempo as pessoas preferiam mudar de casa a terem que trocar de banco. Hoje a dinâmica do mercado impõe às instituições financeiras que operam na Web um rígido controle do nível de serviço porque qualquer minuto em que seus sistemas se encontrem fora do ar pode representar perda de clientes ou milhares de transações não processadas.

Para regular as transações bancárias eletrônicas, via de regra, as instituições financeiras apresentam a seus clientes um Contrato de Nível de Serviços (Service Level Agreement – SLA) no qual, dentre outras previsões, fica estabelecido o padrão de disponibilidade dos serviços apresentados na Internet, bem como as garantias de efetividade, privacidade, segurança e sigilo nas transações efetuadas.

O setor bancário lidera o caminho tecnológico e, com freqüência, determina os padrões de excelência nessa área. Por isso, definir índices mensuráveis para seus Contratos de Nível de Serviço, atendendo os requisitos de típicos contratos de adesão apresentados a seus clientes, permitir-lhe-á servir como exemplo, novamente, às demais áreas do mercado que se interessem pelas transações eletrônicas através da Internet.

Cabe-nos, assim, no estreito escopo do presente, proceder à análise superficial de alguns contratos de nível de serviço que instituições financeiras apresentam a seus clientes de e-banking na Internet, sob o ponto de vista de Contratos de Consumo que são, sujeitos, portanto, à aplicação do CDC.

Sem dúvida, como se colhe da imprensa nacional nos últimos tempos, o tema mais candente com relação aos serviços bancários e transações financeiras realizadas pela Internet, relaciona-se às fraudes e “crimes informáticos”. Não é esse o ponto que nos interessa no presente; o que se busca avaliar, enquanto relação de consumo de serviços bancários, é o estado da arte (jurídica), se é que assim podemos qualificar, dos Contratos de Nível de Serviço de e-banking.

O Mercado do e-banking

O Banco Itaú, conforme declarações de seu diretor-gerente de canais eletrônicos, Osvaldo do Nascimento durante o CIAB 2001 (in www.computerworld.com.br, Ed. 344. 20.06.2001), investe de 15% a 20% do orçamento anual de R$ 400 milhões para Tecnologia de Informação, em iniciativas de Internet, salientando que a rigidez dos processos bancários – aprovação de contas-correntes, por exemplo – não combina com a agilidade da Internet.

O Citibank, por seu lado, investiu US$ 2,5 milhões, em 10 meses e envolveu uma equipe de 100 pessoas, para disponibilizar pela Internet um portal para contratação, 100% on-line, de 6 diferentes tipos de seguros (vida, automóvel, residência, citicard, viagens e capitalização), e com relação a outras quatro modalidades permite a simulação. Agrega-se a tal estrutura um call center e, nos próximos dias, um serviço de chat para que os clientes e interessados possam tirar suas dúvidas on-line.

Nelson Marchini, CIO do Citibank (Computerworld, idem), garante que o banco está incorporando a Web transacional a seus serviços e oferecendo quase todas as atividades do ambiente físico. Relata, ainda, que o banco, que não declara um perfil de varejo, possui 68,1 mil clientes cadastrados e utilizando ativamente seus serviços WEB.

No HSBC, por exemplo, estão ativos e adotam com freqüência a Web para executar suas transações bancárias 260 mil clientes pessoa física e 36 mil clientes pessoa jurídica.

Luis Eduardo Machado, CIO do Banespa (CW, idem), salienta que a Web é um canal de distribuição extremamente flexível, de baixo custo e fácil acesso.

Estudos da Ernst & Young demonstram que em agosto de 2000, segundo dados da FEBRABAN, o custo de uma transação pela Web é de R$ 0,10, enquanto num caixa eletrônico o custo da mesma transação nunca é inferior a R$ 0,20. Ainda é de se registrar que uma transação por telefone é 5 vezes mais cara que uma transação pela Internet e na agência essa relação passa para um custo 10 vezes maior do que na Web.


O BankBoston, segundo seu diretor de Internet, Luis Fernando Scheliga, já conquistou para seu Website 25% dos correntistas, sendo que, dos 45 mil usuários do site, 80% fazem mais de 50% de seus negócios e transações com o banco pela Web.

Edson Fregni, vice-presidente executivo de e-commerce do ABN/Amro, aposta que até o final de 2001 um total de 500 mil usuários seja conquistado pelo canal virtual do banco, que oferta todos seus serviços por esse meio.

Em consonância, o CIO do ABN, Carlos Eduardo Correa da Fonseca, garante que nessa área o importante é o estabelecimento de um relacionamento de qualidade com os correntistas. Relata ainda, que o banco possui, dentre seus clientes pessoa jurídica, por volta de 30 mil empresas utilizando-se da Web.

Segundo pesquisa da Febraban, em junho de 2000, os serviços informatizados respondiam por 74,7 % das transações, enquanto as operações realizadas por meio telefônico ou mediante atendimento de funcionários nas agências representavam apenas 25,3%.

O crescimento dessas operações no âmbito das instituições bancárias no Brasil tem sido vertiginoso, como se vê a seguir:

Transações automatizadas (em bilhões)

1998 7,7

1999 9,3

2000 12,2

Transações por funcionários (em bilhões)

1998 5,08

1999 4,5

20004,1

Clientes PF utilizando Web (em milhões)

1998 2,6

1999 4,3

2000 6,8

Clientes PJ utilizando Web (em milhões)

1998 0,5

1999 0,6

2000 1,5

Certamente, como lembra David Lipschultz (Valor Econômico, 29.03.2001 – Empresas e Tecnologia), esses números são impressionantes, pois tecnologia avançada, geralmente, não é associada com o Brasil, aonde apenas 4% dos 171 milhões de habitantes consegue ter acesso à Internet, o que comparado aos 50% da população dos EUA é praticamente zero.

Ainda assim, os bancos brasileiros são modelos de tecnologia em todo o mundo, historicamente tal situação se deve ao fato de que foram premidos, por um bom tempo, pela inflação absurda que dominou o país; nos anos logo após o milagre econômico essas instituições avançaram muito em relação a seus congêneres internacionais; sob este aspecto, por muitos anos tiveram ampla liberdade de ação para implantar alternativas tecnológicas que ajudassem a reduzir o impacto inflacionário na economia popular; em contrapartida, os EUA só recentemente sentiu o relaxamento das amarras operacionais bancárias que eram impostas às instituições financeiras desde a Lei Glass-Steagall, surgida à época da Grande Depressão dos anos 30.

Candido Leonelli, responsável pela área de Internet banking do Bradesco justifica que a construção das facilidades de e-banking não se deveu à vontade de seguir o que estava na moda, mas para gerar e agregar valor aos ativos dos clientes, e, por conseqüência, também aos do banco.

Certamente essa condição explica porque no Itaú 25% dos clientes utiliza serviços Web, enquanto que no Wells Fargo e Bank of America, líderes em on-line banking nos Estados Unidos, esse número não alcança os 15% da clientela.

Os serviços financeiros pela Web, ao contrário da “bolha” que se formou com as empresas pontocom, e que já estourou, tendem a crescer bastante, e em bases sólidas, a curto prazo, de forma que hoje, no rastro de desastres que levaram as ações da Amazon.com, por exemplo, a desabarem de US$ 119 per share em novembro de 1999 para US$ 17 em dezembro 2000, os alunos de respeitadas escolas de negócios, como a Columbia University, passaram a interpretar “B2B” como “back-to-banking”.

Começam a surgir, em adição às aplicações Web tradicionais, os serviços de m-banking, m-cash e m-payment (“m” de “mobile”), voltados para os terminais de telefonia celular e PDAs, que brevemente deverão ver solucionadas as dificuldades operacionais hoje enfrentadas por esses dispositivos e poderão passar a atender uma vasta gama de usuários e clientes bancários de significativo padrão econômico.

Essa situação de mercado interessa-nos enquanto análise dos instrumentos de informação e orientação, além da proteção ao consumidor de serviços bancários. Cumpre, neste ponto, reiterar que não são os contratos bancários, alguns deles sujeitos à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, o objeto do presente, mas o instrumento que regula as relações e os compromissos de níveis de serviço entre um banco e seu cliente quando este se utiliza da Internet para a realizar suas transações bancárias, os SLAs, como referido ao início.

Os Contratos de Níveis de Serviço do e-banking

Pacífico que o banco e seu cliente, usuário dos serviços de e-banking, encontram-se diante de uma relação na qual interagem nos papéis de fornecedor de serviços bancários e de seu consumidor final.


Se o Estatuto Consumerista pode ser afastado quando se trata de determinados contratos bancários (como no caso dos descontos de títulos que se referem a relações de crédito de segundo nível, aonde um crédito comercial se transmuda em crédito bancário), na utilização de home banking ou Internet banking o CDC aplica-se em sua plenitude.

À primeira vista, quem acessa os termos e condições de fornecimento de serviços de e-banking disponibilizados no Brasil tem a sensação de se encontrar diante daquelas placas afixadas nos estacionamentos de supermercados ou shopping centers, que avisam não existir qualquer responsabilidade do estabelecimento que oferece essa facilidade por eventuais danos causados aos veículos ou pelo furto de objetos deixados em seu interior. A inocuidade jurídica de tais instrumentos exoneratórios é manifesta.

Esses Contratos de Nível de Serviço, típicos contratos de adesão, estruturam-se, independente da instituição financeira verificada, em quatro módulos básicos, a saber: a) privacidade das informações trafegadas; b) segurança das operações realizadas; c) serviços disponíveis e condições de uso; e d) uso de informações pessoais sobre o cliente. Passamos a analisar perfunctoriamente cada um desses módulos usualmente encontráveis nas condições de uso de serviços e-banking.

Sem muitas diferenças de banco para banco, geralmente as páginas de e-banking têm início com informações equivalentes a:

“Ao acessar este site você estará concordando plenamente com as regras, termos e condições a seguir estabelecidas. Se não concordar não acesse este site e nenhuma das páginas a ele relativas.”

A seguir são traçadas as regras gerais quanto a direitos autorais de uso do site e das informações nele contidas, a existência de marcas protegidas, a disponibilidade dos serviços “as it is” (como se encontram), e a inexistência de qualquer garantia quanto à exatidão dos dados e informações exibidos ou tratados.

Segue-se a cláusula de limitação de responsabilidade que, em todo e qualquer caso, é de expressa inexistência de qualquer responsabilidade por parte da instituição financeira. Ora, essa ressalva é um paradoxo, pois se o banco investiu recursos de monta para criar um site que fosse atrativo e eficaz, e assim conseguiu cativar o cliente até este ponto, então deve se considerar “eternamente responsável” por aquilo que cativou o cliente e valorizar o investimento efetuado nessa plataforma.

Se inexiste a possibilidade de garantir ao cliente que ele terá uma operação produtiva e conseguirá realizar seus objetivos, responsabilizando-se pelos “riscos que razoavelmente dele se esperam”, assim “considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição” desse serviço, como dispõem os art. 8º e 14, §1º, II, do CDC, então é melhor não disponibilizar nada on-line e, apenas mostrando dados institucionais, mandar o cliente direto para a fila da agência.

A Privacidade e Segurança das Informações nas Transações

Quando se trata de privacidade é conveniente que se determine que há naturezas diversas de informações que trafegam numa transação de e-banking, aquelas que se referem às operações realizadas e as que se prendem a informações pessoais do cliente.

É público e notório que não existe aparato técnico que permita garantir 100% de inviolabilidade e segurança às informações que trafegam pela rede. Se alguém conseguiu construir um algoritmo de criptografia que tenta preservar o acesso não autorizado a tais informações, com certeza alguém conseguirá quebrar tais chaves criptográficas, é apenas questão de conhecimento técnico, tempo e, principalmente, vontade.

Nesse caso o banco tem uma obrigação de meios, e o risco de alguma captura não-autorizada de dados é perfeitamente previsível em decorrência da natureza do serviço e de sua fruição.

As “promessas” ou “compromissos” de privacidade estão presentes em todos os sites de e-banking, quase sempre partindo de uma proposta mercadológica que busca inculcar no cliente a necessária confiança para que ele venha a realizar as transações e operações oferecidas, pelo banco, no ambiente Web.

Certamente faz-se necessário estabelecer um padrão de confiança entre as partes dessa relação de serviços. Para o cliente é um ganho de tempo e de deslocamento físico que pode significar uma “economia” razoável ao fim de um determinado período; para o banco, o simples fato de poder verificar a consistência das informações remetidas e a suficiência de recursos do cliente, em tempo real, sem que com isso tenha que arcar com despesas de pessoal e instalações de agência, também representa um ganho significativo, tanto sob o aspecto de otimização operacional quanto sob o prisma de custo da operação.


A segurança das operações realizadas pelo site, explica a maior parte desses Contratos de Nível de Serviços, é “garantida” por meio de “criptografia padrão da Internet” (SSL) e do uso de senhas; alguns bancos utilizam “frases secretas” ou recomendam o uso de senhas alfanuméricas, sugerindo ao cliente que verifique se, ao realizar a operação, aparece um ícone na forma de um “cadeado” na página que estiver suportando a transação no momento.

Alguns desses Contratos de Nível de Serviço, especialmente os “importados” por bancos que têm sua origem e centro de decisões e padrões jurídicos no exterior, parecem ter sido traduzidos para o português por um programa de tradução automática, pois apresentam frases e dispositivos contratuais sem o menor nexo e ainda repletas de erros de concordância.

Em um dos contratos de nível de serviço e-banking de banco com origem no exterior pode-se encontrar a seguinte pérola do vernáculo:

” XXXXX (o banco) não estará sujeito às quaisquer obrigações de confidencialidade com relação à informação submetida, exceto quando acordado pela entidade XXXXXX que tem um relacionamento direto com cliente ou então conforme especificamente concordados contrário ou exigido por lei.”

Não é exatamente o que se possa denominar de “informação adequada e clara” ao consumidor, como preceitua o art. 6º, II, do CDC.

Certamente o que o banco economizou ao não contratar um profissional capacitado para fazer a tradução desse Contrato de Nível de Serviços para seu e-banking, não compensa o risco da informação incorreta que apresenta a seus usuários de internet-banking.

É de se salientar que inobstante tais crimes perpetrados contra “a última flor do Lácio”, alguns grupos financeiros, dentre os três maiores do Brasil, ainda se sujeitam a “piratear” cláusulas inteiras de tais contratos “importados”, salvo a possibilidade de estarem utilizando padrões confeccionados pelas entidades associativas, o que não é de nosso conhecimento.

Vejamos dois exemplos reais de cláusulas constantes de contratos de nível de serviço de e-banking de uma instituição financeira nacional e de outra de origem estrangeira:

Banco X (nacional): “Qualquer informação que nossos clientes nos passem serão coletadas e guardadas de acordo com padrões rígidos de segurança e confidencialidade “;

Banco Y (estrangeiro): “Salvaguardaremos, de acordo com padrões rígidos de segurança e confidencialidade, qualquer informação que nossos clientes nos passarem”;

Banco X (nacional): “Para fins de operações de crédito e gerenciamento de riscos, nós poderemos trocar informações sobre nossos clientes com fontes respeitáveis de referência e serviços de compensação”;

Banco Y (estrangeiro): “Para fins de relatório de crédito, verificação e gerência de risco, nós trocaremos informações sobre os nossos clientes com fontes respeitáveis de referência e serviços de compensação.”.

Impressionante a coincidência; no primeiro caso apenas foi passada a frase da voz ativa para a voz passiva, no segundo nem isso; se tais frases fossem inseridas num mecanismo de busca (search engine) na Internet, que tivesse sensibilidade fonética, certamente retornaria como resposta o site dos dois bancos, rankeados ambos com 5 estrelas de afinidade em relação ao argumento de pesquisa utilizado.

Esses aspectos são apenas ilustrativos a respeito da falta de cuidado que instituições financeiras de renome e peso no mercado internacional dedicam aos contratos de serviços que propõem a seus clientes na Internet.

Passemos, às exonerações de responsabilidades e obrigações contratuais que esses instrumentos prevêem.

As Garantias e Responsabilidades Perante os Clientes de e-banking

É de se recordar, já na abertura do presente tópico desta breve digressão, os dispositivos dos arts. 24 e 25 do CDC, que vedam estipulação contratual que exonere, atenue ou impossibilite a obrigação legal de adequação dos serviços fornecidos em face dos objetivos do consumidor.

Constata-se que nesses contratos de nível de serviços de e-banking, praticamente, só existem cláusulas predispostas a exonerar o fornecedor de toda e qualquer responsabilidade ou obrigação pelos serviços que disponibiliza e oferece a seus clientes.

Vale transcrever algumas dessas cláusulas, evidentemente sem menção ao banco:

“1. O XXXXXXX não garante o conteúdo, os instrumentos e os materiais contidos, utilizados e oferecidos neste site estejam precisamente atualizados ou completos, e não se responsabiliza por danos causados por eventuais erros de conteúdo ou falhas do equipamento.”


“3. Em nenhuma circunstância, o XXXXXX, seus diretores ou funcionários serão responsáveis por quaisquer danos diretos ou indiretos, especiais, incidentais ou de conseqüência, perdas ou despesas oriundos da conexão com este site ou uso de sua parte ou incapacidade de uso por qualquer parte, ou com relação à (sic) qualquer falha de desempenho, erro, omissão, interrupção, defeito ou demora na operação ou transmissão, vírus de computador ou falha de linha ou do sistema, mesmo se o XXXXXXX ou seus representantes estejam avisados da possibilidade de tais danos, perdas ou despesas.”

Certamente não falta clareza e precisão a tais informações, nessas condições apenas um potencial suicida se arriscaria a realizar qualquer transação de e-banking por meio de um site com essas declarações expressas de inexistência de confiabilidade e segurança.

Tais disposições e cláusulas contratuais conflitam com a legislação vigente e são nulas de pleno direito, não eximindo a instituição financeira de qualquer responsabilidade ou obrigação de indenizar caso venha a ocorrer algum dano ou prejuízo a seu cliente.

Sob este aspecto exoneratório, geralmente o segmento mais extenso dos contratos de nível de serviço, não se necessita de uma abordagem mais aprofundada, pois a sua posição de conflito com as normas consumeristas é manifesta.

Os “cookies” e os Sistemas CRM nos sites de e-banking

Uma das maiores vantagens comerciais que podem ser obtidas por quem consegue cativar um usuário para navegar em seu site na Internet é a possibilidade de disparar um cookie (agente de programa) que irá ficar residente no disco rígido desse usuário, “espionando” suas preferências pessoais e remetendo, após algum tempo ou quando esse internauta acessar novamente o site, o perfil desse usuário para o departamento de marketing.

Tais agentes certamente trazem algumas vantagens para o usuário em cujo equipamento se instalaram, servindo, por exemplo, para permitir a execução de operações virtuais em múltiplas sessões, funcionando como uma memória contínua.

O tratamento dessas informações é realizado pelos denominados sistemas CRM – Costumer Relantionship Management, que se encarregam de analisar preferências e comportamentos dos usuários, indicando possíveis oportunidades de negócios a serem exploradas.

Os bancos não fazem segredo de que se utilizam dessa tecnologia para análise do comportamento de seus clientes na rede, assegurando que tais cookies não se prestam a fazer uma “varredura” nos demais dispositivos de armazenamento de dados do equipamento do cliente, garantindo que se valem desse agente para trabalhar a fidelização do usuário.

No presente caso constata-se a expressa violação ao previsto no art. 43, § 2º, do CDC, mas é de se referir que tal prática não é privilégio dos bancos; toda e qualquer instituição que disponibiliza um site na Internet, com os mais diversos propósitos, utiliza-se desses mecanismos de registro de dados pessoais e de preferências de consumo de seus eventuais navegadores, sem que seja solicitado, deixando de comunicar-lhes de tal procedimento “por escrito”, como prevê a lei.

O Eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do STJ, já proferia, há mais de 5 anos, lapidares decisões sobre esse tema, como se colhe:

“A inserção de dados pessoais do cidadão em bancos de informações pode se constituir em invasão de área que deve ficar restrita à intimidade pessoal. Muitas vezes o cidadão sequer sabe de sua existência ou não dispõe de meios eficazes para se defender. As informações podem ser usadas para fins lícitos quanto para fins contrários à moral ou ao Direito, como instrumento de perseguição política ou opressão econômica.” (REsp. 22.387-8/RS, 13.02.1995, RDC 23-24/264-265)

Nessa senda, portanto, e escudados nos próprios termos dos contratos de nível de serviço que os bancos apresentam na Internet, não é de se acreditar que tais cookies restrinjam-se a facilitar a vida do usuário dos serviços de e-banking. São efetivas ferramentas de marketing decorrentes do estado da arte da Tecnologia de Informação.

Conclusão

Este modesto trabalho está longe de esgotar o tema e trata de uma minúscula fatia das relações jurídicas de consumo e de prestação de serviço que se formam entre bancos e seus clientes quando estes executam operações bancárias através do uso da Internet.

Paradoxalmente, como lembra De Lucca, os avanços que se operam em nossa era digital são de tal monta que “a dependência do mundo virtual passou a ser uma realidade irrefutável”.

Os negócios bancários apresentam um diferencial de extraordinária vantagem sobre as demais operações das pontocom, para sua realização o essencial é a informação, estando ausente quase toda a problemática da logística que contamina o e-commerce.

Certamente o cliente aprecia e necessita de tais serviços. Certamente ao banco é bastante conveniente que o cliente se utilize dessa tecnologia para realizar suas operações bancárias.

Constata-se por algumas observações efetuadas sem qualquer apego à metodologia, que a maioria esmagadora dos usuários de serviços de e-banking sequer dá-se ao trabalho de ler as informações, advertências e cláusulas dos Contratos de Nível de Serviço, há inclusive casos de sites em que é quase materialmente impossível a localização de tais instrumentos, conseguindo-se alcançá-los apenas por meio de opções que o usuário médio não costuma acessar, como os “mapas do site”.

Sem sombra de dúvidas essa ferramenta tecnológica de alto valor administrativo, comercial e operacional para os bancos, deve e necessita ter seu uso incrementado; limitada aos riscos que razoavelmente dela se pode esperar é confiável, segura e extremamente prática, motivo pelo qual entendemos que tanto instituições financeiras quanto consumidores poderiam estabelecer suas regras e compromissos de uso em um patamar mais elevado.

Nosso novel e bem elaborado CDC traz os regramentos mínimos que permitem dar aos clientes a necessária segurança jurídica para trabalhar no ambiente e-banking, e a tecnologia disponível garante ao banco que ele possa fornecer serviços de alta qualidade de forma a estabelecer um padrão de confiança que permita, cada vez mais, ter seus clientes num relacionamento leal e seguro, sem tantas exonerações. O serviço só tende a crescer nos próximos anos e assim tornar-se o principal canal para realização de operações bancárias rotineiras para uma significativa parcela da sociedade, conquistando relevante papel na realização de negócios e contratos bancários no Brasil.

VIII – Referencial Bibliográfico

a) Computerworld, Edição Especial Bancos – Junho de 2000, nº 344.

b) ABRÃO, Nelson. DIREITO BANCÁRIO. Ed. Saraiva. 7ª ed. SP. 2001.

c) BAPTISTA, Joaquim de Almeida. Código do Consumidor Interpretado. SP, Ed. Iglu, 3ª ed., 2000.

d) MARTINS, Ives Gandra da S. e GRECO, Marco Aurélio Direito e Internet – Relações Jurídicas na Sociedade Informatizada. RT, SP, 2001

e) DE LUCCA, Newton e SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito & Internet – Aspectos Jurídicos Relevantes.

f) CORREA, Gustavo Testa. Aspectos Jurídicos da Internet. Ed. Saraiva, SP. 2000.

g) GANDELMAN, Henrique. De Guttemberg à Internet – Direitos Autorais na era Digital. Ed. Record, RJ, 4ª Ed., 2001.

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