Regras do jogo

Advogada critica reavaliação da Lei dos Crimes Hediondos

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24 de fevereiro de 2002, 3h02

No início da década de 90 alguns acontecimentos criminosos barbarizaram o Brasil (e o mundo). Salientados pela imprensa, (o que permitiu a releitura deles e do que os envolvia) foi elaborada (e sancionada) às pressas a Lei dos Crimes Hediondos.

A sociedade diante desta rápida solução sentiu-se aliviada. Constatou-se (como ocorre em poucas vezes) o trabalho célere e eficaz do Congresso Nacional, que se viu “obrigado” a dar uma resposta às barbáries.

A lei teria sido bem aproveitada se houvesse discussão, calma e conhecimento jurídico, principalmente.

A questão da criminalidade já (e há muito tempo) deixou de ser puramente jurídica, para tornar-se (o que nunca deixou de ser, e nem poderia) sociológica.

Pelo impacto social que proporcionaram tais acontecimentos dentre os quais, assassinato de gente conhecida e seqüestro de gente influente, perseguiu-se uma resposta rápida dos congressistas o que ocorreu em seguida.

Ocorre que, alguns anos depois, constatou-se que pasmem, os índices destes crimes aumentaram, ressalvados alguns dados de caráter regional, federativamente considerando, o fato é que, as barbáries continuaram cada vez mais ousadamente.

Fazendo minhas as palavras de ministro do STJ em um desabafo público, “a diferença reside no fato de que o crime organizado é mesmo organizado e não burocratiza suas decisões mais importantes”.

Impactada por esta declaração é impossível não refletir sobre o que ela precisamente constatou nas entrelinhas.

De fato, o crime organizado é indiscutivelmente organizado. Ao contrário de nós, que em alguns momentos temos dificuldade de identificar comando e conseqüentemente, subordinação, ele o faz, com impressionante precisão.

As regras do jogo são seguidas tão a risca, e levam tão a sério as próprias regras, que “renovam periodicamente seu pessoal”, nem que seja pela execução.

Enquanto nós ficamos no plano da “resposta rápida” eles cautelosa e cuidadosamente, traçam todos os objetivos e o modo pelo qual serão estruturados.

Cada qual tem a sua meta e como numa “empresa séria” se empenham arduamente, para ao final, terem “cumprido a missão” (violenta e desumana) que se propuseram a realizar.

A realidade é tomada como surpreendente quando se (re)coloca em pauta a Lei dos Crimes Hediondos.

Não presenciamos nenhuma grande tomada de controle nos focos geradores do problema. Não verificamos nenhuma política efetiva de incentivo à dignidade e à moral do cidadão.

É como se o início do problema estivesse desconhecido, quando na verdade, salta aos olhos diariamente.

Quem são os cidadãos atraídos pelo crime, mais, especificamente, pelo narcotráfico, infração, severamente apenada pela lei em questão?

São pessoas na maioria, seduzidas desde o início da adolescência, vitimadas pela “carga de informação de consumo que lhes é imposta”, e vitimizadas pela própria vida. Desculpa? Justificativa? Não, explicação!

O fato é que morrer nas mãos da polícia parece ser bem mais atraente que morrer de inanição.

E antes que mal entendam, não se está minimizando as questões da criminalidade, pois, é do conhecimento de todos o número exorbitante de cidadãos carentes e que trabalham muito e honestamente, sem nunca terem se deixado seduzir. Mas a realidade é tomada por índices que comprovam o que falamos e o modo como tratamos o assunto.

Como atenuar a “carga de consumo” se torna inviável diante do modelo econômico que nós (e o mundo) seguimos (segue); é preciso modificar o tratamento dado à questão.

A solução não será facilmente encontrada até por que ela esbarra em interesses desconhecidos e envolvem outros tantos, os quais somente são tratados em silêncio. Ninguém em sã consciência pensa que o problema do “morro” está no morro!

Obviamente, há uma minoria perniciosa que se esbalda em suntuosos escritórios em bairros afortunados deste país, e que reza diariamente, para que os ignorantes continuem ignorando, e para que o Congresso mantenha a desorganização, possibilitando cada vez mais, prosperidade aos seus “bons negócios”. Caso contrário se nós descobrirmos que organizar-se é o lema para solucionar o problema, eles perdem sua própria guerra, já que considerando que “Deus é brasileiro”, ainda estamos em maior número.

Mais de umas décadas depois, resolveram reavaliar a Lei dos Crimes Hediondos. É verdade! Chegaram a conclusão que o problema está na lei. Coitada! Ela não é o que os especialistas clamam como o ideal, mas não sai do papel e vai seqüestrar ninguém, ah! Também não mata, não rouba, não engana.

A proposta é aumentar penas, modificar regimes de cumprimento das sanções, ampliar a competência para crimes como o seqüestro. Bom, ficamos combinados assim: daqui a dez anos escreverão novo artigo sobre a refeitura da refeitura da Lei 8.072.

Sorte a nossa termos brasileiros que (eles sim) ficam encarcerados 53 dias, no regime fechado (integralmente), sem celular, sem recreação, e apesar disso, vêm a público declarar que não são vítimas, estão vítimas. Cá entre nós, estamos todos. Hediondo é não mudar os conceitos!

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