Desabamento no Palace 1

Palace 1: quem constrói imóvel de risco tem de devolver dinheiro

Autor

23 de fevereiro de 2002, 11h50

A queda de uma parte do teto do apartamento 2.006 do Palace 1, na madrugada desta segunda-feira (6/3), corrobora, de certa forma, a decisão tomada há menos de um mês pelos desembargadores do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro.

Por unanimidade, a 9ª Câmara Cível do TJ acolheu recurso de um casal de moradores do Palace 1, e mandou que a Sersan – construtora do ex-deputado federal e empresário Sérgio Naya – rescindisse o contrato de compra e venda do imóvel e devolvesse a quantia paga aos proprietários com juros e correção monetária.

A decisão também obriga a construtora a arcar com os custos do aluguel de oito meses da nova moradia do casal – período em que não puderam retornar ao apartamento. A Sersan ainda foi condenada a pagar indenização por danos morais de mil salários mínimos (R$ 136 mil) para o casal e ressarcir o valor referente aos móveis e utensílios que eram mantidos no interior do apartamento.

No acidente desta segunda de carnaval, parte do teto do apartamento desabou sobre a cama do casal que assistia ao desfile das escolas de samba do Rio.

Peritos da polícia estão identificando as causas do acidente, ocorrido dois anos depois da queda do Palace 2, também numa noite de carnaval. Na ocasião, oito pessoas morreram e 130 famílias ficaram desabrigadas.

Leia a íntegra do acórdão que condena Sérgio Naya a indenizar os moradores do Palace 1

Tribunal de Justiça

9ª Câmara Cível

Apelação Cível 18.191/99

Origem: 15ª Vara Cível da Comarca da Capital

Relator: Des. Paulo Cesar Salomão

AÇÃO ORDINÁRIA DE RESCISÃO E INDENIZAÇÃO. EDIFÍCIO PALACE I. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESCONSIDERAÇÃO DA AUTONOMIA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PROCEDÊNCIA. O Incorporador/construtor é um fornecedor de serviços à luz dos conceitos claros e objetivos constantes do art. 3º do CDC. Salta aos olhos, máxima vênia, a ocorrência de fato gerador da rescisão do contrato de compra e venda, pois pública e notória a insegurança resultante do evento para todos os proprietários dos apartamentos que ficaram interditados por longo oito meses. O caos que se instalou na vida daqueles que acreditaram nas promessas da Incorporadora é indescritível e, além da rescisão, óbvio que deve ela indenizar os prejuízos efetivamente causados. A responsabilidade da Construtora, segunda Ré, é objetiva como se vê no art. 12, do CDC e da primeira Ré encontra amparo no art. 28 do mesmo Código, que acolheu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica quando se trata de empresas coligadas, o que ocorre na hipótese em julgamento. O dano moral resulta da dor intensa, da frustração causada e da humilhação a que foi submetida a vítima. É certo que sua fixação deve levar em consideração a natureza de real reparação do abatimento psicológico causado, mas, por outro lado, não se pauta no enriquecimento indevido. O montante deve proporcionar uma compensação pelo desgosto, dor e tristeza sofridos, ao mesmo tempo em que representa uma sanção ao infrator, além do desestímulo a outras infrações. Para seu arbitramento devem ser observadas as condições sociais e econômicas das partes envolvidas, sopesando o Juiz, com bom senso, as circunstâncias da causa em exame. A fixação do ilustre Magistrado de 1º grau não é razoável, merecendo, diante das circunstâncias, ser aumentada para 500 (quinhentos) salários mínimos para cada um dos Autores. Provimento do primeiro recurso e improvimento do segundo.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 18.191/99, em que figuram como Apelantes ANGELO DAMIGO TAVARES E OUTRA e MATERSAN MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA. e Apelados OS MESMOS e SOCIEDADE EMPRESAS REUNIDAS SERGIO AUGUSTO NAYA SERSAN S/A, ACORDAM os Desembargadores da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em dar provimento à primeira apelação e negar provimento à segunda, nos termos do voto do Relator.

Relatório a fls.249/250, que se incorpora ao presente.

Tratam os autos dos lamentáveis episódios originados do desabamento do Edifício PALACE II construído pela segunda Ré.

O imóvel adquirido pelos Autores situa-se no Edifício PALACE I, vizinho daquele que desabou e que foi construído na mesma época e pela mesma Construtora.

Evidente que se aplica ao caso em julgamento o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, como explica, didaticamente, o eminente Des. SÉRGIO CAVALIERI FILHO, em trabalho recentemente publicado na Revista do Direito nº 36, páginas 29/34:

“Não há como negar que o incorporador/construtor é um fornecedor de serviços à luz dos conceitos claros e objetivos constantes do art. 3º do CDC. Quando ele vende e constrói unidades imobiliárias, assume uma obrigação de dar coisa certa, e isso é da essência do conceito de produto, quando contrata a construção dessa unidade, quer por empreitada quer por administração, assume uma obrigação de fazer, o que se ajusta ao conceito de serviço. E sendo essa obrigação assumida com alguém que se posiciona no último elo do ciclo produtivo, alguém que adquire essa unidade imobiliária como destinatário final, para fazer dela a sua moradia e da sua família, está formada a relação de consumo que torna impositiva a aplicação do Código do Consumidor porque as suas normas são de ordem pública. Havendo circulação de produtos ou serviços entre fornecedor e consumidor, teremos relação de consumo necessariamente regulada pelo Código do Consumidor.

Se não bastasse, o art. 12 do CDC refere-se expressamente ao construtor, e o art. 53, ao vedar a cláusula de decaimento – perda total das prestações – menciona os contratos de compra e venda de imóveis, tudo a revelar o claro propósito do legislador de submeter a incorporação/construção à disciplina do Código do Consumidor por se tratar de um dos segmentos mais estratégicos e nevrálgicos do mercado de consumo. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do eminente Ministro RUY ROSADO, sem dúvida o maior escudeiro do Código do Consumidor naquela Alta Corte, já se pronunciou sobre o tema, firmando o seguinte entendimento:

‘Incorporação Imobiliária. Contrato. Cláusula abusiva. O contrato de incorporação, no que tem de específico, é regido pela lei que lhe é própria (Lei nº 4.591/64), mas sobre ele também incide o Código de Defesa do Consumidor, que introduziu no sistema civil princípios gerais que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva …(4ª Tum., Resp 80.036).’.”

Vale a pena transcrever os artigos 8º e 12 do CDC:

“Art.8º. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.” (grifei)

“Art.12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes do projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1º. O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:” (grifei)

Salta aos olhos, máxima vênia, a ocorrência de fato gerador da rescisão do contrato de compra e venda, pois pública e notória a insegurança resultante do evento para todos os proprietários dos apartamentos que ficaram interditados por longo oito meses.

Como exigir desses compradores que continuem a ocupar seus imóveis como se nada tivesse acontecido?

Com efeito, padece o Edifício PALACE I dos mesmos problemas ocorridos naquele que desabou (PALACE II) e não é preciso muito esforço para se concluir pela impossibilidade de continuação do contrato por culpa exclusiva da Construtora, uma vez que impossível a moradia normalmente após os trágicos acontecimentos ocorridos em fevereiro de 1998 e que se tornaram, infelizmente, famosos mundialmente.

Nem se argumente que foram realizadas obras de sustentação e escora, estando o Edifício agora completamente seguro, uma vez que, psicologicamente, estão todos seus ocupantes arrasados e inseguros.

Aliás, se, efetivamente, as Rés acreditam nisso, deveriam aceitar pacificamente o desfazimento do negócio e receber os imóveis de volta.

O caos que se instalou na vida daqueles que acreditaram nas promessas da Incorporadora é indescritível e, além da rescisão, óbvio que deve ela indenizar os prejuízos efetivamente causados e que foram comprovados pelos Autores satisfatoriamente.

A responsabilidade da Construtora, segunda Ré, é objetiva como se vê no art. 12 acima transcrito e da primeira ré encontra amparo no art. 28 do referido Código de defesa do Consumidor, que acolheu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica , quando se trata de empresas coligadas, o que ocorre na hipótese em julgamento:

“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 2º. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.”

Na verdade, a extinção do processo em relação à primeira Ré configurou julgamento de mérito, já que o ilustre Julgador nada mais fez do que considerá-la sem responsabilidade pelo evento.

Vale dizer que é impróprio tecnicamente o rótulo da parte ilegítima porque o pedido inicial é amplo e genérico de indenização, além da rescisão, o que leva, sem sombra de dúvidas, ao exame do mérito se deve ela repassar ou não os prejuízos causados.

Logo, é ela parte legítima para a ação e, como se viu acima, co-responsável.

Os gastos e os prejuízos foram comprovados com a documentação anexada à inicial, certo que dependem, ainda, de arbitramento, já que não são líquidos.

O dano moral resulta da dor intensa, da frustração causada e da humilhação a que foi submetida a vítima.

É certo que sua fixação deve levar em consideração a natureza de real reparação do abatimento psicológico causado, mas, por outro lado, não se pauta no enriquecimento indevido.

O montante deve proporcionar uma compensação pelo desgosto, dor e tristeza sofridos, ao mesmo tempo em que representa uma sanção ao infrator, além do desestímulo a outras infrações. Para seu arbitramento devem ser observadas as condições sociais e econômicas das partes envolvidas, sopesando o Juiz, com bom senso, as circunstâncias da causa em exame.

A fixação do ilustre Magistrado de primeiro grau não é razoável, merecendo, diante das circunstâncias, ser aumentada para 500 (quinhentos) salários mínimos para cada um dos Autores, conforme foi pedido.

Assim, procede integralmente o pedido para decretar-se a rescisão do contrato, com a condenação das Rés à restituição de tudo o que foi pago, corrigido monetariamente, ao pagamento da indenização dos prejuízos causados e que será apurada em liquidação por arbitramento, além da quantia de 500 (quinhentos) salários mínimos para cada um, a título de dano moral, mantida a condenação em custas e honorários advocatícios arbitrados pela sentença.

Em conseqüência, não tem razão o segundo Recorrente.

Posto isto, dá-se provimento ao primeiro recurso para os fins acima mencionados e nega-se provimento ao segundo.

Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2000.

Des. Laerson Mauro

Presidente

Des. Paulo Cesar Salomão

Relator

Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2000.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!