Medo coletivo

OAB afirma que Brasil está em estado de guerra

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22 de fevereiro de 2002, 11h31

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado, disse que o governo deve reconhecer o estado de guerra em que se encontra o Brasil. Approbato citou o fato de grupos criminosos ligados ao tráfico de drogas já controlar áreas urbanas no Rio e São Paulo.

Approbato lembra que a população civil nessas áreas segue normas baixadas por traficantes que estão bem mais aparelhados do que as polícias. “Não dá como esconder esta realidade: estamos em guerra”, disse.

Os presidentes das OABs das regiões Sudeste e Sul estão em Ribeirão Preto (SP) discutindo uma proposta de 25 pontos de combate à violência que será enviada ao Ministério da Justiça e ao Congresso Nacional. Segundo Approbato, o Brasil virou “refém do medo” e alcançou, na indústria dos seqüestros, o quarto lugar do mundo, perdendo apenas para Colômbia, México e Rússia.

Outro dado importante, apresentado pela OAB, refere-se à impunidade: de cada 100 crimes violentos registrados nas delegacias, a polícia só consegue prender suspeitos em 24 casos. Desses 24, apenas 14 conseguem ter provas para submeter os acusados a julgamento. E dos 14, apenas um criminoso cumpre pena. “A burocracia faz com que os processos de homicídios levem 10 anos para serem concluídos”, disse.

Conheça as propostas da OAB para combater a violência

No plano da legislação penal:

1 – Manifestamos nossa posição contrária às propostas simplistas, demagógicas e ineficazes de elevação geral de penas, adoção de prisão perpétua ou pena de morte, bem como de redução da menoridade penal. Cesare Beccaria já dizia que “o que diminui a criminalidade não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição”.

2 – Sugerimos seja reaberta a discussão sobre a proibição definitiva do porte de arma, para a revisão da Lei 9.437, de 1997, que, em seu art. 10, tipifica o crime de “porte ilegal de arma”, o qual, com a Lei 10.259, que trata dos juizados especiais criminais federais e que têm aplicação no âmbito dos juizados estaduais, passou a ser ‘infração penal de menor potencial ofensivo”.

No plano da legislação processual penal:

3 – Sugerimos que a Câmara dos Deputados priorize a discussão e votação dos Projetos de Lei que modificam o CPP, enviados pelo Executivo em março de 2001, fruto de longos estudos do Ministério da Justiça, através de Comissão de Juristas presidida pela Professora Ada Pelegrini Grinover (Projetos de lei n.ºs. 4203 a 4209). Pelo menos os três seguintes:

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a – Projeto de Lei 4203/2001, sobre o tribunal do júri (que simplifica o procedimento especial e a disciplina sobre quesitos, reduzindo o tempo de tramitação dos processos e eliminando uma das principais causas de anulação dos mesmos);

b – Projeto de Lei 4207/2001, sobre procedimentos penais (que reduz prazos, simplifica ritos e agiliza todos as ações penais em geral);

c – Projeto de Lei 4.205/2001, sobre recursos criminais (que acaba com vários recursos e uniformiza o procedimento recursal, com simplificação).

4 – Sugerimos seja feita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados amplo debate em audiências públicas, com convocação de todos os segmentos interessados (representantes do Poder Judiciário Estadual e Federal; do Ministério Público Federal e Estadual; das Polícias Federal, Militar e Civil; da OAB e de outros setores da sociedade civil) para debater o Projeto de Lei n.º 4.209/2001, que trata da investigação criminal, isto é, do inquérito policial, visando seu aprimoramento, extinção ou substituição por outro procedimento apuratório das infrações penais.

5 – Sugerimos criar, nos grandes centros urbanos, juizados de instrução, com participação de juízes e membros do Ministério Público ao lado de policiais, para a investigação de casos de crime organizado (Lei 9.034/95).

Caso a experiência destes juizados de instrução criminal seja bem sucedida poderia ser, paulatinamente ampliada para ir substituindo o inquérito policial, como sistema de investigação criminal, onde fosse possível, dadas as peculiaridades estaduais e locais.

No plano da Justiça Penal:

6 – Sugerimos estimular a aplicação pelos juízes criminais, sempre que possível, para a pequena e média criminalidade, nos termos das Leis 9.099/95, 9.714/98 e 10.259/01, das denominadas penas alternativas, visando aliviar o sistema prisional e penitenciário e, também, evitar a promiscuidade entre iniciantes e criminosos perigosos e habituais nos presídios.

7 – O Poder Judiciário deve organizar em todas as comarcas, com a participação da comunidade:

a – Centrais de Penas Alternativas, com oferta de oportunidades de trabalho, para o cumprimento da prestação de serviços gratuitos à comunidade pelos condenados, em hospitais, creches, escolas, entidades filantrópicas, clubes de serviços, organizações não governamentais, associações comunitárias, igrejas, entidades de classe, etc.;

b – Conselhos da Comunidade, nos termos do artigo 80 da Lei de Execução Penal;

c – Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (APACs), cuja sistemática é sucesso, apesar de suas limitações;

8 – A União e os Estados precisam considerar, no momento da elaboração e da execução dos respectivos orçamentos, a Justiça como atividade essencial do Estado, prevendo e aplicando investimentos em melhoria e ampliação de recursos humanos e em recursos materiais, particularmente com modernização através da informática. A opção política por justiça eficaz passa pelas previsões e execuções orçamentárias efetivas, sem construções pomposas e desvio de verbas, evidentemente.

9 – Sugerimos a admissão e implantação da tele ou vídeo-audiência, para interrogatórios, inquirição de testemunhas e sustentações orais, economizando-se tempo e recursos na instrução processual penal, utilizando os modernos recursos da tecnologia da informação e comunicação e evitando-se os múltiplos problemas operacionais da condução de presos.

10 – Sugerimos a implantação da varas virtuais da justiça, com os recursos da informatização e da comunicação eletrônica, observadas as garantias da certificação eletrônica de documentos digitais.

11 – A Reforma do Judiciário é tema recorrente, sobre cuja necessidade a OAB vem se batendo há muitos anos. Cabe, no entanto, relembrar que as mudanças na cúpula, isto é, nos tribunais superiores não pode ser priorizada em prejuízo das evoluções na base da pirâmide, nos juizados especiais e na justiça de primeira instância.

No plano das polícias:

12 – Criação dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública, para a participação da sociedade nos respectivos planos e em seu acompanhamento.

13 – Num primeiro e imediato momento, a integração das ações das polícias civil e militar estaduais, com o objetivo de, no futuro, promover a unificação, se esta não puder ser, desde logo, adotada em todos os Estados.

14 – Investimentos públicos, mediante planejamento de longo prazo e permanente, em recursos humanos e equipamentos da polícia, com profissionalização e valorização da carreira policial, com treinamento na ciência de investigação, em polícia científica e em inteligência policial, além de boa remuneração e combate à corrupção policial.

15 – Compartilhamento de banco de dados sobre criminalidade e criminosos por todos os órgãos policiais, com cruzamento de informações entre centrais de inteligência.

16 – Implantação em todas as comunidades de sistemas de disque-denúncia, para colaboração cidadã e consciente da população, com a garantia da confidencialidade.

17 – Planejamento estratégico das ações de segurança pública, com mapeamento dos crimes com uso de estatística permanente sobre as ocorrências criminais, visando direcionar o policiamento ostensivo para os locais de alta incidência de registros criminais, bem como filmagem de espaços públicos, com monitoramento policial, em áreas idênticas.

18 – A investigação criminal pelo Estado, não pode ser utilizada apenas para a punição dos culpados, mas utilizada, também, para análise criminológica, com estudo das causas da criminalidade, para direcionar políticas públicas de combate às mesmas.

No plano do sistema prisional e penitenciário:

19 – Desvinculação do sistema prisional e penitenciário das atividades policiais, transferindo-se a custódia de presos, provisórios ou definitivos, para pessoal próprio (quadro de agentes penitenciários), devidamente preparado, do sistema carcerário ou penitenciário, com formação multidisciplinar e não apenas em segurança.

20 – Instalação nos presídios de sistema detector de metais e de triagem eletrônica de volumes, à semelhança dos equipamentos utilizados em aeroportos, para evitar-se o ingresso de armas e celulares, bem como o bloqueio interno de sinais de celulares.

21 – Implantação continuada de programas de recuperação dos presos, mediante alfabetização, educação, profissionalização e trabalho.

22 – Assistência jurídica aos acusados e condenados presos, através das defensorias públicas, que precisam ser ampliadas e valorizadas, com complementação, onde necessário, através dos convênios de defesa dativa.

No plano de políticas públicas:

23 – Rejeição a quaisquer propostas, sob pretexto de aprimoramento da investigação criminal, que importem em quebra das garantias constitucionais e dos direitos civis do cidadão brasileiro.

24 – Adoção de políticas públicas de combate à exclusão social, a miséria, a pobreza, a fome, ao desemprego, bem como de políticas públicas sociais eficazes nos setores de educação, cultura, lazer, saneamento, habitação, distribuição da renda e da terra, assim como de amparo à criança e ao adolescente. Em resumo, presença do Estado nas comunidades em ações para a cidadania e não apenas para a segurança pública repressiva.

25 – Pacto social de educação para a paz, na família, na escola, na comunidade, na igreja, no trabalho, no Estado, em todos os lugares e atividades.

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