Insegurança pública

Consultor legislativo é contra unificação das polícias no Brasil

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21 de fevereiro de 2002, 16h56

A sociedade brasileira mobilizou-se e a duras penas os governantes começam a buscar soluções para o gravíssimo problema social decorrente do caos no sistema de Segurança Pública. Lamentavelmente tenho a convicção de que apesar de todos os esforços, muitos dos quais questionáveis, ainda falta vontade política necessária à solução desse problema.

O executivo federal tenta de todas as formas isentar-se de culpa e repassa o problema aos estados e municípios, que por falta de condições devolve o problema para a própria sociedade.

Agora o Congresso Nacional busca dar respostas à sociedade e monta uma espécie de força tarefa formada por 38 deputados e 38 senadores, sendo 19 titulares e 19 suplentes indicados pelas lideranças partidárias nas duas casas.

Esses parlamentares integram à Comissão Mista Temporária de Segurança Pública, que tem como missão acelerar a tramitação de projetos considerados prioritários para conter a onda de violência que cresce no País, trabalhará como uma comissão de sistematização, ou seja, não lhe caberá trazer novas propostas, mas definir, dentre as que tramitam no Senado e na Câmara quais as que podem trazer solução em curto prazo.

A comissão viajará pelo país, ouvindo governadores de estados, secretários de Segurança Pública, comandantes das polícias Civil e Militar, diretores de presídios e outros especialistas em segurança, buscando assim ilustrar melhor esse triste quadro.

Particularmente não acredito que haja motivo para comemoração. Apesar de louvável a iniciativa me parece extremamente intempestiva e pouco eficiente. Sinceramente tenho dificuldades em entender como será possível sistematizar em 60 dias 245 propostas legislativas relacionadas ao combate à violência e à Segurança Pública.

Importante frisar que entre essas proposições existem 44 propostas de emendas constitucionais, 188 projetos de lei, 8 projetos de decreto legislativo, 4 projetos de resolução e ainda uma proposta de fiscalização e controle; cada qual devendo obedecer a uma tramitação específica exigida pela Constituição Federal e pelos regimentos da Câmara dos Deputados, do Senado e além do regimento comum do Congresso Nacional, inviável e inaceitável pois falarmos em tramitação única e singular de propostas tão distintas.

Outro fato que devemos considerar é a existência de projetos que já tramitam nas casas há mais de 10 anos, e por um motivo ou outro ainda não foram colocados em pauta ou definitivamente arquivados, não existe mágica capaz de concluir esse projetos de uma hora para outra.

Ao analisarmos o mérito da iniciativa deparamos com outro sério problema. Não me parece razoável passar para a sociedade a expectativa de que esse gravíssimo problema será resolvido através de medidas legislativas. Nosso país já possui legislação demais. Nossa Constituição Federal é composta por 250 artigos, isso sem contar os 87 constantes no Ato das Disposições Transitórias, convivemos com 10.410 leis. Apesar disso, nossa sociedade sofre com problemas de toda natureza, sendo assim, é claro que a solução não está na aprovação de mais legislação. O mais simples e eficiente seria o cumprimento de legislação já existente.

No mais, é da essência do trabalho legislativo a cautela e o exame rigoroso das proposições. A aprovação de qualquer nova lei é antes de tudo um ato de responsabilidade do parlamento. Leis mal elaboradas levam a injustiça e ao desgaste dos Poderes Legislativo e Judiciário, ou seja, em nada contribuem na busca de solução para os problemas que ora se apresentam.

Não podemos nos esquecer que estamos num ano eleitoral. A imprensa e a opinião pública devem estar atentas aos desdobramentos decorrentes dos trabalhos dessa comissão pelos pontos já expostos. Não está descartado o corporativismo e a utilização da Comissão como palanque eleitoral, inconcebível e inaceitável, porém possível de existir.

Sou extremamente pragmático ao afirmar que sobra legislação e falta ação, disposição política e principalmente humildade no trato com o problema. A omissão nesse caso é o maior defeito do estado.

Justifico minha afirmação ao dizer que falta disposição política e ação do executivo. Em um passado recente assistimos uma situação singular em nosso país, em novembro de 1995. Através de uma simples Medida Provisória o governo criou o PROER – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional – que de uma hora para outra com o objetivo de salvar oito bancos “privados” injetou nessas instituições 20,3 bilhões de reais, dinheiro público que custou muito caro a toda a população. Somente para se ter uma idéia, R$ 15 bilhões desses recursos estavam previstos para o financiamento para construção de habitações para população de baixa renda, que é claro, continuam sem suas moradias.

O mais interessante nisso tudo é que tais medidas foram apresentadas de uma hora para outra e serviram aparentemente apenas para manter a “credibilidade” de nosso país no exterior, onde diariamente são apresentados gráficos e tabelas informando que o Brasil é saudável financeiramente, amparado numa moeda forte.

Infelizmente gráficos e tabelas são muito frios quando comparados ao caos social que cobre nosso país de vergonha e miséria.

Nessa mesma linha, outra medida polêmica apresentada pelo executivo foi a criação da CPMF, que inicialmente seria uma contribuição provisória. Como previsto acabou virando permanente e teve sua alíquota majorada. Enquanto isso, mesmo após milhões de reais injetados a situação ainda é crítica a ponto de convivermos com mortes diárias causadas pela dengue. Inteligentemente o governo conseguiu desvincular esses recursos e pode utilizar para outros fins.

Curioso verificarmos que apesar de todos os discursos e promessas de solução a principal urgência apresentada pelo presidente da República ao Congresso Nacional foi a prorrogação do CPMF e não o combate à violência. Essa contribuição representa 30 bilhões de reais a mais ao tesouro nacional e infelizmente nenhum centavo desse recurso está previsto para ser investido no sistema de Segurança Pública.

Somos uma república federativa. A União tem total responsabilidade quanto às qualidades mínimas necessárias para o exercício da cidadania nas quais obviamente está incluído o direito a segurança.

Acredito que não bastam críticas. Penso que uma medida legislativa interessante e possível de ser apresentada pelo próprio executivo seria a edição de Medida Provisória criando como sugestão o “PROESSP” – Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema de Segurança Pública. Essa medida teria total apoio da sociedade e solucionaria de uma vez por todas o problema. Encaminhei essa proposta ao executivo em junho de 2001 e não obtive qualquer resposta.

Com a edição dessa medida, o governo federal poderia repassar recursos aos estados propiciando condições de melhor remuneração e qualificação de sua força policial, colaborando de imediato com a busca de soluções já em curto prazo.

Questiono a unificação das polícias como grande solução para o problema. Sempre haverá uma polícia ostensiva e outra judiciária. No mundo todo é assim. Muito mais simples seria apenas a integração das polícias quanto à informação e procedimentos, principalmente no tocante a logística. O cidadão pouco se importa em saber qual polícia está lhe dando segurança. Ele precisa e tem o direito constitucional de ser protegido pelo Estado.

Apenas como ilustração podemos citar exemplos que mostram claramente na prática que a unificação não é pré-requisito para eficiência. Somente nos Estados Unidos existem 17.000 agências policiais, 15.400 dessas agências que formam a espinha dorsal do sistema de segurança norte-americano são as organizações municipais de condados e xerifados.

A unificação mostrou-se eficiente em países de pequena extensão territorial e com uma cultura completamente diferente da nossa como a Dinamarca, Finlândia, Suécia e o Japão.

Acredito que o Congresso Nacional nesse momento tem um importante papel. Mais do que buscar alternativas legislativas, cabe a ele refletir os anseios da sociedade. Como órgão fiscalizador tem a obrigação de cobrar do executivo mais empenho e respeito no trato desse problema. Não pode e não deve simplesmente aliviar a responsabilidade do executivo, pois reafirmo e mostro através dos exemplos já elencados que quando há vontade política encontra-se a solução.

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