Domínio relativo

Corte decide que marca em código HTML não é violação

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

17 de fevereiro de 2002, 14h34

Uma corte federal norte-americana decidiu que a utilização por terceiros, de uma marca registrada em um hyperlink, não é suficiente para assegurar ao registrante os requisitos processuais de violação ou enfraquecimento (dilution) previstos na lei norte-americana.

No caso Ford Motor Co. vs. 2600 Enterprises, o Juiz Robert Cleland do Distrito Oriental de Michigan decidiu que a Ford não pode impedir que o registrante continue a utilizar-se do nome de domínio ‘FuckGeneralMotors.com’.

Qualquer pessoa que acessar esse nome, seja diretamente ou clicando em um link dentro da página é redirecionado à home page da Ford, localizada em ‘Ford.com’. Ou se clicar no outro link também contido na página, à ‘FordReallySucks.com’.

A corte entendeu que os réus – o mesmo Eric Corley e a 2600.com que se envolveram na confusão da publicação do código-fonte DeCSS, software que ‘quebrou’, por meio da engenharia reversa, a criptografia que protegia os filmes DVD – não estavam violando a marca da Ford.

O domínio pertencente ao demandado – ‘FuckGeneralMotors.com’ – não incorpora, observou a corte, nenhuma das marcas registradas da Ford; e que a utilização da palavra ‘Ford’ apenas no código de programação nada mais faz do que criar um hyperlink direcionado ao site da Ford.

E que “diferente do uso não-autorizado de uma marca registrada como nome de domínio, a utilização de uma marca registrada no interior do ‘código de programação’ não inibe os usuários da Internet a encontrarem os Web sites que são mais comumente associados ao detentor da marca.”

Aqui, “a lei da propriedade industrial não autoriza a Ford a determinar como as pessoas poderão fazer links a sua página, nem tão pouco nem restringir esta atividade, simplesmente porque não tenha gostado do nome de domínio ou do conteúdo da página Web que fez o link“.

Segundo a ICANNWatch, para que haja a diluição da marca registrada, a Ford precisa demonstrar que os ‘acusados’ estariam utilizando comercialmente a marca da Ford. O argumento de que a utilização da marca da Ford em um nome de domínio possa ter gerado algum dano não foi suficiente para configurar a utilização comercial, conforme prevê a lei norte-americana.

A corte fez ainda uma analogia com a atitude dos registrantes, descrevendo-a como “um ato de vandalismo, uma pichação de ‘Fuck General Motors’ em uma placa no quartel-general da Ford”.

No aspecto do cometimento de infração pelo uso, a corte decidiu que a utilização não-autorizada da marca da Ford em seu código de programação “em nenhuma hipótese concorre com o oferecimento de bens e serviços do detentor da marca”, e que o réu não está utilizando a marca “em ligação com vendas, oferta, distribuição ou propaganda de nenhum bem ou serviço”, portanto não existiria violação.

Conforme asseverou o Prof. Paulo de Sá Elias em situação quase análoga, (in RT 766/491, 1998/1999), “atualmente, nos Estados Unidos, se discute no Poder Judiciário a questão das Meta Tags (que são palavras embutidas no código HTML, formadoras das páginas na Internet) e que são ocultas para os usuários comuns, mas que são encontradas pelos sistemas de procura (search engines) e seus classificadores de conteúdo)”.

O jurista prossegue explicando que “determinados concorrentes utilizam as Meta Tags para divulgarem suas páginas comerciais na Internet com palavras-chave que possam orientar os sistemas de procura a encontrá-los com prioridade quando determinado usuário (consumidor) estiver à procura de produtos de sua comercialização (mesmo que sejam, especificamente, o produto dos seus concorrentes). A questão central em debate é saber se o concorrente, na sua página comercial, poderá ou não, usar a marca (trademark) do seu concorrente através de Meta Tags em páginas na Internet”.

Lançando mão da Wayback Machine, percebe-se que as versões mais antigas do site da 2600 (que conta com 189 atualizações desde 1996) também eram redirecionadas ao site da Ford, ou descreviam batalhas jurídicas outras envolvendo situações semelhantes, sendo a única diferença o nome de domínio atual, registrado em 1999.

Porém, o ‘FordReallySucks.com’ é mais recente, tendo sido criado em 2001, mas já conta com 7 atualizações, podendo vir a abranger outras – prejudiciais aos interesses da Ford ou da General Motors – mesmo após a mencionada decisão judicial, que deve ser respeitada pelas partes.

A indagação presente no nosso artigo “A Internet e o Ciberespaço”, elaborado no início de 2000 ainda se mostra atual: teremos o mesmo papel e função, e trabalharemos da mesma maneira na Era da Informação? Sustentar-se-ão as expectativas e atitudes tradicionais a respeito da finalidade das decisões? Poderá um sistema de valores centrado na preservação da informação prevalecer sobre um sistema que assume que a informação está sempre em transformação?

Enquanto a Ford poderá buscar subterfúgios legais contra tais condutas em outras áreas do Direito que não a propriedade intelectual, haverá um esforço para a conclusão de que houve violação da lei das marcas registradas (trademarks). Mas a General Motors ainda pode também entrar na briga, buscando inclusive a análise da mesma questão, desta vez por outro ângulo legal.

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    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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