Questão de identidade

Advogado da Fadesp repudia troca de Carteira da OAB

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13 de fevereiro de 2002, 9h13

A cobrança de R$ 35,00 para o projeto de recadastramento e troca dos documentos de identidade profissional dos advogados brasileiros já se tornou o mote e o estopim para a próxima campanha eleitoral da OAB.

Na primeira semana de fevereiro, a Fadesp — Federação das Associações de Advogados de São Paulo — impetrou Mandado de Segurança na Justiça Federal contra a OAB para impugnar a exigência da troca das carteiras e dos cartões de identificação profissional.

Na opinião do presidente da Fadesp, Raimundo Hermes Barbosa, as Resoluções 02/2001 e 07/2002, da Diretoria do Conselho Federal, ferem o Estatuto da Advocacia, o Regulamento Geral e seriam inconstitucionais e ilegais.

Em entrevista à Revista Consultor Jurídico, o conselheiro estadual da OAB paulista, Raul Haidar, defendeu o recadastramento e a troca das carteiras e colocou em dúvida as intenções e a representatividade da Fadesp.

Em resposta, o advogado da Federação, Sérgio Niemeyer, enviou mensagem eletrônica que, a seu pedido, é transcrita da maneira que foi recebida:

Leia a manifestação de Niemeyer

“A FADESP, por seu advogado subscritor desta e do mandado de segurança impetrado para cancelar aquilo que se pode classificar de um excesso por parte da OAB: o recadastramento e a troca das carteiras de identidade profissional dos advogados, vem manifestar seu repúdio pelas alegações do eminente Conselheiro Raul Haidar, veiculadas por esse conceituado sítio eletrônico. Para tanto, submete as ponderações abaixo, a fim de que sejam publicadas e divulgadas na íntegra em resposta ao pronunciamento do preclaro Conselheiro, restando desde já desautorizada a publicação, edição e divulgação de excertos para não comprometer-lhe a ordem de idéias, sua coerência e concatenação.

Em primeiro lugar é preciso que o ilustre Conselheiro saiba que se está dirigindo a uma classe de pessoas dotadas de elevado grau de discernimento, ao contrário do que sói acontecer noutras searas em que se pode utilizar um discurso inflamado e marcado por sofismas.

Os advogados lidam e manejam diariamente com institutos jurídicos e sabem perceber onde há uma ilegalidade, máxime quando ela é gritante, comezinha, quando uiva a retinir nos ouvidos de cada um pelo incômodo e indignação que provocam.

É preciso se diga, antes de mais nada, a medida judicial foi tomada a partir de uma avaliação puramente jurídica, e em nenhum momento se cogitou a respeito de eventuais desdobramentos políticos, como querem fazer parecer os membros da OAB que se manifestaram publicamente a esse respeito até o presente.

Se há alguém querendo dar uma conotação política a este episódio são essas pessoas que integram o corpo diretivo da OAB, posto que, sem argumentos sólidos de natureza jurídica, vêem-se incapazes de refutar a iniciativa da FADESP, premidos, eles sim, pelos infaustos políticos em que suas atitudes podem redundar.

Prova disso: quem ouviu da FADESP, ou de seus membros qualquer pronunciamento de conotação política? Até este momento a FADESP cingiu-se em abordar a questão pelo aspecto estritamente jurídico, melhor dizendo, pelo caráter ilegal da medida implementada pela OAB. Não há grupo algum com intenções políticas tirando proveito dessa situação; situação, aliás, criada pela exorbitância empreendida pelos dirigentes da OAB.

A irresignação dos advogados é legítima, e disso fazem prova os milhares de e-mail’s que a FADESP recebeu e continua recebendo em apoio ao mandado de segurança impetrado, vindos de advogados de todos os cantos do Estado, tanto de inscritos há muito tempo, como o caso de um cuja inscrição situa-se na casa dos 16.000, como

dos de inscrição intermédia e mais recente.

Ninguém adentrou o discurso político, cuja cogitação partiu de pessoas ligadas ao corpo diretivo da OAB. A FADESP, com a legitimidade que detém, apenas utilizou-se dos recursos institucionais, construídos mesmo pelo legislador constituinte para que o cidadão possa defender-se dos desmandos das autoridades… tudo dentro da mais absoluta transparência e legalidade.

Agora, o que é inadmissível, são os argumentos lançados em favor do recadastramento dos advogados e da troca obrigatória e mediante pagamento, dos documentos de identificação. Trata-se de verdadeiro CONFISCO!!

Não basta dizer, como informa esse prestigiado “site”, atribuindo a afirmação ao insigne Conselheiro Raul Haidar, que “o número de advogados que exercem a profissão ilegal ou irregularmente é muito maior do que se imagina”. É preciso provar. Do contrário incidir-se-á na falácia já do “apelo à ignorância”, já do argumento “ad baculum.”

Demais disso, há nesta afirmação um grave equívoco: é impossível existir um número ingente de advogados exercendo ilegalmente a profissão, pelo simples fato de que se é advogado, não estará incorrendo no ilícito de exercer a advocacia. Se não é advogado, então a pessoa que a pratica estará incursa em contravenção penal e quiçá em delito de falso. Se o caso for de profissional licenciado, como a mencionada delegada de polícia, que teria utilizado sua carteira para

constranger um colega, “data maxima venia”, ´e preciso que se esclareça:

1) a ilicitude da conduta da delegada diz mais com o exercício da função pública que a impede de ter outra atividade do que propriamente com o exercício ilegal ou irregular da advocacia;

2) o colega que se deixa constranger com isso deveria submeter-se a um curso de como exercer a advocacia, atividade que exige da pessoa uma personalidade estrênua, de modo que se não acovarde diante de qualquer obstáculo;

3) a OAB tem de atuar nestes casos pela Comissão de Prerrogativas, aliás, para isto é que existe;

4) diversamente do que pretende o ilustre Conselheiro, não há na Lei 8.906/94, nem no Regulamento Geral, norma que obrigue o licenciado a devolver seus documentos de identificação profissional ao licenciar-se porque possa exercer outra função, seja pública ou privada, incompatível com a advocacia.

Volvendo, porém, ao busílis, a FADESP tem feito uma pesquisa junto a advogados exercentes da profissão há bastante tempo, e há um generalizado reconhecimento de que nunca ouviram falar em pessoa se apresentando com falsa identidade de advogado, com exceção de um único caso em que um advogado com mais de 35 anos de militância, soube de uma pessoa que na primeira tentativa de usar seu falso documento foi presa em flagrante.

Força convir, o atividade advocatícia que exige a exibição do documento de identidade profissional está relacionada a audiências com autoridades, por isso que o risco de se apresentar com um documento falso é demasiado grande para desestimular quem quer que cogite dessa aventura: apresentar-se perante um juiz, um delegado, um desembargador, com um documento falso… francamente, só numa imaginação fértil e destacada da realidade…

Por fim, dois argumentos por si sós imbatíveis: primeiro, se a OAB pretende empreender um recadastramento de seus inscritos, para formar um só banco de dados integrado, abrangente de todo o País, por que o não faz nas eleições vindouras de 2003? Esta a época mais oportuna, haja vista a obrigatoriedade do voto leva todos os profissionais às urnas. Segundo, por força do art. 13 do EA o documento de identificação profissional do advogado é de uso obrigatório, por isso pode-se dizê-lo, sem receio de errar, tratar-se de uma genuína ferramenta de trabalho. É dever da OAB outorgá-lo ao inscrito que tenha satisfeito os requisitos para obtenção de sua inscrição nos termos estritos do que preconiza o EA. Se pretende substituir esses documentos – os quais foram outorgados por prazo de validade PERMANENTE – deverá a OAB fazê-lo sem ônus para o advogado, eis que se cuida de substituição compulsória, e não da prestação de um serviço de confecção de uma segunda via por fato imputável ao próprio advogado.

O exemplo ventilado pelo ilustre Conselheiro, de que a Carteira Nacional de Habilitação deve ser trocada, o cartão de crédito também, não poderia ser mais infeliz e contrário mesmo aos argumentos por ele lançados em defesa da substituição.

A uma, a renovação da CNH decorre de expressa determinação legal, o que não acontece no caso dos advogados, para os quais a lei não obriga nem a troca nem a renovação de seus documentos. A duas, no caso da CNH, subjaz um fundamento importante, que nada tem a ver com a possibilidade de falsificação: trata-se da realização de exame de vista, um imperativo de segurança pública, já que o motorista que mal-enxerga oferece risco real, menos para si do que para a sociedade.

Além disso, quem usa carteira falsa não alimentará jamais a preocupação de renová-la segundo as regras legais. Apenas confeccionará outra, falsa também. No caso do cartão de crédito, a validade decorre da necessidade de se reavaliar o crédito do titular a partir da análise do histórico de sua utilização. Mas neste caso insta ressaltar, o novo cartão é enviado pelo correio e SEM NENHUM CUSTO ADICIONAL, mas inteiramente GRATUITO. Avulta, nada há que o homem faça e que não se sujeite a arremedos e falsificações. Prova disso é o papel-moeda. Por mais que se o cerque de elementos de segurança jamais conseguiu-se evitar a falsificação. O mesmo se diga em relação aos cartões de crédito, grassam pelas Delegacias inúmeras investigações a respeito da “clonagem”. E quantos serão os Boletins de Ocorrência pelo exercício irregular da profissão de advogado, ou pelo crime de falsificação de documento de identidade de advogado? Será a OAB a primeira entidade do mundo a conseguir a proeza de confeccionar um documento imune a contrafações?

Importa ressaltar, a ação dos falsificadores está diretamente ligada ou motivada pelo retorno ou resultado esperado com o objeto falsificado. Quem seria tão estulto a ponto de falsificar um documento de advogado? O que ganharia com isso? Uma causa que leva no mínimo 6 anos (para ser otimista) para transitar em julgado? Honorários, que hoje são mais um desestímulo de tão reduzidos, aviltantes da nobre profissão? Quantos advogados percebem, hoje, algo próximo de U$ 3.000,00 por mês (ou U$ 36.000,00 por ano, que é o quanto ganha um advogado mediano nos EUA), isto é, R$ 6.800,00 por mês??

Finalmente, foram tão imprescindíveis assim o recadastramento dos advogados e a substituição de seus documentos, mediante pagamento, tal como previsto nas Resoluções impugnadas e veementemente pretendido pelos dirigentes da OAB, por que não promover uma consulta aos advogados mediante plebiscito, de maneira democrática, sem embuços nem retaliações contra aqueles que se opõem aos anelos da classe dirigente???

Com estas palavras, espera-se ter esclarecido aos advogados a real intenção da FADESP, entidade representativa dos verdadeiros interesses dos advogados, de molde que se deixe de lado qualquer

debate político em torno do temário, para que fique restrito ao aspecto jurídico que deve mesmo ser realçado. O que não se pode evitar, naturalmente, são as conseqüências políticas de se tentar e propugnar em prol de uma medida ilegal, mas isto não pode nortear o debate.

São Paulo, 11/02/2002.

p.p. Sérgio Niemeyer

FADESP

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