Pirataria e contrabando

Naves: STJ contribui para enfraquecer as máfias de falsificação.

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27 de agosto de 2002, 20h25

Durante a abertura do “Seminário Nacional Contra Pirataria e Contrabando”, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Nilson Naves, disse que o STJ tem contribuído para o enfraquecimento das máfias de falsificação no território brasileiro. Segundo ele, os grupos que atuam neste segmento da economia informal não encontram respaldo do Poder Judiciário.

Para Naves, o governo brasileiro está tomando providências para combater a prática destes crimes. Ele citou a atuação do Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, e as operações de busca, apreensão e destruição de produtos pirateados efetuadas pelas Polícias Federal, Civil e Militar e pela Receita Federal.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Carlos Eduardo Moreira Ferreira, falou sobre os números da ação de grupos piratas no Brasil. Segundo ele, apenas o setor de vestuário contabiliza 500 mil falsificações de roupas por mês.

A Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), estima que os prejuízos com a falsificação cheguem a R$ 110 milhões por ano.

Moreira Ferreira assegurou que 50% dos CDs comercializados no Brasil “são piratas”. Ele afirmou que dados da Associação Brasileira das Empresas de Software indicam que para cada dez programas de computador em uso, apenas quatro são originais. “No ano de 2000, o prejuízo da indústria foi de da ordem de R$ 2,76 bilhões”, disse o presidente da CNI.

O ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ribeiro, afirmou que os números representavam “uma situação gravíssima para o país” por considerar que a ação de piratas tem ligação direta com o crime organizado.

Segundo ele, o governo brasileiro vai intensificar as ações contra esta modalidade criminosa. “O país que se moderniza na era do Plano Real precisa entender da necessidade da proteção à propriedade intelectual”, enfatizou o ministro.

O seminário é promovido pela CNI e pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). O evento termina nesta quarta-feira (28/8) com a realização de três painéis: “Propriedade intelectual e desenvolvimento”; “Políticas Públicas contra a Pirataria e o Contrabando”; e “Políticas Públicas contra a Pirataria e o Contrabando”.

Leia a íntegra do discurso do presidente do STJ, ministro Nilson Naves

Uma proposta ética: “Cidadania para o combate à pirataria”

Inaugura-se hoje, em Brasília, seminário que, em tempos de afirmação da soberania nacional, traduz as inquietudes das lideranças do setor público e do privado ante a crescente investida da pirataria no território pátrio. Arvora-se, em vista do tema proposto, a imperiosa necessidade de renovar discussões sobre as responsabilidades históricas da sociedade, da Justiça e do poder público relativas à participação política no combate a esse mal.

Conquanto seu significado execrável tenha permanecido incólume no decurso dos séculos, da embarcação à vela ao computador, a pirataria metamorfoseou-se, assumindo feições de crime organizado com emblema de tecnologia. E, porquanto expressiva a cultura brasileira, acenando com expectativas de lucros, vieram as máfias de falsificação a aportar à ilha de Vera Cruz no afã de grandes despojos.

Oportuno lembrar a severa mas verdadeira afirmação do editor-assistente da IstoÉ Lino Rodrigues (publicação de abril/ 2002): “a pirataria vai de vento em popa no Brasil”, e eu acrescentaria: gigantesca é a reportando-me às palavras de Paulo onda da “cultura caolha” que varre o mundo Rebêlo em texto veiculado pelo JB Online de 18 de abril. Encontram-se piratas, a todo momento, navegando na internet, sem limites nem fronteiras. Quando não, vêem-se caminhando a céu aberto, em megacentros, galerias comerciais ou indústrias.

O quadro há de ser melhor descrito na declaração de Jay Berman, presidente da Federação Internacional da Indústria Fonográfica, ao dar entrevista à Veja: “No Brasil, a pirataria já não tem mais a ver apenas com o sujeito que vende CDs falsificados numa banquinha de esquina. Ganhou dimensões industriais.”

Em face disso, advertências sobre os riscos de investimento no país projetam-se, com freqüência, em estatísticas divulgadoras do prejuízo anual da economia em receitas, mercê do mercado paralelo mantido pelos falsários. Refiro-me ao valor significativo de mais de 1 bilhão de dólares, só com relação às indústrias fonográfica, cinematográfica e de programas de computador (conforme dados veiculados pelo site Agência Estado em 15 de abril de 2002), cômputo que, infelizmente, coloca o Brasil entre os líderes da pirataria no mundo.

É válido ressaltar que a maior parte dos produtos reproduzidos ilegalmente cruzam nossas fronteiras por meio do tráfico comandado principalmente por máfias asiáticas. E o consumidor, alheio ao fato, em busca do menor preço, acaba financiando uma indústria criminosa.

Ao que cuido, a situação macula, de forma incisiva, a reputação do país. E, é evidente, isso tem suscitado questionamentos oriundos de todos os segmentos da sociedade quanto à atuação do poder público, quanto às leis e sua aplicação nesse caso específico.

É-me, pois, concedido encetar a gratificante tarefa de, neste momento, suscitar a lei. No Brasil, o direito autoral está amparado por um conjunto de leis cuja exegese ganhou, nos últimos cinco anos, maior expressão.

Baseando-se na Constituição e com fulcro nos princípios da Convenção de Berna, a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) atualizou e consolidou a legislação referente à propriedade intelectual, sobretudo por considerar como obras protegidas as criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas no que se incluem disco, livro, CD-ROM, em suporte tangível ou intangível; além disso, por prever a distribuição dessas obras banco de dados e outros, no que estão inclusas, portanto, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas as transmissões acessadas via internet.

A par desse diploma legal, o Código Penal brasileiro, em seu art.184, § 1º, também tipificou a prática de crime contra o direito autoral consistente na reprodução ilícita de obra intelectual, ou seja, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, com finalidade lucrativa.

Importante notificar a preocupação do legislador em buscar punir não só a pirataria, aí subentendida, mas também, ao estabelecer as normas insculpidas no § 2º, punir a distribuição desses produtos ao consumidor, preservando, dessa forma, o interesse público e as relações de consumo.

Ademais, o Brasil inclui-se entre os países que possuem legislação específica de proteção ao programa de computador. Trata-se da Lei nº 9.609/98, que estatui os direitos do autor e as normas referentes ao contrato de licença e à comercialização.

Ressalte-se que esse grupo de leis prescreve sanções penais e cíveis para os infratores. Embasado nesse entendimento, o Judiciário brasileiro, mormente o Superior Tribunal de Justiça, tem-se pronunciado a respeito da matéria, contribuindo para o enfraquecimento das máfias de falsificação em nosso território – é certo que ainda com alguma timidez, até porque, muitas vezes, o Judiciário se vê carente de provas. Mas lhes garanto, âncoras na Justiça a pirataria não tem.

Não posso dizer que o Estado esteja indiferente, pois providências têm sido tomadas pelas autoridades brasileiras. Impossível ofuscar a luz da lei e os reflexos das recentes conquistas jurídicas, tampouco deter a marcha de órgãos, a exemplo do Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, e as operações de busca, apreensão e destruição de produtos pirateados efetuadas pelas Polícias Federal, Civil e Militar e pela Receita Federal. Com essas ferramentas, espera-se fortalecer o cerco às organizações criminosas de falsificação, com o que estaremos transitando, a passos mais largos, do campo dos diálogos para o terreno promissor das realizações.

Mas urge lembrar: enquanto estiver o consumidor atrás de um “véu de ignorância”, estaremos a perpetuar o inacabado trabalho de Sísifo. Em outras palavras, não basta ter leis; é preciso a elas obedecer. Outrossim, não basta empreender fiscalizações; seria melhor delas não precisar. Há uma saída democrática para se combater a pirataria: o resgate de valores éticos do cidadão. Nesse sentido, assoma o papel da educação como primacial.

Sem omitir aqui as atribuições do Estado na luta contra a piratagem e a indispensável parceria da iniciativa privada com uma política de preços, lanço às autoridades presentes o desafio inadiável de se imbuírem da missão apostolar de difundir a lei por meio de um programa de prevenção mais efetivo, em campanhas de conscientização e projetos de educação, pois, diante do que pretendemos alcançar, para além de extinguir os efeitos da pirataria em nosso país, o mais importante é extirpar suas raízes em nossa cultura.

Aos organizadores, conferencistas e demais participantes deste Seminário os efusivos cumprimentos do Superior Tribunal de Justiça.”

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