Programas eleitorais

Candidatos devem esclarecer mudanças na CLT, propõe TST.

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23 de agosto de 2002, 17h08

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, propôs que os candidatos à Presidência da República esclareçam em seus programas de governo em quais pontos apóiam a flexibilização das leis trabalhistas. A proposta foi feita durante entrevista concedida sobre os 48 anos da morte de Getúlio Vargas — responsável pela criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) —, a serem completados sábado (24/8).

O ministro disse que espera que o futuro presidente abandone o projeto de flexibilização sem controle da Consolidação das Leis Trabalhistas, como está sendo defendido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Francisco Fausto garante que não é contra a flexibilização e lembra que o próprio TST vem flexibilizando normas trabalhistas por meio de sua jurisprudência, porém com critérios jurídicos e sociais. Segundo o ministro, não pode deixar de existir um organismo de controle das leis “Não acredito que os sindicatos brasileiros tenham representatividade autêntica para defender os interesses do trabalhador. Temos visto que muitos deles têm agido de maneira pouco coerente em vários processos em tramitação no Poder Judiciário”, afirmou.

O ministro citou os exemplos da Alemanha e França, onde só é possível a flexibilização de direitos dos trabalhadores quando as empresas provam ao governo que estão em situação econômica difícil. Na Suíça, por exemplo, qualquer mudança na legislação trabalhista é analisada por um órgão tripartite, com representantes do patronato, trabalhadores e governo.

O presidente do TST acrescentou que os presidenciáveis deviam investir na questão social tanto quanto fizeram até agora com a questão econômica. “A preocupação com o social e os problemas trabalhistas também deve estar refletida no discurso do futuro presidente nas conferências e debates internacionais”, afirmou Francisco Fausto.

Leia a íntegra da entrevista do ministro concedida à Rádio Rio 1440:

Que importância o Sr. atribui à CLT na histórica relação entre empregado e patrão?

A projeção da figura de Getúlio Vargas na história do trabalhismo brasileiro é muito forte. E uma das principais é exatamente a edição da Consolidação das Leis do Trabalho há praticamente 60 anos. A CLT, nesse tempo todo, vem servindo de grande código para a defesa dos direitos trabalhistas no Brasil.

Na verdade, ela tem sofrido algumas investidas no sentido de se extinguir o seu texto, revogá-lo, etc. Mas ela resiste no tempo. Por quê? Porque ela é um documento permanente, de grande eficácia na defesa das relações trabalhistas. Getúlio Vargas lançou a CLT com intuito exatamente de fazer com que a questão social também prevalecesse no cotejo com a questão econômica. Infelizmente hoje, no Brasil, a questão econômica é que tem sido um pouco mais forte e as questões sociais têm, às vezes, sido relegadas a um segundo plano. Mas é preciso investir nesta área e acredito que os próximos governos, os próximos presidentes da República possam fazer isso.

Que tópicos da CLT o Senhor destacaria?

A grande força da CLT foi exatamente colocar o trabalhador em posição de igualdade no que diz respeito à categoria econômica, ou seja, ao patronato. Ela privilegia essas categorias profissionais de um modo muito aberto, muito seguro mas, sobretudo, ela é um código que se projeta como legislação das leis universais. Ela surgiu exatamente em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, quando as coisas começavam a se ajustar na economia do mundo.

Havia uma perspectiva de que o fim da guerra trouxesse grandes novidades. E trouxe, para o Brasil principalmente, porque Getúlio Vargas também foi o criador, o incentivador, o estimulador da indústria brasileira. Por isso mesmo a CLT foi feita apenas para a área urbana, ela não alcançava, naquela época, a área rural.

O Brasil era um País eminente agrícola. Na área rural, as questões eram resolvidas de maneira mais suave. Mas o grande desafio que se colocava para Getúlio Vargas era resolver a questão social na área urbana. Foi isso que ele fez.

O senhor considera que a CLT está desatualizada?

A CLT não pode estar desatualizada. Veja bem, nunca tivemos um código de trabalho. Temos uma consolidação de leis. Quando se falou na possibilidade de um código de trabalho, o que se disse? Não, um código parece um documento, um monumento mais rígido, mais inflexível. Devemos ter uma consolidação das leis do trabalho. Por quê? Porque é possível, a todo tempo, modernizá-la. E é isso que vem sendo feito.

Quais as mudanças já feitas?

Um exemplo de modernização feita na CLT trata exatamente da questão da estabilidade no emprego. A estabilidade no emprego era uma amarra muito grande que os empregadores temiam, etc. Ela foi substituída, e com vantagem, hoje, todos reconhecemos, pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

A CLT se modificou no que diz respeito ao trabalho da mulher e ao trabalho do menor. A CLT se modernizou, e muito, no que diz respeito ao tipo de contrato de trabalho entre empregado e empregador. Esta é que é a verdade. De dois em dois meses, no mínimo, publica-se uma nova CLT por meio de editoras especializadas. E nunca é a mesma CLT, ela sempre traz uma novidade; portanto, ela vem sendo modernizada. O problema é que, quando se fala em modernizar a CLT o que se pretende mesmo é extinguir direitos. E isto é que está errado. É contra isto é que devemos lutar.

A flexibilização das leis do trabalho atende a que interesse?

Na verdade, não vejo o interesse do trabalhador protegido pela flexibilização incontrolada. Creio que a flexibilização é possível de ser feita sim, é claro. Vivemos em um mundo moderno, em permanente evolução. O que se diz é que a velocidade da civilização exige providências enérgicas e imediatas. Então, a flexibilização é possível, sim, mas com um instrumento de controle.

O projeto do governo que está hoje no Congresso Nacional não prevê um instrumento de controle para os acordos que flexibilizam a legislação trabalhista. Esses instrumentos de controle existem em países altamente civilizados como a Alemanha e França. Na Alemanha só se pode fazer a flexibilização se a empresa provar dificuldade econômica. Na França também é assim. Na Suíça, que é um país moderníssimo, também um país de legislação trabalhista muito rígida, existe um conselho nacional tripartite para fazer o controle da flexibilização nos contratos coletivos. É possível fazer, então, essa flexibilização sem controle no Brasil? Será que vamos aceitar a idéia de que o trabalhador brasileiro está mais avançado, mais modernizado do que o trabalhador alemão, francês ou suíço? Não acredito.

O trabalhador não teria motivos para defender essa flexibilização?

De maneira nenhuma. A não ser que ela ocorra de maneira controlada, como acabei de dizer. E posso até adiantar que, na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, já fazemos a flexibilização. Dou sempre o exemplo do piso salarial instituído para menores de 18 anos.

A lei diz que não pode haver diferença de salário por motivo de sexo, idade, etc. No entanto, flexibilizamos porque, naquele momento, aquela convenção coletiva que instituiu um piso diferenciado, servia para gerar empregos e isso foi claramente provado dentro de seu texto. E, aí, é possível fazer a flexibilização porque ela atende aos interesses do trabalhador.

Em época de neoliberalismo, a participação e a importância dos sindicatos parecem ser cada vez menores. Não seria a hora de as centrais sindicais poderem negociar em nome dos trabalhadores?

Creio que as centrais sindicais devem ser legalizadas. Ainda no meu tempo de Juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco, defendi a participação da CUT nas negociações coletivas e dissídios coletivos. Eu admitia que eles participassem das audiências públicas porque entendia que a CUT tinha mais representatividade do que muitos sindicatos.

Então, penso que, de fato, as centrais sindicais precisam ser legalizadas, mas o que precisamos mesmo é de uma ampla reforma, aí sim, na organização sindical brasileira no sentido de desatrelar o sindicato do Estado, acabando com o imposto sindical, e com todos os instrumentos de controle que o governo exerce sobre o sindicato. Isso deve acabar. O sindicato deve ser altamente livre e representativo.

Quais seriam as conseqüências da chamada flexibilização das relações do trabalho, como querem os governos neoliberais, para o futuro dos trabalhadores no Brasil?

A flexibilização sem controle é a anarquia na área trabalhista. Ela apenas vai instituir a anarquia na medida em que tira direitos dos trabalhadores quando se sabe que a instituição de direitos dos trabalhadores visa o quê? Visa o equilíbrio das relações de trabalho. O trabalhador é hipossuficiente, é aquele que está em situação de desvantagem em face da ordem econômica.

O que se pergunta é o seguinte: quando se instituiu a legislação trabalhista, ela pretendia exatamente fazer com que houvesse esse equilíbrio. O que se pergunta, agora, é o seguinte: será que hoje a ordem econômica é menos agressiva? Penso o contrário. A ordem econômica é mais agressiva, o imperialismo econômico se fantasia hoje de globalização e torna-se mais agressivo ainda. Então, é preciso que o trabalhador tenha essa CLT como seu instrumento de defesa.

Nesse contexto, se justificaria ainda mais o caráter protecionista da CLT em relação ao trabalhador, não?

Não tenho nenhuma dúvida. Veja bem, no Brasil de hoje tem proliferado o subemprego e pior do que isso. Recebi no meu gabinete da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, a visita de uma comissão integrada por representantes da Pastoral da Terra, Ministério Público e até da OIT.

E elas me trouxeram notícias, fatos concretos com relação a trabalho escravo no Estado do Pará. Trabalho escravo no Brasil central. E, pasmem, trabalho escravo em duas cidades do sul do País; uma no Rio Grande do Sul e outra em Santa Catarina. Então, em uma fase como esta em que o trabalhador ainda sofre esse tipo de pressão da ordem econômica, como é que se pode querer extinguir os seus direitos trabalhistas ou retirar a tutela do Estado? É impossível.

Do ponto de vista do interesse do trabalhador, como o Sr. vê a possível adoção da ALCA, a Área de Livre Comércio das Américas?

Creio que todas essas organizações internacionais funcionam apenas no sentido da economia. O que elas querem é proteger o capital. Se vai aderir à ALCA ou não, isso é um problema de governo, é uma questão de governo e temos de analisar isso também sob o aspecto político. Mas, se vai aderir à ALCA, ao MERCOSUL, ou coisas assim, o que o governo tem de fazer?

Tem de procurar instituir instrumentos de proteção para o trabalhador brasileiro, do contrário estaremos gerando mercado para trabalhadores de outros países, dos países fortes, que dominam o mercado. Essa deve ser a preocupação do Governo brasileiro. O trabalhador brasileiro deve ser altamente protegido para que o mercado internacional não signifique o esmagamento das suas reivindicações sociais

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