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Advogado não tem acesso ilimitado ao inquérito, decide STJ.

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22 de agosto de 2002, 10h52

O Superior Tribunal de Justiça resolveu uma questão polêmica nos últimos dias durante julgamento marcado por intenso debate. Até que ponto o advogado pode ter acesso ao inquérito policial para fazer a defesa de seu cliente?

O questionamento foi respondido pela Segunda Turma do STJ. A Turma, por três votos a dois, entendeu que o desenvolvimento das investigações do inquérito policial pode ocorrer de forma sigilosa, não caracterizando cerceamento de defesa para os envolvidos.

O entendimento da ministra Eliana Calmon, relatora do processo, serviu para negar recurso em Mandado de Segurança do advogado Edson Junji Torihara contra decisão do juiz da 1ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu (PR). Ela foi acompanhada pelos ministros Franciulli Neto e Laurita Vaz.

O julgamento do processo foi interrompido, na semana passada, por um pedido de vista do ministro Paulo Medina. Ao apresentar seu voto, Medina defendeu entendimento contrário ao da ministra relatora.

Segundo Medina, o sigilo do inquérito policial não pode interferir no exercício da advocacia feito “por defensor regularmente constituído, detentor de instrumento de procuração conferido pelo indiciado”.

Em uma detalhada análise, o ministro destacou o “perigo” de interpretar o direito de modo a “sempre” privilegiar o Estado em detrimento das garantias asseguradas ao cidadão. “A hipótese dos autos está a ensejar redobrada atenção do aplicador do direito no resguardo das liberdades e garantias individuais, tão caras a este Tribunal da Cidadania, sob pena de triunfo do arbítrio e do autoritarismo, característicos do não tão distante período da ditadura”.

Medina destacou, ainda, que considerar o acesso dos advogados aos autos do inquérito policial como procedimento passível de causar transtornos às investigações do Poder Público seria ofensivo à advocacia. “Ao que tudo indica, o acórdão pressupõe o exercício patológico da profissão, desconsiderando a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça”, afirmou. O ministro Peçanha Martins acompanhou o voto dissidente de Medina, mas ambos ficaram vencidos.

Acesso limitado

A ação judicial iniciou quando o advogado Edson Torihara, no exercício da função, solicitou pedido de vista e extração de cópias dos autos do inquérito policial para a preparação da defesa de um de seus clientes. O juiz da vara criminal negou ao advogado o acesso ao relatório da polícia, alegando o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, também conhecido como princípio da proporcionalidade, uma vez que as investigações podem envolver questões que põem em risco a segurança da comunidade.

Inconformado, Torihara e seu sócio recorreram ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Afirmaram que a Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) garante ao advogado constituído o direito de vista dos autos do inquérito policial. No Mandado de Segurança, os sócios também ressaltaram não haver conflito entre o interesse público e o privado no caso em questão “porque o direito do livre exercício profissional é assegurado na Constituição Federal, revelando-se como garantia de interesse público, impondo limites à atuação estatal, evitando arbitrariedades”.

O TRF, por maioria, denegou a segurança por entender que o inquérito policial “é um dos poucos poderes de autodefesa próprio do Estado no combate ao crime”. A decisão esclareceu que a regra do Estatuto da Advocacia que permite amplo e irrestrito acesso do advogado aos autos deve ser interpretada levando em consideração a supremacia do público sobre o privado. Deve haver restrição a publicidade nos casos em que o sigilo das investigações seja imprescindível para apuração do crime e sua autoria, segundo a decisão. “Sob pena do procedimento investigatório tornar-se inócuo”, enfatizou.

Os advogados, então, entraram com RMS no STJ, onde pretendiam reverter a decisão desfavorável da segunda instância. Entretanto, o voto da ministra Eliana Calmon enfatizou que o entendimento do TRF foi “de absoluta correção” e rejeitou o recurso de Torihara e seu sócio.

Segundo a relatora, o fato de o defensor nomeado não ter conhecimento dos depoimentos do investigado e das testemunhas antes do interrogatório feito pela autoridade policial não constitui cerceamento de defesa. “O inquérito policial é um procedimento de investigação de natureza administrativa e inquisitorial, que objetiva apurar a existência de fatos que, em tese, configuram crime, bem assim a sua autoria. Dentro deste enfoque, não há agressão ao princípio do devido processo legal e da ampla defesa, o desenvolvimento das investigações em caráter sigiloso”, concluiu.

Processo: RMS 12.516

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