Reforma penal

Juiz que preside instrução deveria ser o mesmo que sentencia

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19 de agosto de 2002, 12h28

No que concerne aos procedimentos (que definem a seqüência dos atos processuais, suas formas e seus prazos) hoje o Código de Processo penal os divide em comum (para os crimes punidos com reclusão) e especiais (júri, sumário, crimes contra funcionários etc.). As sugestões apresentadas pela Comissão nessa área visam a celeridade e concentração, porém, sem menosprezar as garantias da defesa.

Fundamentalmente, as grandes novidades são: (a) previsão de defesa preliminar em todos os casos (defesa antes do recebimento da denúncia); (b) possibilidade de absolvição sumária logo no princípio da ação; (c) uma só audiência (onde serão produzidas as provas, feitos os debates e a proferida a sentença).

A defesa preliminar tem a vantagem de eliminar desde logo os casos mais aberrantes (leia-se: de acusação sem prova mínima que revele a sua seriedade). De outro lado, quando a prova é inequívoca sobre a legítima defesa, por exemplo, faculta-se a imediata absolvição, sem necessidade de se submeter o acusado a um longo e moroso processo.

Na atualidade, em média, três ou quatro audiências são realizadas durante a instrução processual. A proposta conduz à concentração de tudo numa só audiência, com o interrogatório do acusado no final. Sentindo-se o juiz habilitado, proferirá imediatamente a sentença. Prestação jurisdicional ágil, com respeito ao devido processo legal: é o que se almeja.

O procedimento comum passa a ser ordinário (crimes com pena superior a quatro anos), sumário (crimes até quatro anos) e sumaríssimo (infrações de menor potencial ofensivo). As diferenças entre o ordinário e o sumário são as seguintes: número de testemunhas (8 e 5, respectivamente), não se permite adiamento da audiência no sumário e podem as alegações finais ser escritas no ordinário.

De tudo quanto se propõe, uma grande e importante novidade é a introdução do princípio da identidade física do juiz, isto é, o juiz que preside toda a instrução deve ser o mesmo que vai sentenciar. Isso hoje nem sempre é observado (no âmbito penal) e é um absurdo, porque o juiz que colhe as provas tem maiores possibilidades de alcançar o julgamento mais justo.

Com o escopo de atingir a meta reparatória dentro do processo penal, prevê-se que o juiz, na sentença condenatória, deve desde logo fixar um quantum de indenização em favor da vítima, que pode ser executado imediatamente após o trânsito em julgado, sem prejuízo de se postular no cível eventual diferença.

Modifica-se a sistemática da mutatio libelli, isto é, se o fato provado for diferente do narrado, sempre deverá o acusador aditar a peça acusatória, facultando-se nova defesa e só depois disso pode o juiz sentenciar.

Outras importantes modificações (procedimentais) são as seguintes: (a) admissibilidade da citação por hora certa (quando o acusado está se furtando à citação); (b) quando o juiz suspende o processo no caso de réu citado por edital suspende-se também a prescrição, por um período prescricional (tendo em conta a pena máxima cominada ao delito); (c) cabe ao juiz decidir sobre a antecipação da prova, no caso de suspensão do processo; (d) nenhuma prova pode ser colhida sem a presença do Ministério Público e de defensor nomeado.

Rapidez procedimental, concentração dos atos instrutórios, asseguramento do direito de defesa: a isso conduzirão as modificações sugeridas pela Comissão de Reforma do CPP.

Aliás, todas essas propostas têm a preocupação de conciliar os dois valores fundamentais do moderno processo penal que são o garantismo e a efetividade. Aquele, como diz a Professora Ada Pellegrini Grinover, “visto tanto no prisma subjetivo dos direitos das partes, e sobretudo da defesa, como no enfoque objetivo da tutela do justo processo e do correto exercício da função jurisdicional”; esta “na visão instrumental do sistema processual, posto a serviço dos escopos jurídicos, sociais e políticos da jurisdição, que são o de atuação da vontade concreta da lei penal, de pacificação com justiça e de abertura à participação, dentro do processo e pelo processo”.

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  • Brave

    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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