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Estudo comparativo das leis anti-spam nos EUA

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19 de agosto de 2002, 20h19

Num dos últimos artigos que escrevi para minha coluna no site Infojus (também publicado pela Revista Consultor Jurídico), abordei os principais aspectos do projeto de lei federal que atualmente tramita perante o Congresso norte-americano, o “Can Spam Act”, que impõe uma série de exigências para o envio de e-mail com propósitos comerciais e cria várias penalidades para o descumprimento dessas exigências, que vão desde multa até mesmo pena prisional. Esse projeto, apresentado em março deste ano, resultou da forte pressão exercida nos últimos cinco anos sobre aquela casa legislativa por advogados e representantes de organizações anti-spam (como a “Junkbusters” e a “Coalition Against Unsolicited Commercial Email – CAUCE), que inspiraram um movimento político que hoje se espalhou por todo o mundo. Ao longo da última década, o spam deixou de ser apenas um expediente aborrecido para se tornar assunto de política pública.

Para alguns leitores pareceu que os Estados Unidos estão bem atrasados na regulamentação dessa importante questão, talvez até perdendo para nós, que temos vários projetos junto ao Congresso Nacional tratando sobre a questão do spam, apresentados desde legislaturas passadas. Na verdade, os esforços recentes da “Junkbusters” e da “CAUCE” têm sido no sentido de alçar alguns princípios e práticas anti-spam ao nível da legislação federal, de forma a harmonizar e uniformizar as exigências espalhadas pelas legislações dos diversos Estados-membros da federação norte-americana. A quase totalidade dos Estados já tem sua própria legislação. Desde 1998, vários Estados buscaram proteger seus residentes de mensagens comerciais eletrônicas não solicitadas, editando leis no vácuo de uma legislação federal sobre a matéria. Embora muitas tenham adotado requisitos semelhantes, existem bastantes diferenças entre elas, o que propicia muita confusão aos profissionais e agentes do meio publicitário e retarda a utilização potencial do e-mail como legítima ferramenta de marketing.

Atualmente, 19 Estados da federação norte-americana têm algum tipo de regulamentação do e-mail comercial. O primeiro Estado a editar uma lei sobre esse assunto foi Washington, no começo do ano de 1998. A partir daí, vários outros e influentes Estados, como Califórnia e Virgínia, editaram suas próprias leis anti-spam.

Poucas dessas leis proíbem completamente o spam, ou seja, elas permitem que comerciantes e marketeiros on line enviem e-mails não solicitados. O que elas combatem fundamentalmente é a mensagem eletrônica fraudulenta ou enganosa, pois aderem ao princípio do “truth in labeling”, que poderíamos traduzir para alguma coisa perto de “rotulagem honesta”. Em atenção a esse princípio, os remetentes de uma mensagem não consentida devem indicar ou fornecer meios para que o destinatário identifique facilmente o seu caráter comercial. A lei do Estado de Washington, por exemplo, proíbe informações enganosas no cabeçalho da mensagem. Em face dela, uma empresa não pode enviar um e-mail contendo o título do “subject” (assunto) sem relação com o corpo da mensagem. A lei do Estado da Califórnia, nesse ponto, é bem mais rigorosa, pois exige que o espaço do “assunto” – no cabeçalho da mensagem – contenha necessariamente a sigla “ADV”, abreviatura da palavra “advertisement”, que em inglês significa propaganda. Além de exigir essa abreviatura para assinalar a natureza comercial da mensagem, outras leis ainda exigem que seja seguida do complemento “ADLT”, para evidenciar também o caráter adulto do seu conteúdo. Assim, o rótulo “ADV: ADLT” sempre deve aparecer no campo do “assunto” na publicidade de produtos e serviços destinados ao público adulto.

Além dos requisitos referentes às informações do cabeçalho da mensagem, outros são exigidos nas leis americanas sobre spam. A maioria delas requer algum tipo de sistema “opt-out”, para permitir que o destinatário evite o recebimento de futuras mensagens. Abaixo, apresentamos uma lista dos principais requisitos impostos por essas leis para a regularização do e-mail comercial:

ESTADO: EXIGÊNCIAS DA LEI PARA O E-MAIL COMERCIAL

California: Rotulagem/ sistema opt-out

Colorado: Rotulagem/ sistema opt-out

Connecticut: Princípio geral da informação honesta

Delaware: Princípio geral da informação honesta

Idaho: Endereço de e-mail correto/ sistema opt-out

Illinois: Princípio geral da informação honesta

Iowa: Endereço de e-mail correto / sistema opt-out

Louisiana: Endereço de e-mail correto

Missouri: Sistema opt-out

Nevada: Rotulagem / sistema opt-out

North Carolina: Endereço de e-mail correto

Oklahoma: Endereço de e-mail correto

Pennsylvania: Rotulagem (apenas para conteúdo adulto)

Rhode Island: Endereço de e-mail correto

Tennessee: Rotulagem/ sistema opt-out

Virginia: Endereço de e-mail correto

Washington: Princípio geral da informação honesta

West Virginia: Princípio geral da informação honesta

Wiscconsin: Rotulagem (apenas para conteúdo adulto)

(Nota: dados atualizados até 01 de janeiro de 2002).

Um dos pontos altos dessas leis reside nos instrumentos que procuram dotá-las de eficácia. Quase todas contêm a previsão de o destinatário prejudicado pela mensagem poder acionar o spammer. Só que na grande maioria delas os valores previstos para as indenizações são tarifados; obedecem quase sempre a um limite máximo. Exceto em poucos Estados, esse limite não ultrapassa dez dólares por mensagem enviada. Isso faz com que, na prática, os destinatários se sintam desestimulados a acionar os spammers. Por isso, ao lado da previsão do direito de ação da própria vítima do spam, as leis conferem largos poderes a outros atores públicos e privados no combate a essa prática. Muitas delas atribuem aos Procuradores Gerais dos Estados (state attorneys) o poder de multar os infratores, aí sim em altos valores. Além disso, praticamente todas elas permitem que os provedores de acesso à Internet acionem os usuários de seus sistemas, quando estes enviam mensagens violando as condições contratuais, praticamente conferindo força de lei às suas políticas de uso anti-spam. A maioria das leis estabelece um valor de dez dólares por cada mensagem enviada, a título de indenização ao provedor. Outras, no entanto, permitem que sejam indenizados em até mil dólares por mensagem. Outras, ainda, chegam até vinte e cinco mil dólares como limite do valor indenizatório e umas poucas nem sequer estabelecem qualquer tipo de tarifação para a reparação dos danos. Isso, na prática, funciona estimulando os provedores a policiarem as práticas de seus usuários, atuando nos casos de reclamações de vítimas de spam. Desse modo, se o sistema legal não incentiva as ações judiciais individualmente pelas vítimas dos spammers, estes quase nunca escapam a algum tipo de punição. Quando uma empresa comete uma violação legal, pode defrontar-se com um procurador geral, enfrentar uma ação coletiva ou uma demanda movida pelo provedor de acesso, e ser obrigada a pagar milhares de dólares (ou até milhões, nos Estados em que as indenizações não são limitadas).

A constitucionalidade dessas leis tem sido questionada nas cortes americanas, sob a alegação de que constituem um empecilho ao comércio interestadual e atentam contra a liberdade de expressão (“free speech”), sem sucesso. Em 1998, o Estado de Washington acionou um spammer pela remessa de e-mails com a linha do “assunto” contendo título enganoso, que não correspondia ao real caráter comercial da mensagem. Depois de ser derrotado na primeira instância, o infrator apelou para a Corte de apelações, sendo vencido novamente, indo até a Suprema Corte dos EUA, que, no entanto, recusou-se a apreciar a causa, deixando intacta a lei estadual. Em junho de 2000, o Estado da Califórnia foi vencido num julgamento de primeira instância, que considerou que sua lei anti-spam violava disposição do código comercial. A Corte de Apelação, no entanto, reverteu esse julgamento, validando a regulamentação do spam na Califórnia.

Em razão do reconhecimento (ainda que temporário) da constitucionalidade das leis estaduais, o advogado Douglas J. Wood aconselha que as empresas americanas, na remessa de e-mails comerciais, devem observar os seguintes cuidados:

a) rotular o e-mail como publicidade comercial;

b) certificar-se de que a linha do “assunto”, no cabeçalho, reflete o conteúdo da mensagem;

c) usar um endereço de e-mail válido para o envio das mensagens;

d) fornecer aos destinatários um sistema “opt-out” para evitar o recebimento de futuras mensagens, quer por simples meios on-line ou através de um número telefônico toll-free.

Essas recomendações deveriam ser observadas, também, pelas nossas empresas que exploram o e-mail como ferramenta publicitária. Ainda que não tenhamos (por enquanto) uma lei brasileira sobre spam, elas estão assumindo uma feição de princípios universais. Estão sendo acolhidas paulatinamente em leis de diversos países e instrumentos normativos auto-regulatórios de associações empresariais, não tardando a sua inclusão em convenções e tratados internacionais. Além disso, o spam tem sido combatido com base na legislação tradicional vigente, notadamente o Código de Defesa do Consumidor, que acolhe princípios contra a publicidade enganosa. Vários casos já foram relatados de advogados que estão processando, aqui no Brasil, empresas que abusaram da prática do spam. Para aqueles que não querem pagar futuras indenizações, um conselho: é bom se prevenir.

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