Lixo eletrônico

Sistema opt-in: melhor estrutura legal para o controle do spam

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16 de agosto de 2002, 14h45

A mensagem não solicitada, enviada por e-mail, atualmente também atende pelo nome de spam. Mas para ser caracterizada assim é necessário também que ela tenho conteúdo comercial. Suas conseqüências são problemáticas, não somente para os usuários de e-mail, mas também para provedores de Internet.

Deve-se lembrar que, para se ter acesso à Internet, é necessário pagar por ele. Mesmo que se use um provedor gratuito, ainda há custos para completar o acesso. Por outro lado, os provedores também pagam por uma grande estrutura para fornecer o acesso, calculada principalmente pelo volume de informações que transitam por ele. Assim, o spam atinge, de uma só vez, essas duas estruturas, pois impõe ao usuário de e-mail um maior custo telefônico para receber mensagens, e impõe ao provedor um gasto maior devido ao aumento dos e-mails que circulam pela rede (1).

O fornecimento de e-mail pode ser comparado ao fornecimento de um número de telefone para contato, e há a expectativa de que não ocorrerá abuso em sua utilização. Afinal, tanto o e-mail quanto o telefone servem para facilitar a comunicação. Encontrar sinal de telefone ocupado com freqüência ou retorno de e-mail por causa de caixa postal cheia é sinal de problemas na comunicação, e não são agradáveis para os usuários.

O problema é que nem sempre os telefones retornam sinal de ocupado por o usuário estar ocupado atendendo uma ligação de telemarketing, mas normalmente o retorno de e-mails por transbordamento de caixa postal se dá pela ocorrência de spam. O e-mail não solicitado se mostra cada vez mais invasivo e pouco prático, dificultando a comunicação pelo seu excesso. Já existem relatos de pessoas com receio de não conferir e-mails durantes as férias com medo do excesso de spam, que ocupará todo o espaço do servidor destinado ao armazenamento de mensagens, inviabilizando o recebimento de mensagens importantes (2).

Spam x mala direta

Outra questão interessante é a comparação do spam com mala direta, o que, em princípio, pode gerar a aceitação do spam como instrumento que faz parte da relação de consumo. Tal noção, embora conte com uma decisão judicial no Brasil (3), é totalmente equívoca, e ainda ofensiva aos profissionais de marketing que elaboram malas diretas.

Há diversas diferenças entre o spam e a mala direta (4), a começar pela questão do custo, pois quem recebe mala direta não paga o correio, mas quem recebe spam deve pagar pela conexão. Seria como se alguém recebesse uma ligação a cobrar fazendo propaganda de um produto.

Não podemos esquecer que a mala direta é enviada de acordo com o perfil do consumidor, e elaborada de forma a tornar a marca atraente e atingir o público-alvo sem grandes distorções. Tal não ocorre com o spam, pois é comum o recebimento de mensagens totalmente descabidas, como a oferta de produtos masculinos para o público feminino, ou vice-versa. Para completar o absurdo, as mensagens não são atraentes, diminuindo o mérito do produto e seu potencial de consumo, isso se forem escritas na língua do usuário, pois é comum o recebimento de spam cuja área de incidência do produto anunciado é totalmente diferente do local onde vive a vítima que o recebeu.

Outra diferença é a obtenção dos endereços para o envio de spam. A mala direta conta com bancos de dados detalhados, identificando precisamente seu público consumidor. Já o spam é feito normalmente por meios escusos, como a obtenção de listas de e-mail em cd-rom, ou o acesso aos e-mails cadastrados em bancos de dados de empresas, que repassam o e-mail de seus clientes muitas vezes sem que eles o saibam (ou obriguem os usuários a cedê-los como forma de acessar o conteúdo do site). As possibilidades são inúmeras, e envolvem sempre a violação de privacidade do usuário, mas o fato é que os spammers banalizam o e-mail e tratam o destinatário como apenas mais um recebedor de spam em uma lista de milhões. Se por um acaso, atingir o público-alvo, o resultado é considerado excelente, e se tal não ocorrer, os prejuízos foram mínimos. Ou seja, o respeito ao consumidor, que, em tese, ocorre na mala direta, não ocorre no spam.

Spammers x publicitários

Algo que chama a atenção é o fato de os spammers não admitirem que o são. Sabem-se tão odiados que não assumem suas atividades. Pretendem ter a exposição de uma estrutura publicitária séria, mas se escondem no anonimato de um programa de e-mail.

Na verdade, o spammer é um oportunista, deseja ganhar dinheiro facilmente ou promover rapidamente o seu produto. Não tem conhecimentos de publicidade, nem de marketing. Compra listas de e-mails, envia mensagens sem sequer conhecer o perfil dos destinatários, e espera obter algum lucro. Dificilmente se pode crer que um spammer seja um empresário sério, com um produto sério, ou tenha aplicado um mínimo de marketing na elaboração de sua mensagem. Em muitos casos, o e-mail disponibilizado para contato é falso, destruindo a confiança do destinatário e aumentando as suspeitas de estelionato.


Por outro lado, há publicidade séria na Internet. E ela é feita por publicitários, com conhecimento de técnicas de marketing e estatísticas sobre consumo. Banners e janelas pop-ups são criadas de forma racional, visando atrair o internauta e incrementar o consumo do produto ofertado, inclusive facilitando o contato dos clientes através de e-mail (que não costuma ser falso), telefone ou atendimento on line.

Assim, embora possamos criticar duramente a publicidade na Internet (posto que na sua origem a Grande Rede era acadêmica, e a proliferação comercial dos últimos tempos se mostra uma afronta a esses princípios), devemos nos lembrar de que um spammer é muito pior que um publicitário. Anônimo, falso, pouco profissional, e ainda força os destinatários de sua mensagem (que deveriam ser os futuros consumidores de seu produto) a pagar para receber sua “preciosa” propaganda. Com tantas qualidades negativas, é de se desconfiar da eficácia de leis que pretendem, como respeito aos consumidores, a identificação completa do spammer, com endereço real e eletrônico para contato.

Spam e consumo

O respeito ao consumidor, na verdade, é totalmente ignorado pela estrutura publicitária moderna, sendo absorvido pelo incentivo desenfreado ao consumismo. Nesses termos, temos a observação de Renata Maldonado da Silva Lyra:

O discurso ideológico do consumismo afirma que a principal finalidade da vida dos indivíduos é comprar. Nas sociedades contemporâneas, este comportamento foi naturalizado. As pessoas crêem que a vida resume-se ao que podem consumir. Trata- se de uma ideologia que é incentivada pelas mídias e foi incorporada pela grande maioria da população urbana. O consumo tornou-se o centro da vida e atualmente, constitui uma das principais finalidades da existência.” (5)

Assim, em vez de valorizar o consumidor, a publicidade atual valoriza a superexposição e o consumismo, utilizando todas as formas de mídia disponíveis para tanto. E seus idealizadores não percebem que a publicidade excessiva se torna irritante e inconveniente. É comum, nas grandes cidades, a poluição visual causada por out-doors e anúncios nos locais mais exóticos, como a descaracterização de fachadas de prédios residenciais ou cartazes autorizados no ponto de ônibus.

Tal poluição publicitária também é encontrada na Internet, mas de formas variadas. Pode ocorrer com banners que conduzem a sites comerciais, ou serviços gratuitos para o usuário (como e-mail ou listas de discussão) que incorporam peças publicitárias simples no corpo das mensagens originadas por esses serviços. Ou pode ocorrer da pior forma possível, através do spam. Se considerarmos ainda a possibilidade de haver spam em redes de telefonia celular, como já ocorre no Japão (que já tem lei anti-spam) (6), essa forma de se pretender a transformação de ser humano em robô consumista chega a ser ultrajante.

Acrescente-se a isso a questão da privacidade do destinatário. As formas de publicidade, por mais excessivas que sejam, normalmente ocorrem em espaços públicos, só permitindo ao destinatário se afastar do local. Já o spam invade o espaço íntimo do destinatário, interferindo em seu e-mail sem a sua permissão, sobrecarregando sua caixa postal, lhe causando custos financeiros, e destruindo o que deveria ser um espaço privado.

Se infelizmente não há ainda como impedir o excesso de publicidade a que somos brutalmente submetidos diariamente, torna-se necessário limitar esse excesso, e encontrar soluções para, ao menos, resolver os problemas causados pelo spam. Assim, analisaremos algumas respostas já existentes ou em andamento, e que podem ajudar a reerguer o espaço privado destruído pelo spam.

Soluções jurídicas já existentes

A solução dos Estados Unidos, seguindo sua tendência legislativa, foi a criminalização do spam, conforme nos relata Demócrito Reinaldo Filho, em artigo no qual analisa o projeto norte-americano (7). Discordamos da criminalização, pois não é necessário chamar o Direito Penal quando se pode ter soluções administrativas mais apropriadas ao caso. Porém, chama a atenção, tanto no projeto norte-americano quanto no brasileiro (8), a adoção do sistema opt-out, no qual é necessária a vontade do usuário para impedir o envio de novas mensagens. Ou seja, ele recebe os spams e, se não mais desejar recebê-los, envia uma mensagem, cancelando os futuros envios.

Tal abordagem é completamente oposta à do sistema opt-in, no qual o usuário manifesta a sua vontade em receber mensagens. Este sistema, extremamente favorável ao usuário, será o utilizado na União Européia (9). Entre outras vantagens, como poupar recursos do usuário e valorizar a sua privacidade, proporciona ainda a validação do spammer, que deverá ser sério para conquistar a confiança do destinatário, e autorize o recebimento dos e-mails. Nas palavras da Coligação Européia Contra o E-mail Comercial Não Solicitado, que privilegia a transparência do spammer:


Sob o opt-out, o consumidor que recebe um e-mail não solicitado não consegue discernir se ele contém uma oferta real de um comerciante legítimo, ou uma oferta fraudulenta de um spammer. A oferta pode parecer tão boa que alguns consumidores podem até ser tentados a responder (e a perder o seu dinheiro). No entanto, a situação é muito mais clara sob o opt-in: os clientes podem reconhecer facilmente as empresas legítimas, reduzindo as hipóteses de serem enganados por spammers.” (10)

Outra questão complicada é a do uso de filtros, como previsto pela lei japonesa. Filtrar e-mails pelo assunto, através de um asterisco ou qualquer sinal pré-combinado, não nos parece a solução mais eficaz. Primeiro, porque nada impede que o spammer corra o risco de receber a multa pelo envio fora das convenções, e envie o spam do mesmo jeito. Segundo, porque nem todos os usuários de e-mail sabem (ou querem) utilizar filtros e, a julgar pela pouca eficácia nas medidas anti-proliferação de vírus, dificilmente saberão se proteger também neste quesito. Terceiro, os custos com spam continuarão os mesmos para os provedores de acesso, pois a filtragem só ocorrerá quando chegar ao destinatário.

Não se pode esquecer do aspecto mais importante: o spam, por si só, é uma invasão de privacidade, pois o e-mail é obtido sem o conhecimento de seu dono. Permiti-lo, seja por meio do sistema opt-out, seja pela obrigação do usuário utilizar filtros, é violar a intimidade do usuário, transformando-o em robô obrigado a atender às pressões consumistas do mercado sem lhe dar qualquer outra alternativa de se sentir, desde o início do processo, um ser humano.

Desta forma, se ainda não é possível banir de vez a publicidade e o consumismo de nossas vidas, defendemos como a melhor estrutura legal para se controlar o spam um rigoroso sistema opt-in, que valoriza a privacidade e inteligência do destinatário, não sobrecarrega provedores, não acarreta custos excessivos para provedores e destinatários e valoriza quem investe em uma propaganda digna e transparente e tem uma reputação a zelar.

Notas de rodapé

(1) Maiores detalhes sobre o custo do spam podem ser encontrados em: http://www.quatrocantos.com/antispam/textos/custos_spam.htm .

(2) A esse respeito, ver: http://busca.terra.com.br/wired/tecnologia/02/07/05/tec_1.html .

(3) Vide: http://www2.uol.com.br/info/aberto/infonews/012002/03012002-13.shl e /2002-jan-03/juiza_ms_libera_envio_spams_irrita_internautas .

(4) Ver, no Museu do Spam, (que é um site anti-spam bastante completo, com dicas para identificar e denunciar spammers, artigos e um acervo interessante) uma lista das diferenças entre spam e mala direta http://museudospam.subversao.com .

(5) Lyra, Renata Maldonado da Silva. Consumo, comunicação e cidadania. Disponível na Internet em: .Consulta em 20 jul 2002.

(6) Vide: http://www.terra.com.br/informatica/2002/07/03/023.htm .

(7) O artigo pode ser encontrado em: /2002-jun-20/lei_americana_proibe_spams .

(8) Ver a esclarecedora carta aberta de Gevilacio A. C. de Moura em: http://www.quatrocantos.com/antispam/textos/projeto_antispam.htm e o PL 6210/2002 em: http://www.camara.gov.br/Internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=45250 .

(9) A esse respeito, ver http://www.uol.com.br/folha/informatica/ult124u10167.shl.

(10) Ver o excelente texto a favor do opt-in em: http://www.euro.cauce.org/pt/eceptx.html .

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