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Juíza decide pela continuidade de inquérito sobre caso TRT-SP

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6 de agosto de 2002, 10h30

A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu, por unanimidade, prosseguir com o inquérito sobre o desvio de recursos destinados à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.

A decisão da relatora, juíza Suzana Camargo, determina a exclusão do nome do ex-secretário da Presidência, Eduardo Jorge Caldas Pereira, dos registros do distribuidor judicial, em que figura como réu. Entretanto, ele continua ser investigado pela Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal, no caso de desvio de recursos destinados à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.

O MPF questionou habeas corpus em favor de Eduardo Jorge. O juízo 1ª Vara Criminal de São Paulo determinou que seu nome não aparecesse como réu em inquérito aberto pela Polícia Federal. A juíza confirmou essa parte da sentença.

Leia a íntegra da decisão:

Proc.: 2001.61.81.006900-8 RCCT 3043

Recte.: Justiça Pública

Recdo.: Eduardo Jorge Caldas Pereira

Adv.: Jose Geraldo Grossi

Relator: Des.Fed. Suzana Camargo / Quinta Turma

Relatório

A Exma. Sra. Des. Federal Suzana Camargo: Trata-se de remessa oficial e recurso em sentindo estrito interposto pela Justiça Pública em face da decisão de fls. 807 a 814, prolatada pelo MM. Juízo “a quo”, que, nos autos do inquérito policial nº 2001.61.81.003294-0, concedeu, de ofício, ordem de “habeas corpus” em favor do senhor Eduardo Jorge Caldas Pereira, para o fim de determinar a sua exclusão dos registros do distribuidor judicial, em que figura como ‘réu’, assim como para vedar à autoridade policial de, com os elementos constantes dos autos (comunicações telefônicas), submeter o ora recorrido a medidas coercitivas ou constrangimentos previstos em lei para investigados ou indiciados, sem prejuízo do prosseguimento do inquérito policial.

A recorrente, em suas razões de inconformismo, argüiu, preliminarmente, que a decisão ora impugnada é nula de pleno direito, em razão de ter sido prolatada por autoridade absolutamente incompetente, tendo em vista que eventual coação ilegal, consubstanciada na falta de justa causa para a instauração de inquérito policial e para o prosseguimento de investigações em face do ora recorrido, caso existente, teria emanado de ato do Ministério Público Federal, quando da requisição de instauração do respectivo procedimento investigatório, com pedido de diligências, de sorte que a competência para a apreciação de habeas corpus, ou mesmo a sua concessão de ofício, seria afeta ao egrégio Tribunal Regional Federal da 3a Região.

No mérito, alega que, ao contrário do entendimento adotado na r. decisão ora recorrida, o Ministério Público estaria autorizado a instaurar procedimento investigatório, no âmbito interno, sendo nesse sentido o disposto na Constituição Federal, em seu artigo 129 e incisos, ao conferir ao Ministério Público diversas funções institucionais, dentre elas, a investigação direta das infrações penais. Do mesmo modo dispõe a Lei Complementar nº 75/93, assim como a Resolução nº 38, de 13 de março de 1998, do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Por outro lado, aduz o recorrente que a decisão ora reexame importou em verdadeiro trancamento do inquérito policial, sendo que, caso pretendesse apenas corrigir a autuação do inquérito, em que constava o recorrido como réu, poderia o MM. Juiz ‘a quo’ fazê-lo mediante simples despacho nos autos.

Ademais, sustenta que os indícios constantes do procedimento investigatório são mais do que suficientes para concluir-se acerca da necessidade de aprofundamento das investigações em face do recorrido, dado restarem fortes evidências de seu envolvimento no desvio de verbas do TRT de São Paulo, bem como em delitos afins, como formação de quadrilha, falsidade ideológica e estelionato.

Assim, requer o Ministério Público Federal seja dado provimento ao recurso, para o fim de anular a r. decisão ora em reexame, ou, ainda, reformá-la, determinando-se o prosseguimento das investigações e do inquérito policial em face do ora recorrido (fls. 03/28).

Foram apresentadas contra-razões recursais às fls. 841/848, oportunidade em que o recorrido pugnou pelo improvimento dos recursos, sendo que, na hipótese de acolhimento da preliminar de incompetência do MM. Juiz prolator da decisão recorrida, pleiteou que este egrégio Tribunal Regional Federal concedesse, de ofício, a ordem de hábeas corpus.

O MM. Juiz ‘a quo’ manteve a r. decisão ora impugnada, pelos seus próprios fundamentos (fls. 853).

O digno representante do Ministério Público Federal junto a este Tribunal, Dr. Osmar José da Silva, opinou pelo provimento do recurso ministerial, para o fim de ser declarada nula a decisão ora em reexame, em razão da incompetência do Juiz de Primeiro Grau para o conhecimento e julgamento de habeas corpus em que figura como autoridade coatora Procurador da República. No mérito, aguarda a sua reforma, com o prosseguimento das investigações e do inquérito policial, em face do ora recorrido, tendo em vista a não caracterização de qualquer constrangimento ilegal (fls. 855/871).


É o relatório.

Des. Federal Suzana Camargo

Relatora

Proc.: 2001.61.81.006900-8 RCCR 3043

Recte: Justica Publica

Recdo: Eduardo Jorge Caldas Pereira

Adv: Jose Geraldo Grossi

Relator.: Des.Fed. Suzana Camargo / Quinta Turma

V O T O

A Exma. Sra. Des. Federal Suzana Camargo:

I – Da Preliminar de Incompetência Absoluta

Inicialmente, passo ao exame da preliminar de incompetência argüida nos autos.

Dispõe o artigo 654, par. 2º do Código de Processo penal, in verbis:

“Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.”

Assim, pela leitura do dispositivo legal citado, verifica-se que o legislador cuidou de disciplinar a atuação judicante, conferindo competência à autoridade judicial de Primeira e Segunda Instância para, independentemente da impetração do habeas corpus, permitir a concessão, de ofício, de referida ordem, desde que constatada a ocorrência de constrangimento ilegal ou a iminência de sua concretização.

É que, no caso do habeas corpus, o Código de Processo Penal permite que possa ser utilizado sob duas formas, uma está expressa no habeas corpus ex officio, nos moldes elencados no artigo 654, par. 2º, do Código de Processo Penal, e a outra é aquela que se dá mediante provocação de alguém, nos termos do disposto no caput do artigo 654 do Código de Processo Penal, in verbis:

“O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.”

Ora, conforme ressalta Hélio Tornaghi, alguns autores consideram o habeas corpus, uma ação, o que, está certo na maioria dos casos, pois é o meio de se exigir um pronunciamento e, mais que isso, um mandamento judicial. Mas esse conceito exclui o habeas corpus de ofício, aquele que os juízes ou tribunais concedem independente de qualquer provocação quando, no curso de algum processo, verificam que alguém sofre ou está ameaçado de sofrer coação ilegal. (in Curso de Processo Penal, vol. 2, 4ª ed., São Paulo, saraiva, 1987, p. 401).

Na verdade, o habeas-corpus deve ter rito mínimo, tanto que, consoante leciona Pontes de Miranda, a ordem de ofício pode ser expedida e sem qualquer forma processual assente. O próprio juiz, que vai julgar o processo, ainda que tenha ordenado a prisão, está nas condições de expedir a ordem de habeas-corpus, se descobre que é ilegal o constrangimento, ou, ainda, pode mesmo ocorrer – e até aí vai o privilégio da liberdade física e do habeas-corpus – que o Tribunal perceba a ilegalidade da prisão, a despeito de não poder conhecer do recurso, quer se trate de apelação, quer de outro recurso, inclusive carta testemunhável; nem por isso se pode eximir ao dever que lhe cria o Código de Processo Penal, art. 654, par. 2º. (in História e prática do Habeas-Corpus, 2ª ed., Rio de Janeiro, José Konfino Editor, 1951, p. 449/450).

No mesmo sentido, os ensinamentos de Eduardo Espíndola Filho, ao comentar o disposto no artigo 654, par. 2º, do Código de Processo Penal:

“Para concessão da ordem, na hipótese, não há necessidade de processo especial; a autoridade judiciária, serve-se dos próprios elementos do processo, que corre sob a sua jurisdição, quando a prova, nêle colhida, a convença da efetividade, ou da ameaça real e iminente, de constrangimento ilegal, do qual seja paciente o réu, o ofendido, o querelante, testemunha, advogado.” (in Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol. VII, 5ª ed., Rio de Janeiro, Editor Borsoi, 1962, p. 236).

Nesta esteira de entendimento, também é a jurisprudência pátria, a saber

“Se dos próprios termos da denúncia apura-se a ausência de tipicidade das infrações penais, posto que faltas disciplinares pudessem ter ocorrido, justifica-se a concessão do habeas corpus de ofício (CPP, arts. 654, par. 2º e 41, I)” (STF – RE – Rel. Thompson Flores – RT 527/455).

“Juízes e Tribunais devem conceder habeas corpus de ofício sempre que verificarem coação ilegal” (TACRIM-SP – HC – Rel. Silva Pinto – JUTACRIM-SP 80/212).

Ora, na situação em exame, verifica-se que o MM. Juiz Federal da Primeira Vara Criminal de São Paulo entendeu por bem conceder uma ordem de habeas corpus, de ofício, nos autos do Inquérito Policial nº 2001.61.81.003294-0, afetos à sua jurisdição, posto que distribuídos ao juízo de que é titular, e com fulcro, justamente, no mencionado artigo 654, par. 2º, do Código de Processo Penal.

Desse modo, não há se falar em incompetência do MM. Juiz ‘a quo’, para a concessão, de ofício, da mencionada ordem de habeas corpus, posto que, em tese, vislumbrando o magistrado ofensa ao direito de liberdade em autos de processo que esteja a si distribuído, tem ele o dever de fazer cessá-la imediatamente.


No dizer de Vicente Cernicchiaro, “O habeas corpus é uma ação constitucional; devem estar presentes as respectivas condições: interesse de agir, legitimidade ativa e passiva e possibilidade jurídica do pedido. O que ocorre no chamado habeas corpus de ofício é, diferentemente, decorrência dos princípios que norteiam o Poder Judiciário; deve orientar-se para que suas decisões apresentem sempre duas características: legalidade e justiça. A finalidade da decisão é pôr-se de acordo com os princípios de direito. Dar a solução substancialmente correta e não meramente formal. Em face disso, quando ao Juiz, no exercício da jurisdição e competência, se apresenta fato que acarrete injustiça ou ilegalidade insuprível, deve evidentemente expedir o mandamento necessário para afastar a ilegalidade e a injustiça.” (Voto Vencedor Resp nº 8.127, RSTJ30/355).

Portanto, em se tratando de habeas corpus de ofício, não vislumbro a apontada incompetência do MM. Juiz ‘a quo’, situação esta que somente poderia ser verificada caso a ordem de habeas corpus houvesse sido concedida mediante a provocação de alguém, quando, então estaríamos diante de uma ação, com as exigências daí decorrentes. E nesse último caso, sim, não haveria como considerar ser o r. Juízo de Primeiro Grau competente para o conhecimento do feito, posto que o ilustre representante do Ministério Público Federal, ao requisitar a abertura do inquérito policial em questão, veio a assumir o caráter de eventual autoridade coatora. E, desta forma, em decorrência da competência originária ‘ratione personae‘, este egrégio Tribunal Regional Federal é que seria competente para o processo e julgamento do ‘habeas corpus‘, sendo nesse sentido, inclusive, o entendimento da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.

Entretanto, conforme já mencionado, o caso em tela trata da concessão ex officio de habeas corpus, de modo que não há se falar em incompetência do r. Juízo Federal da 1ª Vara Criminal de São Paulo e, por derradeiro, em nulidade da decisão ora recorrida, posto que, em assim agindo, o MM. Juiz ‘a quo’, se lastreou no disposto no artigo 654, par. 2º, do Código de Processo Penal, motivo pelo qual voto no sentido de rejeitar essa preliminar, passando, destarte, ao exame do mérito recursal, seja no que diz respeito à remessa oficial, como ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal.

II – Da Concessão Ex Officio da Ordem de Habeas Corpus.

Resta, agora, analisar se os elementos constantes do inquérito policial nº 2000.61.81.006900-8 dariam conta de estar o recorrido a sofrer ou ameaçado de sofrer coação ilegal na sua liberdade de locomoção, de modo a ser caso da concessão ex officio da presente ordem de habeas corpus.

E para o exame desta questão, antes de mais nada, torna-se de bom alvitre trazer à baila o teor do mencionado decisum, que assim esteve expresso:

“Trata-se de inquérito instaurado pela Polícia Federal em 2.5.2001, em virtude de requisição do MPF (fls. 4/5 e 707/713), para se apurar a autoria de outros eventuais envolvimentos em “desvio” de recursos destinados à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.

A respeito, em 21.7.2000, o MPF havia instaurado “procedimento investigatório”, consoante se verifica a fls. 7/8, fundamentando tal iniciativa na “relação de chamada telefônicas obtidas junto ao Jornal ‘O Globo’, oriundas da CPI do Judiciário e efetivadas por Nicolau dos Santos Neto a pessoa identificada como Eduardo” (fls.7). Mais adiante, acrescenta como fundamento para a instauração do referido “procedimento investigatório” a “correspondência remetida a esta Procuradoria da República por João Alberto Peixoto, onde informa sobre a autuação do Sr. Eduardo Jorge no ramo de seguros, dando conta de eventuais condutas irregulares”.

O MPF instaurou o “PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO” instruindo-o com recortes de jornais, e invocou o art. 129 da Constituição Federal e arts. 7° e 8° da Lei Complementar nº 75/93 como normas legais autorizadoras do procedimento.

Não tendo nenhuma prova incriminadora relativamente a Eduardo Jorge Caldas Pereira, bem como quanto a outras pessoas, após quase um ano da instauração do “procedimento investigatório”, resolveu então o MPF requisitar o presente inquérito policial.

Após instaurado, foi o mesmo distribuído à 7ª Vara local, que por sua vez encaminhou-o a esta 1ª Vara, em face da conexão com processos referentes ao caso, que aqui têm seu curso.

Nos registros do distribuidor criminal passaram a constar como “réus” EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA e NICOLAU DOS SANTOS NETO.

É o relatório.

DECIDO.

Ao Juiz não é lícito fazer vistas grossas quando se depara com a ocorrência de ilegalidades ou constrangimentos ilegais ocasionados em autos de inquérito ou processo sob sua competência.


Meras “chamadas telefônicas”, que denotam eventuais comunicações entre autoridades públicas, não são e nunca foram consideradas elemento de prova, seja indiciária (art.239 do CPP). Se pudessem ser consideradas como tal, não se mostra devidamente explicado o porquê de o MPF não ter incluído como objeto de instigação as dezenas de outras pessoas destinatárias de telefonemas de Nicolau. De outro lado, “eventuais condutas irregulares” não correspondem a nenhuma figura típica que esteja como crime, nem no Código Penal e nem em qualquer lei extravagante.

Para se submeter alguém a um inquérito policial, como investigado, em face dos inegáveis reflexos negativos de várias ordens que inegavelmente tal qualificação lhe acarreta, principalmente no plano pessoal, profissional, familiar e social, quanto à sua honra e imagem, é indispensável a existência de um mínimo de provas. Outrossim, é necessário que o órgão persecutório indique o crime que pretende seja apurado e não que se louve em meras referências genéricas a “eventuais condutas irregulares”.

No processo nº2000.61.81001198-1, no qual se apuram os supostos crimes praticados durante a construção do fórum trabalhista de São Paulo, que se encontra com a instrução encerrada e que, em 37 volumes, já conta com quase 10.000 páginas, em nenhuma linha sequer há qualquer referência ou a existência de uma única prova, mesmo indiciária, indicando envolvimento de Eduardo J. C. Pereira em algum fato incriminador relativamente às acusações objeto do processo. Tanto é verdade que o MPF valeu-se unicamente de cópias de matérias de jornais para instaurar o “procedimento investigatório”, quando o mais consentâneo e usual seria extrair cópias de peças do referido processo.

Não obstante isso, tanto no “procedimento investigatório” como no inquérito policial, impingiu-se ao “investigado” o ônus juridicamente bizarro e kafkiano de ter de provar sua inocência e até de membros de sua família, mesmo sem a existência de qualquer prova incriminadora produzida pelo acusador.

É relevante notar que, o MPF, a certa altura do “procedimento investigatório”, teve de admitir: “Ressalte-se que, muito embora o Sr. Eduardo Jorge tenha apresentado suas informações bancárias e fiscais, o presente procedimento não se refere especificamente à sua pessoa, mas visa, precipuamente, apurar eventual responsabilidade de outras pessoas que foram beneficiárias ou facilitaram o desvio de verbas do TRT/SP” (fls.710).

Estranhamente, porém, somente ele, além de Nicolau, passou a figurar no distribuidor criminal como “réu” e, na autuação do “procedimento investigatório”, como “interessado” (fls.6). Teve que se submeter a audiência de acareação (fls.730/732), deslocando-se de outro estado para tanto, bem como ao juridicamente inadmissível constrangimento de ter de provar inocência sem que haja qualquer prova ou indício incriminador.

Sob tais circunstâncias, os danos ao status dignitatis do indivíduo mostram-se evidentes, principalmente quando as acusações tornam-se objeto de intensa exploração perante órgãos de comunicação.

Não há dúvidas de que notícias jornalísticas constituem meio adequado para se condenar uma pessoa. Porém apenas perante a opinião pública, mesmo porque o público não tem acesso a autos de inquérito ou de processo. Perante a Justiça, para se rotular alguém de “criminoso”, é imperioso que o acusador produza provas de acordo com a lei.

De outro lado, não há qualquer norma legal em vigor que autorize o MPF a instaurar “procedimento investigatório” criminal.

Nenhum dos incisos ou parágrafos do art. 129 da Constituição Federal autoriza o MP a instaurar “procedimento investigatório criminal”, tanto que o MPF invocou apenas o “caput” como fundamento jurídico. No inciso VIII autoriza-o tão somente a requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Para conduzir tal peça investigatória, a Constituição conferiu atribuição exclusiva à Polícia Federal (art.144, IV, da CF).

Os arts. 7° e 8° da Lei Complementar nº 75/93, também invocados pelo MPF, não prevêem, da mesma forma, qualquer possibilidade de instauração de “procedimento investigatório” à guisa de inquérito policial. Em se tratando de apuração de infração penal, o art. 7°, II, prevê expressa e claramente que incumbe ao MP requisitar a instauração de inquérito pela Polícia, podendo acompanhá-lo e apresentar prova.

(…………..)

A Constituição Federal, em seu art. 129, deixou expressas e bem delineadas as funções do Ministério Público, dentre as quais não se insere o poder de instaurar e presidir procedimento para apurar infrações penais. A Lei Maior conferiu a outro órgão tal atribuição ou seja, à Polícia Federal, no caso de crimes de competência da Justiça Federal, consoante deixa expresso o art. 144, § 1°, e seus incisos.

Diante de todo o exposto, concedo HABEAS CORPUS de ofício, com fundamento no art. 654, § 2°, do CPP, a EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA, para determinar a sua exclusão dos registros do distribuidor judicial, em que figura como “réu”, assim como para vedar à autoridade policial que preside o presente inquérito de, com os elementos consoantes dos autos (comunicações telefônicas), submeter o ora paciente a medidas coercitivas ou constrangimentos previstos em lei para investigados ou indiciados, sem prejuízo do prosseguimento do inquérito policial.

Quanto à representação da autoridade policial (fls. 717/718), no sentido de serem requisitadas, das instituições bancárias, as qualificações e fichas de abertura de conta corrente e autógrafos das pessoas indiciadas a fls. 717/718, as quais constam como beneficiárias de pagamentos efetuados pela Construtora Incal, DEFIRO-A. Oficie-se.

Considerando o disposto no art. 574, I, do CPP, deverá a presente decisão ser submetida ao duplo grau de jurisdição. Porém, para evitar a interrupção do curso do inquérito (art. 583, III, do CPP, por analogia ), determino que se forme o instrumento e se traslade cópia dos autos 9fls. 2/26, 108/119, 707/713, 717/718, 730/732, 768/769 e da presente decisão) para oportuna remessa ao E. Tribunal ad quem.

Extrai-se cópia autentica da peça de fls. 85/86 e junte-se aos autos do proc. n°2000.61.81001198-1, certificando no mesmo.”

Assim, pela leitura da r. decisão ora recorrida, verifica-se, em primeiro lugar, que o MM. Juiz ‘a quo’ entendeu que o nosso ordenamento jurídico não autorizaria o Ministério Público Federal instaurar, de forma direta, procedimento investigatório criminal, situação essa que, a princípio, estaria a importar em constrangimento ilegal na liberdade de locomoção do recorrido.

Entretanto, assim não é dado afirmar. Senão, vejamos.

Consta dos autos que o Ministério Público Federal veio a instaurar procedimento investigatório, a partir de matérias publicadas em jornais e revistas de grande circulação, especificamente a partir da entrevista concedida pelo ora recorrido, no sentido de que o Juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto mantinha relações institucionais com terceiras pessoas, ligadas ao governo federal, que poderiam, em tese ter, de qualquer modo, participado ou facilitado o desvio de dinheiro público concernente à obra do TRT/São Paulo.

Consta, ainda que, com a chegada de parte do rastreamento de ordens bancárias emitidas em favor da empresa INCAL Incorporações S/A, remetido pelo Banco Central do Brasil, verificou-se que, de fato, terceiras pessoas (não necessariamente ligadas ao governo federal), apareceram como beneficiárias de parte do numerário. Este rastreamento parcial teria sido complementado com o rastreamento suplementar acostado aos autos, mas que precisaria ser complementado conforme decisão judicial.

Assim é que, visando o prosseguimento das apurações quanto a eventuais outros envolvidos e beneficiários na apropriação ilegal de verbas destinadas à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, o Ministério Público Federal veio a instaurar o procedimento em epígrafe.

E, neste particular, não é dado olvidar ter o Ministério Público Federal poderes para tanto.

É que, nos termos do artigo 127, caput, da Constituição Federal, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Dentre as funções institucionais que lhes são inerentes, podemos destacar: expedição de notificações nos procedimentos administrativos de sua competência; requisição de informações e documentos para instruí-los, assim como requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (artigo 129, incisos VI e VIII da CF).

Por outro lado, nos termos da Lei Orgânica do Ministério Público da União, o Ministério Público poderá, no exercício de suas atribuições, requisitar informações, exames perícias e documentos de autoridade da administração pública direta ou indireta; realizar inspeções e diligências investigatórias (art. 8º incisos II e V, da LC 75/93).

Portanto, à vista da legislação em questão, verifica-se que o Ministério Público Federal tem competência para produzir e colher todos os elementos necessários para formar sua convicção, de forma direta, inclusive, podendo proceder às investigações que entender cabíveis; requisitar informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos e preparatórios da ação penal, bem como requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial.

Segundo o escólio de Vicente Greco Filho,

“As funções do Ministério Público iniciam-se mesmo antes do início da ação penal. Pode ele requisitar o inquérito policial, exercendo, nos termos do art. 129 da Constituição Federal, o controle externo da atividade policial. Pode requisitar documentos e diligências diretamente, independentemente de autorização judicial” (in Manual de Processo Penal, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1997, p. 248).

Ademais, não é dado olvidar que de acordo com o novo panorama descortinado pelo texto constitucional, podemos verificar consideráveis avanços do Ministério Público na fase investigatória, sendo nessa esteira o entendimento do Professor Antonio Scarance Fernandes, in verbis:

“Já se tem sustentado que pode o promotor de justiça, com base no art. 129, VI, da Constituição Federal, realizar atividades próprias de investigação. Entende-se que, na afirmação desse preceito, de que é função do Ministério Público expedir notificações e requisitar informações e documentos para instruir procedimentos administrativos de sua competência, abrangem-se também procedimentos de investigação criminal.” (in Processo Penal Constitucional, São Paulo, RT, 1999, p. 244).

De outro lado, o inciso IX, do artigo 129, da Constituição Federal, confere ao Ministério Público o exercício de outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade.

Assim, com base nesse dispositivo legal é dado afirmar, também, que o Ministério Público, ainda que em situações excepcionais, tem o poder não só de proceder à instauração de inquérito policial, mas, inclusive, o de proceder à investigação de infrações penais, pois consoante já decidiu o colendo Tribunal Regional Federal da 4a Região:

“Peça acusatória embasada em investigações procedidas pelo próprio Ministério Público – Admissibilidade, eis que é o órgão encarregado de zelar pela correta execução da lei, ainda mais quando envolvidos policiais – Recebimento da denúncia determinado.

O poder para abrir inquérito policial a fim de investigar ações criminosas é, em regra, atribuição da autoridade policial, porém, excepcionalmente, poderá a investigação ser procedida pelo próprio Ministério Público, pois é a instituição encarregada de zelar pela observação correta da execução da lei especialmente quando envolvidos policiais, e se o conjunto de elementos e informações colhidos são suficientes para indicarem a materialidade e autoria do crime, impõe-se o recebimento da denúncia.” (HC 97.04.26750-9/PR, Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa – DJU 16.07.1997, RT 745/685).

Ademais, conforme muito bem consignado no voto do Relator do feito: “A segurança pública é dever do Estado e assegurada pelas atividades policiais, conforme dispõe o art. 144 da CF 88. Daí decorre o maior zelo exigível dos policiais no que se refere à lei penal, cujas lesões são responsáveis de reprimir. Mas a polícia constitui instituição estatal que não se alça à condição de Poder de Estado, ou seja, está sujeita a fiscalização no exercício de suas atividades. Tal fiscalização incumbe ao MP, que tem como uma de suas funções institucionais exercer o controle externo da atividade policial (CF 88, art. 129, inc. VII). As apurações das infrações penais estão a cargo da polícia (CF 88, art. 144, par. 1º, inc. I). A regra, pois, limita as atividades investigatórias da infração penal ao âmbito policial. Por óbvio, decorrem as exceções. Hipóteses ocorrem em que se deve ensejar ao MP a investigação no uso do poder residual que lhe confere o inc. IX do art. 129 da CF 88. Se o Parquet é a instituição encarregada de zelar pela observação correta da Legislação existente no país, seu cumprimento adequado, a satisfação de sua finalidade, seguramente tem por fim investigar atividade criminosa que encontraria obstáculo no órgão policial encarregado da ação repressiva.”

Referido entendimento jurisprudencial não se contra isolado, sendo nesse mesmo sentido a posição do colendo Superior Tribunal de Justiça, consoante se infere dos autos do RHC nº 7.063/PR, em que foi Relator o eminente Ministro Vicente Leal, a destacar que:

“Por fim, não vejo qualquer ilegalidade na postura do Ministério Público ao proceder investigação, substituindo-se à autoridade policial. Ora, é sabido que o Ministério Público, como órgão de defesa dos interesses individuais e coletivos indisponíveis, tem competência para instaurar inquérito policial para investigar a prática de atos que afetam o interesse coletivo. E a instauração desse procedimento não provoca qualquer constrangimento ilegal ao direito de locomoção. Por isso, tenho que o habeas-corpus se revela remédio processual inidôneo para coibir eventuais irregularidades nele ocorrente. (DJ 14.12.98, p. 00302, RSTJ 131/349).”

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