Mais uma vez

Ministro Carlos Velloso revoga prisão domiciliar de Glória Trevi

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5 de agosto de 2002, 20h11

A prisão domiciliar da cantora mexicana Glória Trevi foi revogada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso. Com a decisão, a cantora e sua assistente, Maria Raquenel Portillo, devem voltar à prisão.

Glória voltará para a 3ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal e Maria Raquenel, para a Penitenciária de Brasília – Papuda. A Polícia Federal será notificada para que a decisão seja cumprida.

O relaxamento da prisão havia sido concedido pelo presidente do STF, ministro Marco Aurélio, durante as férias forenses. Na volta das férias, o relator dos processos (EXT 783 e 784), ministro Carlos Velloso, reconsiderou a decisão.

Para Velloso, a prisão domiciliar vai contra o decidido no Plenário do STF, de que, segundo a Constituição do Brasil, a prisão preventiva para extradição é legítimal.

O relator transcreveu em seu despacho a decisão do julgamento do último recurso da cantora antes das férias, em que o Plenário manteve a prisão da cantora. “No caso, a Extradição já foi deferida pelo Supremo Tribunal Federal, somente podendo ser considerado eventual pedido de desistência da Extradição se esse pedido vem com o endosso do governo do Estado requerente”, argumentou Velloso.

Leia o voto do relator:

EXTRADIÇÃO N. 783-1 ESTADOS UNIDOS MEXICANOS

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

REQUERENTE: GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS MEXICANOS

EXTRADITANDA: GLORIA DE LOS ÁNGELES TREVIÑO RUIZ OU GLÓRIA TREVI

ADVOGADO: CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS

ADVOGADOS: OTAVIO BEZERRA NEVES E OUTROS

DECISÃO: – Vistos.

Durante as férias coletivas, no mês de julho, Glória de Los Angeles Treviño Ruiz reiterou pedido anteriormente feito e indeferido pelo Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, de prisão domiciliar. S. Exa., o Sr. Presidente do Tribunal, deferiu o pedido, determinando:

“(…)

4. Expeça-se ordem transmudando a prisão em regime fechado em domiciliar, ou seja, para que ocorra o deslocamento da extraditanda da 3ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal para a residência das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo Scalabrianas, acompanhando a Polícia Federal o dia-a-dia dessa nova custória…”

S. Exa. estendeu o benefício à extraditanda Maria Raquenel Portilho Jimenez – Extradição 784.

S. Exa. determinou, afinal, que, reabertos os trabalhos do Tribunal, fossem os autos remetidos ao relator, “que, certamente, adotará providência harmônica com a ordem jurídica vigente.”

Decido.

Da decisão que proferi, determinando a transferência da extraditanda GLORIA DE LOS ANGELES TREVIÑO RUIZ para a 3ª Delegacia de Polícia Civil do Distrito Federal, onde ficará custodiada, apresentou a extraditanda agravo regimental, sustentando:

“a) nulidade da decisão, tendo em vista a falta de manifestação do Ministério Público, obrigatória quando há interesse de menor (Lei 8.069/90, art. 202 e 204; CPC, art. 82, I);

b) Inadequação do local para a manutenção da extraditanda e do seu filho;

Pede a anulação da decisão ou, caso assim não se entenda, que a extraditanda seja transferida para uma casa de caridade, ou para outro local apropriado.

Requer, ainda, a declaração de inconstitucionalidade incidental do parágrafo único do art. 84 da Lei 6.815/80.”

Decidiu, então, o Plenário, unanimemente, em 26.6.2002:

“EMENTA: PROCESSUAL PENAL. EXTRADIÇÃO: PRESO: TRANSFERÊNCIA.

I. – Extraditanda presa, à disposição do Supremo Tribunal Federal, com filho recém-nascido: sua transferência do hospital, onde fora internada, a fim de receber assistência médica por ocasião do parto, para local adequado, tendo em vista a sua condição de mulher com filho recém-nascido. Impossibilidade do deferimento de liberdade vigiada, prisão domiciliar ou prisão-albergue: Lei 6.815/80, art. 84, parág. único.

II. – Prisão domiciliar já indeferida pelo Plenário: Ext. 783-México, Plenário, 28.11.2001.

III. – Legitimidade constitucional do art. 84, parág. único, da Lei

6.815/80, e da prisão preventiva para extradição: STF, Ext. 785-México, e HC 80.993-RJ, Ministro Néri da Silveira, ‘DJ’ de 05.10.2001 e 26.10.2001.

IV. – Agravo não provido.” (Plenário, 26.6.2002).

Após transcrever parte do parecer do Ministério Público Federal, que opinara pelo não provimento do agravo, disse eu, no voto que proferi por ocasião do citado julgamento:

“(…)

Correto o parecer.

A uma, porque a extraditanda está presa, por ordem do Supremo Tribunal Federal, na forma do que dispõe a Lei 6.815, de 19.8.80, art. 84, parág. único, ‘não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão-albergue’. O processo está suspenso, em razão de ter sido pedida, pelos extraditandos, o reconhecimento da condição de refugiados. O Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão do processo ¾ Lei 9.474/97, art. 34 ¾ mantida, entretanto, a prisão e indeferido o pedido de prisão domiciliar (Ext. 783 (QO)-México, Néri da Silveira, Plenário, 28.11.2001).

A duas, porque fora ela internada no Hospital Regional da Asa Norte ¾ HRAN, por ordem do Presidente do Supremo Tribunal Federal, em substituição ao Relator, decisão proferida no recesso de dezembro de 2001, para que recebesse assistência médica por ocasião do nascimento de seu filho, fato ocorrido de há muito, não se justificando, mais, a permanência no hospital.

A internação ocorreu em 26.12.2001 e o filho da extraditanda nasceu em 18.02.2002. É dizer, por conta do parto, a extraditanda permaneceu internada no hospital por mais de cinco meses, já que a sua transferência para a prisão especial deu-se no dia 30.5.2002, com consideráveis despesas para o Erário. Somente a Polícia Federal gastou, conforme demonstrado à fl. 23, R$ 181.090,14. Não temos em mão as despesas efetuadas pelo HRAN, que não foram pequenas, tendo em vista o longo tempo da internação, mais de cinco meses.

A três, porque o hospital não é prisão. A permanência da extraditanda no HRAN gera problemas para o hospital e despesas para o Erário, conforme relatado e demonstrado pela autoridade policial. Enquanto lá permaneceu a extraditanda, mais de um leito do hospital deixou de ser ocupado por enfermos cujas moléstias recomendavam a internação.

A quatro, porque a extraditanda está recolhida à prisão especial justamente porque tem filho recém-nascido. Não fora isso, deveria estar recolhida na prisão onde estão os demais extraditandos. O privilégio decorre, pois, da existência do recém-nascido, em período de amamentação. A invocação do Estatuto da Criança e do Adolescente, artigos 202 e 204, não é pertinente, dado que, bem acentua a Ministério Público Federal, ‘os ritos e procedimentos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente não se aplicam a transferências de presas que tenham filhos menores’. Ademais, se necessária a participação do Ministério Público, isto acabou ocorrendo. A vista dos autos foi aberta ao Parquet em razão, aliás, da reclamação contida nas razões do agravo.

Finalmente, não tem procedência a argüição de inconstitucionalidade do parág. único do art. 84 da Lei nº 6.815/80 – Estatuto dos Estrangeiros. Essa argüição, aliás, foi feita na Extradição 785-México, Relator o Ministro Néri da Silveira, tendo sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal, em 29.6.2000, portando o acórdão a seguinte ementa:

‘EMENTA: Extradição. 2. Prisão preventiva decretada. 3. Artigo 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal. Liberdade provisória mediante prestação de fiança. Inadmissibilidade. 4. Constitucionalidade do artigo 84, parágrafo único, da Lei nº 6.815/80. 5. O pedido extradicional não terá andamento, sem que o extraditando esteja preso, à disposição do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.’

Esclareça-se, a propósito, que a extradição foi deferida em 07.12.2000 (autos principais, fl. 1.184). A prisão perdura até hoje, no Brasil, tendo em vista o pedido formulado pela extraditanda, no sentido de ser-lhe concedida a condição de refugiada.

E a decisão administrativa, pela concessão ou pela não concessão dessa condição, ainda não foi proferida, em razão de mandado de segurança impetrado pelos extraditandos, no Juízo Federal de 1º grau, que concedeu medida liminar suspendendo a decisão do CONARE, questão que está, aliás, sob apreciação do Supremo Tribunal Federal na Reclamação 2.069-DF, apresentada pelo Procurador-Geral da República.

No julgamento do HC 80.993-RJ, Relator o Ministro Néri da Silveira, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

‘EMENTA: Habeas Corpus. 2. Prisão preventiva para extradição. Formalização do pedido de extradição. 3. A prisão preventiva para extradição não ofende o disposto no art. 5º, LIV, da Constituição, como é da jurisprudência desta Corte, que teve como recepcionada a norma dela autorizatória constante do Estatuto do Estrangeiro.

4. Não cabe, ademais, em habeas corpus, apreciar alegações de falta de justa causa para a extradição, porque inexistente sentença condenatória contra o paciente.

5. É certo que, pelo sistema legal em curso, entre nós, e em virtude do Tratado sobre a matéria mantido com a República Italiana, a extradição pode ser feita, para fins instrutórios, desde que haja contra o extraditando ‘medida restritiva da liberdade pessoal’, no Estado requerente, oriunda de juiz competente.

6. Habeas corpus indeferido.’

Do exposto, nego provimento ao agravo.”

Está-se a ver, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, indeferiu o pedido de prisão domiciliar formulado pela extraditanda. Está-se a ver, ademais, que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela legitimidade constitucional do art. 84, par. único, da Lei 6.815/80, e da prisão preventiva para extradição: STF, Ext. 785-México, e HC 80.993-RJ, Ministro Néri da Silveira, “DJ” de 05.10.2001 e 26.10.2001.

Esclareça-se, finalmente, que o pedido de extradição é feito de governo para governo, competindo ao Supremo Tribunal Federal processá-lo e julgá-lo (C.F., art. 102, I, g). No caso, a extradição já foi deferida pelo Supremo Tribunal Federal, somente podendo ser considerado eventual pedido de desistência da extradição se esse pedido vem com o endosso do governo do Estado requerente.

Do exposto, reconsidero a decisão de fls. 2.739/2.742, pelo que determino o retorno das extraditandas à 3ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal (Glória) e à penitenciária do Distrito Federal (Maria Raquenel).

Oficie-se ao Sr. Diretor-Geral da Polícia Federal para efetivação da presente decisão. Junte-se cópia deste aos autos apartados das Extradições 783 e 784.

Publique-se.

Brasília, 5 de agosto de 2002.

Ministro CARLOS VELLOSO

– Relator –

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