Direito sucessório

Gisele Leite explica mudanças no direito sucessório

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29 de abril de 2002, 12h52

A inovação do Novo Código Civil Brasileiro foi incluir o cônjuge entre os herdeiros legitimários, amparando-o e dando-lhe uma condição hereditária mais benéfica do que a anterior. A lei leva em consideração que o vínculo conjugal, a afeição e intimidade entre marido e mulher não são inferiores ao da consangüinidade.

Passa então a ser chamado ao lado dos descendentes e ascendentes. Assim, é estipulada a concorrência do cônjuge sobrevivente com descendentes do autor da herança , desde que o de cujus tenha patrimônio particular.

Se o de cujus não possuía bens particulares, o consorte supérstite não será herdeiro. Porém, terá garantida a sua meação. Cumpre assinalar que meação não é herança e sim puro reflexo do regime de bens vigente naquela sociedade conjugal que se extinguiu com a morte do autor da herança. Aliás, a meação sempre existirá nas demais hipóteses de extinção da sociedade conjugal.

Quando há patrimônio particular, o cônjuge sobrevivente fará jus à meação e também a uma parcela sobre todo o acervo hereditário (herança). Concorre assim em igualdade de condições juntamente com os descendentes e ascendentes. Terá quinhão igual aos que sucedem por cabeça, não podendo ser inferior à quarta parte da herança (art.1.832)

Nada mais justo e coerente que garantir ao cônjuge sobrevivente uma quota hereditária principalmente quando o casal não tiver filhos comuns posto que poderia ser privado da sucessão somente pela existência de filho do leito anterior ou extramatrimonial do falecido.

Desta forma, assoberbaria os nossos tribunais de batalhas incúrias e sem fim entre os herdeiros necessários e o cônjuge sobrevivente ou mesmo a companheira.

Com a partilha de bens entre o cônjuge supérstite e os descendentes do de cujus ter-se-á o fortalecimento da família. Isso evita que os herdeiros fiquem a propriedade gravada, em razão do usufruto vidual que desapareceu neste Novo Codex brasileiro. Herda-se doravante um patrimônio livre, desembaraçado e desonerado.

Na ausência completa de descendentes (de qualquer grau) difere-se a sucessão as ascendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivo (art.1836CC), vindo a lei a garantir ao cônjuge sobrevivo que participe da sucessão, reservando-lhe 1/3 (um terço) da herança se concorrer com o pai ou a mãe do finado (ficando estes com os 2/3 restantes, ou seja, a metade da herança), se concorrer com um dos genitores ou com avô do de cujus que terá direito à outra metade (art. 1.837 CC).

Quanto ao direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência, se for o único do gênero a inventariar, independentemente do regime de bens persiste em vigência pelo NCC e, não se limita mais pela cessação de viuvez pelas novas núpcias ou nova união estável.

Não se pode confundir direito sucessório que é o direito à herança com a meação (repito), que é fruto da comunhão de bens vigente na sociedade conjugal.

O cônjuge sobrevivo poderá igualmente ser privado da herança por indignidade ou por deserdação (arts. 1814 e art 1961 do CC) ou por haver separação judicial ou de fato por mais de dois anos, por ser casado sob o regime de bens, ou ainda por inexistir patrimônio particular do de cujus. Também é curial sublinhar que o concubinato impuro não estabelece qualquer direito hereditário entre os concubinos.

Apesar de nossos tribunais demonstrarem sensíveis e, por vezes vacilantes ante certas delicadas situações, admitindo mesmo muito extraordinariamente a partilha de bens adquiridos pelo esforço comum, a título de liquidação de sociedade de fato como forma de indenização por serviços prestados, mas sempre na dependência de ser cabalmente provada a existência do patrimônio em comum (Súmula 380 do STF).

O art.1.790 I ao IV do CC referindo-se ao concubinato puro, ou propriamente a união estável, onde o companheiro sobrevivente participa da sucessão do de cujus quanto aos bens adquiridos durante o estado convivencial, nas seguintes condições:

a) se concorrer com filhos comuns, terá cota equivalente a destes;

b) se concorrer com descendentes só do de cujus, terá direito à metade do que couber a cada um deles;

c) se concorrer com outros parentes sucessíveis(ascendentes ou colaterais) tocar-lhe-á 1/3 da herança, não ficando jamais em posição superior à do cônjuge.

d) Não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade de herança.

O tratamento sucessório entre o cônjuge e convivente sobrevivo é distinto pois aquele é herdeiro necessário ou reservatário, podendo concorrer ou não, com descendentes e ascendentes do falecido. Prevalece a importância matrimonial na esfera sucessória posto que não se presume a colaboração do companheiro (a) na formação do patrimônio do autor da herança.


O companheiro sobrevivo por força da Lei 9.278/96 art. 7º, parágrafo único, também fará jus direito real de habitação, enquanto viver e não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. O companheiro(a) não se beneficiará dos mesmos direitos sucessórios outorgados ao cônjuge supérstite.

Nas Ordenações do Reino, o cônjuge só herdava ab intestato após os colaterais coube a Lei Feliciano Pena (Lei 1.839,de 1907) trazer a modificação até hoje vigente na ordem vocacional hereditária para preferir o cônjuge sobrevivente aos colaterais.

Pouco a pouco, o direito contemporâneo enveredou-se em melhorar a posição do cônjuge, em razão da ordem vocacional hereditária.

Graças ao novo Codex Civil, o cônjuge passa a deter um novo status a de herdeiro necessário ex vi o art. 1.845.

Certas legislações estrangeiras abordam a hipótese em que inexistem descendentes, dividem a herança entre os ascendentes e o cônjuge. Na legislação pátria por causa da meação o legislador não deu muita atenção ao problema. Desta forma, a antiga fórmula consagrou que o cônjuge sobrevivente é meeiro e não necessariamente herdeiro.O cônjuge era tão-somente herdeiro facultativo.

Ao viúvo ou viúva cabe além da meação, o direito ao usufruto vidual de uma parte da herança enquanto permanecer viúvo e não tenha sido casado sob o regime de comunhão universal de bens. A regra anterior prevista no Código Civil de 1917 (art.1.611,§1º) foi introduzida pelo Estatuto da Mulher Casada, a Lei 4.121/62 com o fito de amparar da melhor forma o cônjuge supérstite.

Tal usufruto de caráter resolúvel extingue-se não só pela morte do titular, como todo direito personalíssimo, mas também se resolve com o novo casamento ou nova união estável. O referido usufruto recai sobre um quarto dos bens deixados quando o cônjuge viúvo concorre com os descendentes, e sobre a metade dos bens quando herdam ascendentes, por não ter o mesmo descendentes vivo.

Se o regime de bens for o legal, ou seja, o da comunhão parcial de bens ou dos aqüestos, os bens que integram a propriedade comum serão divididos igualmente entre o cônjuge vivo e os herdeiros do falecido, cabendo aos herdeiros do de cujus a metade dos bens comuns e os particulares.

A lei não distingue sobre quais bens recairá o usufruto, havendo doutrinadores que entendem que se aplica o usufruto somente sobre os bens particulares. Apesar de previsão semelhante cabível à união estável, não se cuida de regime de bens.

Na realidade, o legislador prevê um condomínio de acordo com o art. 5º da Lei 9.278/96.Atualmente interpreta-se o §2º do art. 1.611 do CC de 1917 como capaz de abranger os casos de cônjuge viúvo casado, seja pela comunhão ou por qualquer outro regime de bens.

Apesar do reconhecimento constitucional da união estável elevada à categoria de entidade familiar, não a equipara contudo, de forma alguma, ao casamento celebrado segundo os moldes do art. 180 e seguintes do CC de 1917.O primado da família legítima não desapareceu nem mesmo em face do Novo Codex.

O direito real de habitação do cônjuge sobrevivente é mantido pelo novo Código Civil sem mencionar o momento da cessação. O problema sucessório do cônjuge envolve forçosamente o regime de bens matrimonial. Na hipótese da separação obrigatória de bens, a separação deveria ser absoluta e aplicável aos bens anteriores à celebração do casamento( Súmula 377 do STF).

O Novo Codex Civil exclui da herança, o cônjuge quando separado de fato há mais de dois anos (art. 1.830) salvo se puder provar que a convivência tornou-se impossível sem culpa do cônjuge sobrevivente coincidindo com a possibilidade do requerimento do divórcio direto.

A Lei 6.515/77 não pretende alterar o status sucessório do cônjuge embora tenha alterado o regime legal de bens que passou a ser o da comunhão parcial de bens ou a comunhão dos aqüestos. Na tese de Julliot de la Morandière e André Rouast consta a observação que no direito estrangeiro há orientação no sentido de se vincular a existência do divórcio à exclusão da comunhão universal.

É justificável pois com a igualdade entre os cônjuges e ainda a crescente emancipação feminina compreende-se a adoção dos regimes separatistas de bens ou de comunhão de aqüestos. A medida que se afasta a comunhão plena da sociedade conjugal, torna-se necessária fortalecer a posição sucessória do cônjuge. Aliás, como já acontece no direito anglo-saxônico nos quais é automaticamente compensada pelo direito sucessório atribuído ao cônjuge.

Os projetos anteriores de CC (o de Orlando Gomes e o de Miguel Reale) aceitaram o regime de comunhão parcial como regime legal supletivo e asseguraram ao supérstite direitos sucessórios mais amplos. Fortalece-se a posição sucessória do cônjuge sobrevivente independentemente do fato de este ser o homem e a mulher.


Quanto a sucessão dos colaterais a exegese do texto codificado da lei substantiva esclarece que tratando-se de concurso na mesma herança de tios e sobrinhos, herdam estes, excluindo-se aqueles em virtude do caput do art. 1.617 do CC de 1917, que reconhece em representação dos irmãos, o direito à herança dos sobrinhos.

O argumento importante em favor dos sobrinhos é ser um incentivo à nova geração que, em tese, poderá gozar por mais tempo da fortuna que lhe é transmitida. A doutrina clássica entendia que os sobrinhos herdavam por estirpe, ou seja, por representação, mesmo quando não houvesse mais irmãos vivos e só herdassem sobrinhos. Mantém-se assim uma exceção à norma de que, quando herdam herdeiros da mesma classe, sucedem por cabeça.

A razão tradicional também justifica tal privilégio dos sobrinhos em detrimento dos tios, em atenção as razões históricas e à tradição do direito brasileiro. Os sobrinhos herdam excluindo os tios no entendimento da melhor doutrina. Manteve-se assim o NCC tal orientação só consagrando a sucessão dos tios na falta de sobrinhos do de cujus (art.1.840CC).

Caberá o direito sucessório até os colaterais de quarto grau, sobrinhos -netos, tios-avós, primos-irmãos, que herdam na mesma qualidade conjuntamente dividindo-se a herança por cabeça.

A companheira possui direito sucessório fundamentado art. 7º Lei 9278/96 e § 3º do art. 226 da CF/88. Foi a partir da década de 60 que a doutrina e a jurisprudência aos poucos afastaram as restrições e sanções sobre o concubinato, desde que não houvesse adultério.

O STF através de sua Súmula 380 determinou que a comprovada existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a partilha do patrimônio comum mediante esforço comum dos companheiros ou conviventes. Existiam dúvidas atrozes quanto ao imediato efeito das disposições constitucionais do art. 226 §3º de 1988. Alguns mais conservadores entendiam que sua vigência dependia de regulamentação por meio de lei ordinária, enquanto outros mais modernos preferiam considerá-las de caráter auto-aplicável.

Efetivamente o reconhecimento da união estável como entidade familiar pode mesmo significar uma proteção menor do que a deferida ao casamento, com o inventivo legal à conversão do concubinato em matrimônio, pois a lei deve facilitar a dita conversão. Ressalte-se que a Lei 8971/94 não definia sequer a união estável, o que foi feito mais tarde pelo art. 1º da Lei 9.278/96. O primeiro estatuto legal preocupou-se em fixar lapso temporal (o qüinqüênio), o que foi alterado pela lei posterior que dispensou o requisito relativo ao lapso temporal e, deixou de considerar o estado civil da pessoa envolvida na união estável.

O parâmetro passou a ser a notoriedade e a durabilidade da referida entidade familiar capazes de caracterizá-la como união estável. O art. 2º da Lei 8.971/94 configura o companheiro na ordem sucessória, sob diversas formas, conforme haja ou não herdeiros necessários do de cujus.

No caso de sociedade de fato ou da colaboração na formação do patrimônio do falecido, a companheira equipara-se ao cônjuge casado sob o regime de comunhão universal, pois recebe a metade dos bens da herança, inclusive tendo direito real da habitação em relação ao imóvel que servia de residência da família desde de que não constitua outra nova união ou casamento.

Na verdade, concede o legislador aos companheiros mais direitos do que ao cônjuge casado sob o regime de separação ou da comunhão parcial de bens, o que não se justifica.

Por último, ao art. 307 da lei 8.971/94, determina que, se os bens deixados resultarem de esforço comum, o sobrevivente fará jus à metade do patrimônio. Não mais em vigor, em razão da Lei 9.278/96 que estabeleceu que o patrimônio adquirido a título oneroso na constância da união estável pertencerá a ambos em condomínio e, em partes iguais. Com a ressalva do art. 5º da Lei 9.278/96, desde que não haja estipulação escrita em sentido contrário.

Somente o companheiro cuja união estável existia no momento do óbito tem direito hereditário. Caso contrário seria possível inclusive haver várias concubinas pleiteando direitos hereditários do mesmo companheiro (o que seria um absurdo insustentável pois o cargo de viúva seria visceralmente disputado!).

O companheiro desde de que comprovadas a durabilidade e estabilidade da união estável, é meeiro recebe o usufruto vidual e, ainda o direito real de habitação. O conteúdo do usufruto do companheiro sobrevivente ficou limitado ao patrimônio líquido adquirido na vigência da união estável, o qüinqüênio de coabitação sob o mesmo teto para produzir efeitos jurídicos.

Cumpriu a nova legislação substantiva o importante papel de executar a norma constitucional, cabendo agora a doutrina e a jurisprudência e, ainda o legislador ordinário aprimorar o texto com a hermenêutica adequada.


Não trata o Novo Codex como herdeiro necessário ou reservatário à guisa do que faz com o cônjuge sobrevivente. Não é mais titular do direito real de habitação, além de concorrer com os demais parentes sucessíveis e, não mais a única cota e exclusiva ao usufruto de parte dos bens do de cujus.

O direito sucessório do cônjuge, sem dúvida, foi objeto de significativa evolução em nosso direito quer pelas grandes alterações na ordem vocacional hereditária, quer pelo paulatino abandono das discriminações quanto aos filhos por causa de sua origem.

A verve revolucionária desde da chamada Lei Feliciano Pena que postou o cônjuge em terceiro lugar preferindo aos colaterais, prosseguiu através da Lei de Divórcio que estipulou a concorrência do cônjuge sobrevivente com os filhos adulterinos do autor da herança, invertendo-se assim a preferência nesta situação específica, conjugada com a inexistência de irmãos e casamento sob regime de separação de bens, no ab intestato. (Lei883/49).

Ainda assim com evidente reserva, já se procedia a proteção do filho extramatrimonial (até então excluído da sucessão) mas só limitado seu direito hereditário pela metade devido a sua origem filiatória.

Outra fantástica legislação foi o Estatuto da Mulher Casada que não só extirpou definitivamente a capitis deminutio da mulher e, ainda proveu outros benefícios decorrentes das justas núpcias embora fosse a destinação patrimonial permanecesse em favor das outras classes hereditárias, benefícios estes consistentes no usufruto vidual e no direito real de habitação sobre o imóvel onde reside.

Embora sem a meação apesar disto, transmite-se a herança em favor do cônjuge sobrevivente, salvo se excluído por testamento (deserdado). Na qualidade de cônjuge sobrevivente comparece ao inventário para preservar a meação de que já é titular, mas só assume a qualidade de herdeiro na falta de sucessores na linha reta, exercendo assim o direito hereditário.

Enquanto não operar a coisa julgada da sentença que homologa divórcio, separação judicial, e se qualquer dos cônjuges vier a falecer, subsiste ao outro o potencial direito hereditário. Consumada a dissolução conjugal, desaparece assim o direito sucessório entre eles. Que só poderá ser reestabelecido por eventual reconciliação do casal, só possível aos separados judicialmente mas não aos divorciados.

Tratando-se de casamento putativo, o cônjuge de boa-fé não fica privado de herança em razão da morte do outro no curso da ação. Se constatada a má-fé, no entanto, perderá tal direito. Se julgada em vida dos cônjuges, a anulação do casamento a guisa do divórcio e a separação judicial extingue definitivamente o direito sucessório recíproco. O direito sucessório recíproco é mantido se os cônjuges estão apenas separados de fato, entende Sílvio Rodrigues que critica a situação conforme in verbis:

“Assim, a despeito de separados de fato, cada qual vivendo em concubinato com terceiro, a mulher herda do marido e este dela, se morrerem sem testamento e sem deixarem herdeiros necessários”.

Francisco José Cahali e Giselda M.F. N. Hironaka divergem de tal posicionamento (que julgam ultrapassado) que só a separação prolongada do casal ainda que de fato, sucessão do outro, em qualquer situação mas especialmente quando nova família se formou, através da união estável.

Merece registro, entretanto, a respeitável orientação admitindo a cumulação dos benefícios (meação ou legado, usufruto vidual) por mais favorável que seja a situação criada em favor da viúva (o), em detrimentos aos demais herdeiros necessários, por se entender harmônica a solução diante dos textos legais. Encontra-se dificuldade em identificar o patrimônio base do benefício: se abrangeria também aqueles em comunhão, ou só os particulares destinados aos herdeiros.

In albis, Arnoldo Wald traz à baila o seguinte esclarecimento: “A lei não distingue no caso, mas, pelo seu espírito de se aplicar o usufruto nas hipóteses excludentes da comunhão, parece que o usufruto só deve recair sobre os bens particulares”. Mas tal matéria ainda é quid iuris sem pacífica solução tanto na doutrina como na jurisprudência.

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