Racionamento de energia

Juiz isenta empresa de pagar multa por descumprir meta de energia

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29 de abril de 2002, 18h05

A Companhia Energética Santa Clara (CESC), pertencente ao Grupo Queiroz Galvão, entrou com mandado de segurança para anular cobrança de multa de R$ 72 mil imposta por não ter atingido a meta de energia no ano passado. A ação foi impetrada contra as Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG). O juiz federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes julgou o mandado de segurança procedente.

Segundo a advogada Maria Antonieta de Andrade Curtinhas, com o racionamento de energia elétrica, a CESC teve sua meta estipulada num parâmetro muito abaixo do necessário para a construção de uma usina.

Em julho de 2001, a CESC pagou a conta de energia com acréscimo de uma multa de R$ 72 mil. Em agosto, entrou com mandado de segurança na 10ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal de Minas Gerais para anular a multa e garantir o fornecimento de energia. O pedido foi julgado procedente.

Os argumentos utilizados pela defesa da CESC foram o princípio da isonomia e a supremacia do interesse público.

Leia a íntegra da decisão

SENTENÇA

Classe: 2100

Mandado de Segurança Individual

Processo: 2001.38.00.026.906-6

Impetrante: Companhia Energética Santa Clara – CESC

Impetrado: Presidente da CEMIG

EMENTA

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES. RACIONAMENTO DE ENERGIA. COTAS DE CONSUMO. PEDIDO DE REVISÃO. APLICAÇÃO DE MULTA, SUSPENSÃO E CORTE NO FORNECIMENTO. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, LEGALIDADE, AMPLA DEFESA, NÃO-SURPRESA e SEGURANÇA JURÍDICA. MP 2.198, DE 28.06.01. ADC N.º 09. RESOLUÇÃO N.º 22/01 DA CÂMARA DE GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA ELÉTRICA.

1 – Impetra-se mandado de segurança para garantir direito líquido e certo. Se eventualmente a Impetrante não estiver com a razão em seu pedido, o caso será de julgamento de mérito com o indeferimento do mesmo, e não a extinção do processo pela inadequação da via escolhida.

2 – A prova necessária ao mandado de segurança deve ser apresentada com a inicial, conforme ocorrido no presente caso.

3 – Não há que se falar em ataque a lei em tese, pois a Impetrante se vê na obrigação de pagar quantia decorrente da própria aplicação, na prática, das normas editadas pelo Governo.

4 – Cabe ao Julgador, quando instado a tanto, identificar as ilegalidades existentes nos atos administrativos, sanando-as, pois a conveniência administrativa não pode ser exercida de forma ilimitada, desvinculada dos esteios e parâmetros constitucionais.

5 – Autoridade coatora, para o Mandado de Segurança, é o agente administrativo capaz de suspender a execução do ato acoimado de ilegal, e que está, por essa razão, legitimado ao cumprimento de Decisão Judicial. Legitimidade do Presidente da CEMIG na impetração em que busca liberação da multa exigida por essa Companhia.

6 – A legitimidade ad causam da ANEEL e da UNIÃO decorre de texto normativo primário, com força de lei, qual seja, MP 2.198, art. 24.

7 – A Impetrante busca nesta ação a suspensão da multa que lhe foi aplicada, com o recolhimento do valor real de seu consumo, além da proibição de suspensão ou cortes em sua energia. Nesses termos, é latente a utilidade do processo, pelo que não há que se falar em perda de seu objeto pela revisão administrativa da meta de consumo.

8 – Faz-se visível a possibilidade jurídica do pedido, pois o presente writ não visa discutir a constitucionalidade da medidas emergenciais adotadas pela Medida Provisória n.º 2.198-3, de 28 de junho de 2001, no que concerne à “sobretarifa”, aspecto sobre o qual já se pronunciou, em sede de liminar, o Supremo Tribunal Federal, na ADC n.º 9, decidindo pela constitucionalidade dos artigos 14 a 18 da citada medida provisória.

9 – Ofensa ao princípio da razoabilidade governamental na medida em que a Impetrante está correndo o risco de ser atingida pelas medidas de contenção de consumo de energia elétrica por desenvolver atividade de construção de uma nova usina de geração de energia elétrica.

10 – O inciso I do art. 4o da Resolução n.º 22, de 04.07.2001, desbordou dos comandos impostos pela MP 2.198/01, criando penalidade fora das hipóteses legais, portanto sem respaldo legal, ao alterar os critérios de fixação da meta estabelecidos pela MP vigente à época da notificação ao consumidor.

11 – Ilegal imposição de redução no consumo em montante equivalente ao excesso – fazendo constar da notificação ao consumidor sua nova meta, sem qualquer prazo para defesa – e de faturamento do consumo excedente ao preço praticado pelo MAE, ou seja, valor flutuante no mercado.

12 – Prevendo referida Resolução a cobrança do adicional tarifário consoante o preço praticado pelo MAE, não se justifica a imposição de redução da meta relativamente ao mês posterior. Trata-se de dupla penalidade, além da possibilidade de o consumidor se sujeitar ao corte de fornecimento de energia, caso reitere no descumprimento da meta.


13 – Embora as medidas provisórias pertinentes e as resoluções da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica disciplinem uma situação extraordinária, apresentando conceitos próprios, elas fazem inquestionavelmente parte do ordenamento jurídico estruturado na CF/88, e em outras normas que não podem ser relegadas.

14 – Pedido procedente. Declaração incidental da inconstitucionalidade do inciso I do art. 4o. da Resolução n.º 22, de 04 de julho de 2001 da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica. Segurança concedida.

I – RELATÓRIO

Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado por COMPANHIA ENERGÉTICA SANTA CLARA – CESC contra possível ato acoimado de ilegalidade do PRESIDENTE DA CEMIG – Centrais Elétricas de Minas Gerais, objetivando a concessão da segurança para suspender a cobrança de multa que lhe foi imposta, possibilitando o recolhimento do valor real do seu consumo de energia elétrica, além de ser proibida a suspensão e/ou cortes de energia que venham a paralisar suas obras.

Aduz a Impetrante que está construindo o Aproveitamento Hidrelétrico Santa Clara (AHE – Santa Clara), usina hidrelétrica com potência instalada de 60 MW, que consta da ampliação da oferta do Programa Estratégico Emergencial de Energia Elétrica, elaborado pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.

Porém, inusitadamente, está prestes a ter sua energia cortada, em razão de haver ultrapassado pela segunda vez a meta definida como seu limite de consumo. No mês de junho passado, após ter sido multada pela CEMIG, pleiteou a revisão da penalidade e do limite de gasto, do que ainda não obteve resposta. Recorreu então ao Secretário Executivo do Ministério de Minas e Energia e, posteriormente, ao Superintendente de Regulação da Comercialização da Eletricidade da ANEEL, não tendo ainda obtido resposta.

Assim, a ameaça de suspensão está implicando na inviabilização da suplementação de energia para a Região Sudeste do país, além do desemprego e encolhimento da economia, e a inadimplência da Impetrante perante o mercado no qual atua. Por último, aponta a edição de novas Circulares autorizando a Revisão de Metas para Construtores de Usinas, editadas pela referida Câmara de Gestão da Crise.

Com a inicial vieram documentos.

Deferida a liminar, determinou-se a notificação da Autoridade Impetrada e a abertura de vista à Impetrante, para regularização de sua representação e promoção de citação da ANEEL e União Federal.

A Impetrante juntou procuração e documentos, comprovando o depósito do valor principal devido a título de consumo com energia elétrica no mês de agosto/2001.

Notificado, o Impetrado apresentou informações, suscitando preliminar. No mérito, defendeu a legalidade do ato guerreado, sustentando que a CEMIG somente cumpriu decisão administrativa proveniente do Plano de racionamento do Governo Federal, que estabeleceu a nova meta de consumo para a Impetrante.

A Impetrante comprovou o depósito em juízo do valor referente ao seu consumo de energia elétrica no mês de setembro/2001.

Citada, a ANEEL ofereceu Contestação, apontando preliminares. No mérito, sustentou que os atos impugnados estão em consonância com a lei, não podendo ser refutados. E que em momento algum os agentes públicos foram parciais, como a Impetrante, que procura se excluir de obrigação lançada a toda população.

In casu, prossegue a ANEEL, não se aplica o art. 5o, XXXVI, CF, tendo em vista a seriedade e extensão da situação fática, com riscos de colapso no sistema de energia elétrica, inclusive em setores sensíveis. E que a execução de ajuste de metas de consumo decorrente de compensação e enquadramento da meta fica a cargo da concessionária pública responsável pelo fornecimento de energia elétrica. Ao final, pugna pela improcedência da ação, com a condenação da Impetrante nos ônus sucumbenciais.

Citada, a União também apresentou defesa, na qual suscita preliminar. No mérito, protestou pelo indeferimento da segurança, argumentado que a pretensão deduzida implica em ofensa ao entendimento adotado pelo Supremo na ADC n.º 09, também não encontrando amparo na correta interpretação da MP n.º 2.198-3/01.

Ademais, na legislação não há qualquer diferenciação entre os consumidores de energia, pelo que carece de amparo legal a exclusão da Impetrante do regime de quotas, não sendo também possível cogitar a ocorrência de multa, pois não há previsão de acréscimo de qualquer percentual no valor da tarifa para os consumidores comerciais, industriais e do setor de serviços.

E não há como acolher o fundamento de que é ilegal a cobrança do consumo excedente à meta amparada na Resolução n.º 22/01, pois a própria MP 2.198/01 autoriza essa prática. O ato guerreado tampouco ofende os princípios da igualdade e razoabilidade, devendo-se salientar, no entendimento da UNIÃO, que a meta de consumo da Impetrante já foi revisada, o que por si só afasta qualquer alegação de ofensa aos princípios da ampla defesa e da não surpresa. Por fim, ressalta que nem mesmo a alegada antecipação do cronograma de obras justifica o pedido formulado.


Assim, requer ao final a improcedência da demanda, com a condenação da Impetrante nos ônus sucumbenciais.

A UNIÃO, em petição, informa a interposição de Agravo de Instrumento perante o Eg. TRF da 1a. Região, em face da decisão liminar.

A CEMIG requereu expedição de alvará para levantamento das parcelas incontroversas.

O MPF ofertou parecer, opinando pela concessão do writ.

Os autos vieram-me conclusos para sentença.

É o relatório. Passo a decidir.

II – FUNDAMENTOS

PRELIMINARMENTE

a.1) SOBRE A VIA ELEITA

Impetra-se mandado de segurança para garantir direito líquido e certo, que é aquele manifesto em sua existência, delimitado em sua extensão, e apto a ser exercido de plano pelo sujeito ativo.

Portanto, se eventualmente a Impetrante não estiver com a razão em seu pedido, o caso será de julgamento de mérito com o indeferimento do mesmo, e não extinção do processo pela inadequação da via escolhida.

Preliminar indeferida.

a.2) DA PRODUÇÃO DE PROVAS EM MANDADO DE SEGURANÇA

A ANEEL protesta pela carência de ação em razão da inadmissibilidade de produção de provas em ação mandamental.

Ocorre que a carência da ação, tecnicamente, somente pode ser acarretada pela ilegitimidade da parte, pela ausência de interesse de agir ou pela impossibilidade jurídica do pedido. A preliminar não pode ser atendida, nos termos em que formulada.

Por outro lado, é de se ver que a Impetrante logrou comprovar de plano a exigência da multa que lhe foi imposta e os pedidos de fls. 40/43, dirigidos à Administração.

Dessa forma, a prova necessária foi prontamente apresentada com a inicial, sendo improcedente a preliminar aventada.

a.3) LEI EM TESE

Não há ataque a lei em tese, como pretende a ANEEL, pois a Impetrante se vê na obrigação de pagar quantia decorrente da extrapolação de meta fixada para consumo de energia elétrica. É a própria aplicação, na prática, das normas editadas pelo Governo. Preliminar que também rejeito.

a.4) SOBRE O MÉRITO ADMINISTRATIVO

A ANEEL não está com a razão quando pretende furtar-se ao controle do Judiciário, alegando que a conduta do Governo, traduzindo opção administrativa, não poderia sofrer ingerência de outro Poder.

É certo que o Judiciário não pode se fazer substituir ao Executivo. Porém, no presente caso, não se trava discussão sobre a oportunidade ou conveniência do ato guerreado, mas de sua congruência com os princípios norteadores do Direito pátrio.

Se ao Julgador não cabe revogar os atos administrativos, por outro lado é seu dever, quando instado, identificar as ilegalidades neles existentes, sanando-as, pois a conveniência administrativa não pode ser exercida de forma ilimitada, desvinculada dos parâmetros e esteios constitucionais.

O exame da presente matéria pelo Poder Judiciário não é vedado por lei. Porém, se há ou não ilegalidade a ser corrigida na hipótese vertente, isto é questão de mérito, que no tempo oportuno será analisada.

a.5) SOBRE O DEFERIMENTO DA LIMINAR E DA EXISTÊNCIA DO FUMUS BONI IURIS, PERICULUM IN MORA e PERICULUM IN MORA INVERTIDO

Eventual insurreição sobre a Decisão liminar e seus pressupostos deve ser apresentada por meio da via apropriada, perante o Juízo competente, pelo que julgo prejudicada a preliminar em comento.

a.6) SOBRE A DECISÃO DO C. STF

A Decisão proferida pelo C. STF sobre o tema em estudo consubstancia matéria de mérito, e com ele será analisada.

a.7) ILEGITIMIDADE PASSIVA DO IMPETRADO, DA ANEEL E DA UNIÃO FEDERAL

São evidentes as legitimidades passivas tanto do Impetrado, como da ANEEL e da UNIÃO FEDERAL.

Autoridade coatora para o Mandado de Segurança, é o agente administrativo capaz de suspender a execução do ato acoimado de ilegal, e que está, por essa razão, legitimado ao cumprimento de Decisão Judicial. Se a Impetrante busca se livrar da multa exigida pela CEMIG, o Presidente dessa empresa pode integrar o limite subjetivo da presente lide lide, pelo que não há falar-se em sua ilegitimidade ad causam.

Por outro lado, a legitimidade passiva da ANEEL e da UNIÃO decorre de texto normativo primário, com força de lei, in verbis:

Art. 24. Caso a comarca em que domiciliado o interessado não seja sede de vara do juízo federal, as ações em que se pretenda obstar ou impedir, em razão da aplicação desta Medida Provisória e da execução de normas e decisões da GCE, a suspensão ou interrupção do fornecimento de enregia elétrica, a cobrança de tarifas ou a aquisição de energia ao preço praticado no MAE poderão, sem prejuízo da citação obrigatória da União e da ANEEL, ser propostas na justiça estadual, cabendo recurso para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.”(MP 2.198/2001; sublinhei)


a.8) SOBRE O INTERESSE DE AGIR

Afirma a ANEEL ter ocorrido a perda do objeto da ação, pois foi prontamente acatada a solicitação de revisão de meta apresentada pela Impetrante. Ocorre que a Empresa busca a suspensão da multa que lhe foi aplicada, com o recolhimento do valor real de seu consumo, além da proibição de suspensão ou cortes em sua energia. Nesses termos, é latente a utilidade do processo, pelo que não há que se falar em perda de seu objeto.

a.9) DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Embora não aventada pelas partes, analiso essa condição da ação, por se tratar de matéria de ordem pública.

Outrossim, como já salientei na análise do pedido liminar, o presente writ não visa discutir a constitucionalidade das medidas emergenciais adotadas pela Medida Provisória n.º 2.198-3, de 28 de junho de 2001, no que concerne à “sobretarifa”, aspecto sobre o qual já se pronunciou, em sede de liminar, o Supremo Tribunal Federal, na ADC n.º 9, decidindo pela constitucionalidade dos artigos 14 a 18 da citada medida provisória.

Friso que a mencionada decisão possui efeito vinculante, impondo a suspensão de qualquer decisão prolatada desde a edição da referida medida provisória.

Na análise do presente pedido, há que se considerar, além da atividade desenvolvida pela Impetrante, essencial para o sucesso do plano emergencial energético do Governo Federal (construção de usina hidrelétrica) que o Governo, pelo menos até esse momento, não está promovendo cortes de energia em razão da falta do insumo, mas como forma de prevenção; não fosse isso, estariam presentes as razões expostas na ADC n.º 09, quando foi julgada constitucional a Medida Provisória que instituiu o referido plano de emergencial.

Superadas todas as preliminares, passo ao mérito da causa.

NO MÉRITO

A Impetrante narra que se encontrava sob o risco da suspensão de seu fornecimento de energia, por conta de extrapolar os limites de gasto impostos pelo governo, sem que, contudo, tenha obtido resposta a requerimentos e recurso administrativos interpostos. Aduziu também que há novas Circulares autorizando a Revisão de Metas para Construtoras de Usinas, editadas pela referida Câmara de Gestão da Crise.

Afigura-se inusitada e ofende o bom senso a situação narrada nestes autos. A Impetrante estava correndo o risco de ser atingida pelas medidas de contenção de consumo de energia elétrica ao desenvolver atividade de construção de uma nova usina de geração de energia elétrica. Tal procedimento ofende, no mínimo, o princípio da razoabilidade dos atos governamentais.

Por isso não há que se cogitar em suspender o fornecimento de energia elétrica de uma empresa quando a mesma estava construindo uma usina hidrelétrica, tendo em vista do premente interesse público envolvido.

Quanto à aplicação da tarifa de energia majorada, também não se afigura legal faturar o consumo excedente pelo preço praticado no MAE.

Vejamos.

A Medida Provisória n.º 2.198-3, de 28.06.2001, aplicável ao caso concreto, dispõe em seu art. 23, caput, inciso I e parágrafo único, respectivamente:

“Art. 23. Para os consumidores classificados no grupo A cuja demanda contratada seja igual ou inferior a 2,5 MW, a suspensão do fornecimento de energia elétrica observará as seguintes regras:

I – a meta fixada na forma da Resolução da GCE será observada a partir da leitura do consumo realizada em junho de 2001;

(…)

Parágrafo único. A GCE poderá estabelecer prazos e procedimentos para a execução do disposto neste artigo.”

Por seu turno, a Resolução n.º 22, de 4 de julho de 2001, portanto, posterior à edição da Medida provisória em questão, em seu art. 4o, I e § 2o, dispõe:

“Art. 4o. A suspensão do fornecimento de energia elétrica para os consumidores enquadrados no grupo A, excluídos os consumidores residenciais, cuja demanda contratada seja igual ou inferior a 2,5 MW, observará as seguintes regras:

I – será o consumidor advertido, por escrito, quando da primeira inobservância da meta, e notificado que sua meta para o mês seguinte será reduzida no montante do consumo excedente verificado;

(…)

§ 2o O consumo excedente será faturado ao preço praticado no MAE.”

Dessume-se da leitura dos dispositivos legais transcritos, que o inciso I do art. 4o da Resolução n.º 22, de 4 de julho de 2001, desbordou dos comandos impostos pela Medida Provisória n.º 2.198-3/01, criando penalidade fora das hipóteses legais.

Conclui-se, pois, ser de clareza meridiana a inconstitucionalidade em que incorreu a Resolução n.º 22, de 4 de julho de 2001, ao criar penalidade sem respaldo legal para tanto, alterando os critérios de fixação da meta estabelecidos de modo diverso pela Medida Provisória vigente à época da notificação ao consumidor, impondo-lhe diminuição da meta em montante equivalente ao consumo excedente.


E mais, fazendo constar na notificação ao consumidor Impetrante, sua nova meta, sem qualquer prazo para defesa (notificação constante na Nota Fiscal), além de dispor em seu § 2o que o consumo excedente será faturado ao preço praticado pelo MAE, ou seja, valor flutuante no mercado.

Assim, restou ferido o princípio da legalidade, ampla defesa, não-surpresa, gerando insegurança jurídica e potencialidade de danos efetivos às atividades empresariais da Impetrante.

Vale lembrar que tais princípios inserem-se no rol das garantias individuais e direitos fundamentais dos cidadãos, portanto, constituindo cláusula pétrea que não se sujeita ao poder regulamentar, consoante expressa disposição do art. 60, § 4o, da Carta da República.

Analisando os dispositivos constantes da Medida Provisória aludida, infere-se que, em momento algum, foi prevista norma autorizadora para a imposição da penalidade de redução da meta para o mês seguinte no montante de consumo excedente. Existe, tão-somente, a previsão de suspensão e interrupção de fornecimento de energia elétrica, na hipótese de descumprimento da meta fixada, consoante disposto no art. 17 da MP. Esta é a pena imposta aos consumidores faltosos que deverá ser aplicada com estrita observância do procedimento estabelecido em forma da resolução da GCE.

Note-se que esta Câmara possui poderes para disciplinar procedimentos, a teor do disposto no parágrafo único do art. 23 da MP, mas nunca estabelecer novas penalidades através de norma infralegal, inovando no universo jurídico por intermédio da criação de obrigações que não encontram fundamento de validade na norma legal.

Por outro lado, o absurdo da imposição ora impugnada se torna ainda mais patente pelo fato de que, além da sujeição à penalidade de suspensão do fornecimento de energia, o consumidor também estará obrigado a realizar o pagamento do consumo excedente consoante o preço praticado no MAE (Mercado Atacadista de Energia).

Prevendo a Resolução a cobrança do adicional tarifário consoante o preço praticado pelo MAE, conforme disposto no § 2o. do art. 4o, da Resolução n.º 22, da GCE, não se justifica a imposição de redução da meta relativamente ao mês posterior. Trata-se, como se vê, de uma dupla penalidade, além da possibilidade de o consumidor se sujeitar ao corte de fornecimento de energia, caso reitere no descumprimento da meta.

Há que se enfatizar também, que embora as medidas provisórias pertinentes e as resoluções da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica disciplinem uma situação extraordinária e apresentem portanto conceitos próprios, elas fazem inquestionavelmente parte de um sistema único, um ordenamento jurídico estruturado com base em uma lei maior, a Constituição Federal de 1988, e outras normas que não podem ser relegadas.

Logo, não pode a Câmara de Gestão de Energia Elétrica, ao exercer sua função de regulamentar as medidas de racionamento, imputar aos usuários uma penalização excessiva capaz de resultar inclusive em prejuízo para o próprio plano de contenção de consumo de energia elétrica, pois que está a impedir a construção de nova usina de geração de energia que se pretende economizar diante de sua escassez.

Daí que se não foi dado efeito suspensivo aos recursos apresentados pela Impetrante, todo interesse há em o obter mediante ordem judicial.

Por fim, não se pode deixar de salientar que a ANEEL, em sua defesa, trouxe aos autos notícia do acatamento administrativo do pedido de revisão de meta de consumo formulado pela Impetrante, o que evidencia a impropriedade dos valores exigidos a mais em sua conta de energia elétrica, e a cristalização do seu direito líquido e certo, perseguido em Juízo.

III – DISPOSITIVO

Por essas razões, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do inciso I do art. 4o da Resolução n.º 22, de 04 de julho de 2001, da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, e ,ratificando a liminar concedida, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para determinar à Autoridade indigitada que se abstenha, em definitivo, de suspender o fornecimento de energia à Impetrante, bem como a suspensão da cobrança da multa imposta, autorizando a Impetrante a efetuar o pagamento de seu consumo a preços normais praticados para os consumidores que não excederam a sua cota de consumo.

Custas ex lege.

Sem honorários, porque incabíveis na espécie.

Expeça-se Alvará em favor da CEMIG, para levantamento dos depósitos efetivados nos autos, uma vez que os valores depositados se referem à conta de energia elétrica sem a multa aplicada.

Oficie-se ao(à) i. Relator(a) do Agravo de Instrumento interposto perante o Eg. TRF da 1a. Região, comunicando-lhe o teor do presente decisum.

Submeto o presente feito ao reexame necessário.

Registre-se.

Publique-se.

Intime-se.

Belo Horizonte, 12 de abril de 2002.

MIGUEL ANGELO DE ALVARENGA LOPES

JUIZ FEDERAL

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