América Latina produz propostas ambientais para encontro mundial
27 de abril de 2002, 1h10
Na conclusão do Seminário Internacional de Direito Ambiental Rio + 10, divulgaram-se as recomendações da América Latina para a Conferência Mundial Rio + 10 que acontecerá em agosto na cidade de Johannesburgo.
Leia a íntegra do documento:
CARTA RIO + 10
Os participantes do Seminário Internacional Direito Ambiental: Rio+10, promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União e pelo Centro Internacional de Direito Comparado do Meio Ambiente, sediado em Limoges, França, com o apoio da Sociedade Brasileira de Direito do Meio Ambiente, objetivando contribuir com a Cúpula Mundial da Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável, que será realizada em Johannesburg, África do Sul, em setembro de 2002:
CONSIDERANDO que, apesar da evolução do Direito Ambiental, tanto no plano interno, quanto no plano internacional, não cessou a degradação do meio ambiente;
CONSIDERANDO que essa degradação se deve, principalmente, à ausência de implementação das normas jurídicas existentes, à falta de vontade política dos governos nacionais, à insuficiência de meios administrativos e financeiros e à predominância dos interesses econômicos imediatistas;
CONSIDERANDO a atualidade das exigências do desenvolvimento sustentável, consagradas na Declaração do Rio, e ora reafirmadas;
apresentam, relativamente aos temas discutidos no Seminário, as seguintes propostas:
1. Políticas Públicas e Meio Ambiente
Na aplicação do princípio da prevenção, antes da adoção de medidas mitigadoras, deve-se procurar evitar o dano.
A utilização do princípio poluidor-pagador deve ser uma forma de reparação do ambiente degradado; não deve possibilitar que o dinheiro seja usado como imposto.
O novo conceito de governança exige a democratização do processo de elaboração das decisões públicas, a participação dos diversos componentes da sociedade civil na definição e implementação das políticas públicas e a execução de procedimentos de controle e de estudos científicos independentes.
2. Os Blocos Regionais e o meio ambiente
Para preservar o equilíbrio dos grandes ecossistemas, é conveniente que os Estados reforcem a cooperação regional, fortalecendo as instituições como o Mercosul, por meio da harmonização da legislação, especialmente com a ratificação do Acordo-Quadro de Meio Ambiente, firmado em Assunção, em 2001.
A efetividade da proteção regional do meio ambiente exige o estabelecimento de regras supranacionais e a criação de uma jurisdição comum.
3. Acesso aos recursos genéticos e organismos geneticamente modificados
Reafirmam-se a soberania permanente dos povos e das nações sobre os seus recursos naturais, segundo a resolução 1.803 da ONU, e a necessária solidariedade dos povos em relação à biodiversidade.
Deve ser ultrapassada a contradição, contida na Convenção da Biodiversidade, entre o reconhecimento do livre acesso à tecnologia e o respeito de regras da propriedade intelectual. Enquanto isso, os Estados, a sociedade civil e os atores econômicos devem discutir e adotar um código de boas práticas.
A pesquisa e o patenteamento de processos microbiológicos e de microorganismos precisam ser feitos de forma ética. Para tornar-se eqüitativo, o regime jurídico deve respeitar o conhecimento tradicional e os direitos e usos das populações detentoras desse conhecimento.
A moderna biotecnologia deve evoluir respeitando o princípio da precaução, recomendando-se aos países que ratifiquem o Protocolo de Cartagena sobre biossegurança.
Os Estados deverão estimular a produção de bancos genéticos, fortalecendo as instituições públicas de pesquisa para a proteção e uso sustentável do patrimônio genético, com a preservação de suas espécies nativas e outras economicamente importantes, objetivando uma produção agrícola independente.
4. Direito ambiental das águas
É preciso reconhecer o direito à água sadia e ao saneamento básico como a possibilidade para todo ser humano de beneficiar-se de quantidade e qualidade suficientes, fora das regras de mercado, para satisfazer as necessidades essenciais.
O direito à água sadia, como bem de uso comum de todos, deve ter prioridade sobre o acesso aos recursos hídricos como um bem de uso econômico.
A utilização, o aproveitamento e a gestão dos recursos hídricos devem ser manejados a partir de princípios de eficiência e eqüidade, de maneira a permitir um acesso igualitário e eqüitativo a todos os usuários e gerar uma consciência no que se refere à finitude dos recursos hídricos e à necessidade de usá-los de maneira racional.
Tendo em conta o valor da água como bem econômico, social e ambiental, deverá ser considerada a incorporação dos custos de sua utilização, a partir das conseqüências que se produzem nessas áreas.
A possibilidade de uso dos recursos hídricos deve preservar os ecossistemas aquáticos, cabendo às legislações nacionais estabelecer regras estritas de proteção.
Deve ser elaborada Convenção Internacional das Águas, abrangendo o conjunto dos ecossistemas aquáticos.
É necessário criar uma instituição internacional, especializada em meio ambiente, que poderá ocupar-se, inclusive, das águas.
O princípio do poluidor-pagador deve ser aplicado efetivamente, assegurando a repartição eqüitativa dos recursos hídricos das diversas atividades econômicas.
As atividades devem ser fiscalizadas a fim de que sejam adaptados os usos da água à capacidade limitada dos recursos hídricos.
A cooperação entre os Estados e os povos deve ser reforçada, a fim de ajudar os segmentos mais necessitados da população, inspirando-se nas práticas tradicionais de uso sustentável da água.
5. Cidade sustentável
A importância atual da crise da cidade, no plano social, ambiental e democrático, não pode ser superada sem a eliminação da pobreza, dos modos de produção e consumo e das práticas urbanas não sustentáveis.
Para que a cidade seja sustentável, é preciso:
(i) a repartição harmônica da população tanto no espaço urbano como rural;
(ii) o estabelecimento da planificação urbana por meio de processo democrático, levando em conta a proteção ambiental;
(iii) o acesso de todos ao direito à habitação adequada, no que se refere à segurança, à saúde e ao respeito à dignidade da pessoa humana;
(iv) a existência efetiva de serviços públicos urbanos, acessíveis a todos, em matéria de educação, cultura, saúde, transportes públicos, eliminação e tratamento de resíduos, fornecimento de água potável, saneamento básico, energia e Justiça;
(v) a troca de experiência entre as cidades, com a participação dos representantes da sociedade e do poder local;
(vi) o desenvolvimento da governança urbana, em particular pela democracia participativa, seja na elaboração da Agenda 21 local, seja no nível da respectiva gestão.
(vii) O patrimônio público nas cidades deve ser aviventado e valorizado, permitindo melhor aproveitamento pelas populações, evitando o seu apossamento por particulares.
6. As florestas
Tendo em vista a preocupante continuidade do desmatamento das florestas e outras formas de vegetação, e as suas conseqüências ambientais e sociais múltiplas, bem como a consciência da importância do conjunto de suas funções, é necessário:
(i) a continuidade, com boa-fé, das discussões institucionais para a elaboração de uma futura Convenção Mundial concernente a todos os tipos de florestas, respeitado o princípio do desenvolvimento sustentável;
(ii) o encorajamento, pelos meios apropriados dos esforços regionais, tendente à definição de plano e programa florestais, inspirado na Declaração do Princípio Florestal da Rio-92 e nos progressos posteriores;
(iii) a aceleração do processo em curso da reforma do Código Florestal nacional, de acordo com o princípio da sustentabilidade florestal;
(iv) o apoio às iniciativas da sociedade civil e dos agentes econômicos tendentes à implantação da certificação florestal, com a efetiva rotulagem dos produtos, visando a informação dos consumidores;
(v) o aprofundamento do direito à informação e à participação pelo conjunto dos atores envolvidos, sejam quais forem os interesses, objetivando o controle social da utilização sustentável das florestas.
7. Resíduos
É necessário enfrentar os perigos de todas as categorias de resíduos, nesses incluídos os rejeitos nucleares, devendo os Estados exigir a limitação, na origem, da produção dos resíduos; e instituir um sistema jurídico comum para o tratamento e reciclagem dos resíduos existentes, em condições compatíveis com a proteção sustentável dos ecossistemas.
Rio de Janeiro, 26 de abril de 2002.
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