Tiro no pé

Bancos X Consumidores: julgamento poderá satisfazer os dois lados.

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21 de abril de 2002, 10h03

Iniciado, no Supremo Tribunal Federal, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 2.591) proposta pelos bancos para que as atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias não sejam mais reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), o voto do ministro Carlos Velloso apontou uma direção.

Diferentemente de Néri da Silveira, o segundo ministro a votar, antes que o julgamento fosse interrompido, Velloso considerou o pedido parcialmente procedente. Para ele, aplica-se o CDC nas relações bancárias. Mas a cobrança das taxas de juros deve ser de competência do Banco Central.

Esse poderá ser o desfecho do confronto: a magistratura poderá seguir punindo bancos que maltratam consumidores (demora em filas, devolução indevida de cheques, funcionários mal-educados, etc), mas será impedida de se manifestar sobre as taxas de juros. Ou, ainda, como querem as instituições financeiras, de decidir sobre política cambial. Nesse segundo aspecto, a justiça não poderia proteger, como fez, as pessoas que fizeram leasing com cláusula cambial e foram surpreendidas com a forte desvalorização do real, tempos atrás – o que fez dobrar suas dívidas.

A pergunta a ser respondida, nas palavras do advogado Ives Gandra Martins, é: “Quem faz política monetária é o BC ou cada um dos 12 mil juízes brasileiros?”. Atuando pelas instituições financeiras, Ives, espera que a autoridade monetária do Banco Central será restaurada, com efeito vinculante.

Pesquisa de opinião em curso na capa deste site indica uma expectativa diferente. Perguntados sobre quem deve decidir se há abusos nas políticas cambial e de juros, 1.041 leitores (até a manhã deste domingo – 21/4), quase 90% indicam o Judiciário. Uma minoria reconhece esse poder ao BC.

Há quem ache que os bancos “deram um tiro no pé”, ao procurar o STF com um pedido tão impopular. Mas há motivos para achar que os consumidores, ao final festejarão uma vitória no varejo, enquanto o sistema financeiro se reconfortará com uma vitória no atacado.

Ainda assim, toda a campanha das entidades de defesa dos consumidores parece ter sido dirigida unicamente contra a questão do afastamento da aplicação do CDC às relações bancárias de varejo. Pelo menos um ministro do STF queixou-se a este site contra a tática adotada. “Tenho recebido milhares de mensagens eletrônicas que entupiram o sistema e não trazem nenhum subsídio, enquanto o lado dos bancos apresentam pareceres, estudos, artigos técnicos, argumentos”.

A queixa do juiz se dá pelo fato de as milhares de mensagens eletrônicas terem texto padrão. Emocionado, cheio de ira cívica, mas sem qualquer argumento que possa ajudar na “causa”.

Essa campanha, pelo visto, deve continuar, como anuncia a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH). A entidade festejou os dois primeiros votos do STF. “O objetivo da associação é continuar a campanha pedindo às pessoas que enviem cartas aos ministros do STF, frisando a necessidade de aquela Corte negar pedido dos bancos”, afirma relise distribuído pela entidade.

O respeitado Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) elaborou um comparativo sobre a importância do CDC como instrumento de controle das relações bancárias (Clique aqui para ler). Mas não se tem nenhum estudo sobre a possível vedação ao Judiciário, em relação a juros e câmbio.

Aumentam as reclamações

O volume de reclamações de consumidores que tiveram problemas com serviços e produtos bancários à Fundação Procon-SP, órgão de defesa do consumidor ligado ao governo paulista, cresceram 61,24% no primeiro bimestre de 2002, com relação a mesmo período do ano passado. Em janeiro e fevereiro deste ano, o Procon-SP registrou 545 reclamações; no mesmo período de 2001, foram 338 queixas.

As principais reclamações dos consumidores são as falhas em transações eletrônicas, cobrança indevida de tarifas e juros de financiamentos, problemas contratuais, falhas em cheques e ordens de pagamento e problemas de negativação de conta indevidamente.

A assessora de direção do Procon-SP, Dinah Barreto, diz que as principais reclamações são de cobrança de tarifas indevidas e falhas na movimentação de contas eletrônicas. “As falhas eletrônicas acontecem porque os bancos não têm um sistema seguro. O pior é que eles não admitem que o sistema é falho.”

Mas o banco deve se responsabilizar em caso de saques indevidos nas contas dos clientes, afirma a assessora do Procon.

“Se o sistema do banco não é seguro, ele deve assumir a responsabilidade em caso de golpes.” Os principais golpes ocorrem com cartões de débito e na Internet, pela qual estelionatários fazem transferências de valores em contas.

Dinah Barreto orienta o consumidor a informar o gerente de sua conta em casos de movimentação ou saques indevidos, e registrar um Boletim de Ocorrência na delegacia. “Se o banco não resolver o caso, o cliente deve procurar o Procon e entrar com ação na Justiça.”

Leia o texto da Campanha: “Não deixe os bancos atropelarem os seus direitos”, do Idec.

Devolução em dobro de cobranças indevidas, desconto na liquidação antecipada de financiamento e conhecimento prévio de contratos de prestação de serviços. Estes são apenas alguns dos direitos garantidos pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor) ao cliente bancário que podem ser desrespeitados caso as instituições financeiras saiam vencedoras na “guerra” contra os direitos do consumidor.

Diante desta situação, o Idec convoca todos os cidadãos a protestar e a exigir do STF – órgão que iniciou o julgamento da Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) dos bancos contra o CDC no dia 17 de abril- que observe os direitos do consumidor e não seja conivente com esta nova tentativa das instituições financeiras de atuar à revelia do Código do Consumidor.

O Idec e o Sindicato dos Bancários realizaram em abril dois atos públicos contra a Adin dos bancos, no centro de São Paulo. Os advogados do Idec distribuiram cerca de 10 mil cartilhas Defenda-se dos Abusos dos Bancos, que mostra exemplos concretos de como o consumidor será prejudicado caso a Justiça acate o pedido dos bancos.

Entenda o caso

Para pedir imunidade ao CDC, as instituições financeiras baseiam-se no texto do artigo 192 da Constituição Federal, que estabelece a necessidade de uma lei complementar que regulamente o funcionamento do sistema financeiro. Ainda de acordo com os bancos, o Código do Consumidor, uma lei ordinária, não se aplicaria a estas atividades.

Neste caso, porém, o objeto da lei complementar que trataria do sistema financeiro é completamente diferente daquele cuidado pelo CDC. O código estabelece regras para as relações entre consumidor e fornecedor, dispondo os direitos das partes e os seus deveres, seja em relação à publicidade como a outras práticas comerciais, aos contratos, aos vícios de produtos e serviços, às garantias, às sanções civis, penais e administrativas cabíveis, entre outros.

Está claro, portanto, que em nenhum momento o objetivo do CDC é regulamentar questões específicas do funcionamento do sistema financeiro, estas sim objeto da lei complementar reclamada.

Lucros nas alturas

A “choradeira” dos bancos soa ainda mais desrespeitosa se confrontada com a trajetória recente de aumentos abusivos das tarifas cobradas pelos seus serviços e sucessivos recordes de lucros.

Recentemente a imprensa divulgou dados muito ilustrativos, como o fato do brasileiro pagar mais tarifas e juros bancários que Imposto de Renda e das tarifas bancárias terem quadruplicado de 1994 a 2000.

A preocupação aumenta na medida em que o governo dá mostras de mais uma vez andar de “mãos dadas” com os bancos. O BC, após anunciar que criaria uma lista mensal com os dez piores bancos em relação ao atendimento ao cliente, reclamou para si a regulamentação do sistema financeiro, afirmando que cliente bancário não é consumidor.

O Idec é contra esta posição e esclarece que o CDC prevalece na relação entre cliente e banco. Somente protegido pelo CDC, o consumidor não será ainda mais lesado pelas instituições financeiras.

Revista Consultor Jurídico, 21 de abril de 2002.

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