Eleições 2002

Leia entrevista de Rui Barbosa sobre as eleições deste ano

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17 de abril de 2002, 18h23

O site Migalhas publicou uma hipotética entrevista com o escritor Rui Barbosa sobre as eleições deste ano. O site ironiza o papel da mídia nas eleições e a Resolução do TSE que decidiu pela verticalização das coligações eleitorais.

Leia a íntegra da “entrevista”

A entrevista abaixo foi composta a partir de frases, ipsis litteris, da vasta obra do mestre baiano, Rui Barbosa.

Migalhas – Rui Barbosa que importância o senhor dá às próximas eleições?

Rui Barbosa – Nos países de governo constitucional representativo é a eleição o ato mais importante, porque, bem que sejam todos os poderes delegações da nação, nunca se afirma tão diretamente a vontade do povo, na direção regular a dar ao Estado, como durante a consulta das urnas.(1)

Migalhas – Mas, com o uso da mídia, falseando as eleições, a vontade popular não fica desvirtuada?

Rui Barbosa – Falseada que seja a eleição, falseado está igualmente todo o sistema pelo vício de sua origem. Se a urna não exprime a vontade popular, a representação nacional nada exprime.(2)

Migalhas – O que o senhor acha da interpretação da lei eleitoral, feita às pressas, mudando as regras das eleições?

Rui Barbosa – A lei de precipitação é a lei do atropelo e do ataranto, a lei do descuido e do desazo, a lei da fancaria e da aventura, a lei da inconsciência e da mediocridade. Sob a pressão da urgência ninguém produziu nunca, nem produzirá jamais coisa, que resista à prova do saber, do gosto, do tempo. (3)

Migalhas – Concordamos. Mas o TSE entendeu de outra maneira.

Rui Barbosa – Saber as leis, dizem os jurisconsultos, não é ter-lhes em mente as palavras, mas conhecer-lhes a força e a intenção. Scire leges non est verba earum tenere, sed vim ac potestatem.(4)

Migalhas – Bem, mas os que se sentirem prejudicados podem ir ao STF. O senhor confia nos juízes, não é?

Rui Barbosa – A esperança nos juízes é a última esperança. Ela estará perdida, quando os juízes já nos não escudarem dos golpes do Governo. E, logo que o povo a perder, cada um de nós será legitimamente executor das próprias sentenças, e a anarquia zombará da vontade dos presidentes como o vento do argueiro que arrebata.(5)

Migalhas – Alguns dizem que essa regra das coligações é boa para formar blocos partidários nacionais. Não é assim que se junta os partidos?

Rui Barbosa – A união nos partidos não é decreto, mas resultado; não é conchavo, mas evolução orgânica; é consubstanciação, e não amálgama; não é combinação química, mas síntese natural. A harmonia, nos partidos, não se estabelece, a não ser pela definição precisa do seu objeto.(6)

Migalhas – O senhor tem razão. Mas dizem que muitos partidos políticos não têm, atualmente, uma ideologia própria.

Rui Barbosa – Os partidos não são associações platônicas: têm excessos que cumpre conter mas têm, ao mesmo tempo, interesses razoáveis, nobres e grandes.(7)

Migalhas – O jornal Folha de S. Paulo, em 28/2/02, disse que o chefe do Executivo nacional seria o grande interessado na mudança das regras. E, que havia até trabalhado por isso. Ficamos surpresos.

Rui Barbosa – Ninguém se acautela, se defende, se bate contra as ditaduras do Poder Executivo. Embora o Poder Executivo, no regímen presidencial, já seja, de sua natureza, uma semiditadura, coibida e limitada muito menos pelo corpo legislativo, seu cúmplice habitual, do que pelos diques e freios constitucionais da justiça, embora o Poder Executivo seja o erário, o aparelho administrativo, a guarda nacional, a polícia, a tropa, a armada, o escrutínio eleitoral, a maioria parlamentar. Embora nas suas mãos se reúnem o poder do dinheiro, o poder da compensação e o poder das graças.(8)

Migalhas – O presidente da OAB/SP, Carlos Miguel Aidar, disse que o presidente da República foi irônico ao afirmar que a decisão TSE deu início à reforma política no país. Será que ele pode falar assim?

Rui Barbosa – Ele obedece apenas, sem o menor interesse, aos mais nobres deveres dessa profissão, que, entrelaçada pelas relações mais íntimas ao sacerdócio da justiça, impõe ao advogado a missão da luta pelo direito contra o poder.(9)

Migalhas – De fato, mas e se FHC interpelasse o líder dos causídicos paulistas? O que o senhor lhe diria?

Rui Barbosa – Em todas as nações do mundo, Sr. Presidente, as liberdades de opinião, nas manifestações representativas da sua crítica a fatos do dia e a homens poderosos, tiveram sempre garantia incontestável.(10)

Migalhas – Obrigado Rui Barbosa, seus ensinamentos são sempre muito valiosos. Procuramos seguir seus princípios. A propósito, qual princípio o senhor considera o mais importante?

Rui Barbosa – O princípio dos princípios é o respeito da consciência, o amor da verdade. (11)

Apontamentos bibliográficos

(1) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 2, t. 2, 1872-1874. p. 3. Trecho do artigo “Eleição Direta”.

(2) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 2, t. 2, 1872-1874. p. 3. Trecho do artigo “Eleição Direta”.

(3) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 29, t. 2, 1902. p. 71. Trecho da “Réplica. O Parlamentar”.

(4) Obras Completas de Rui Barbosa,V. 20, t. 3, 1893. p. 251. Trecho do artigo “Pirata? Não!!!”.

(5) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 25, t. 2, 1898. p. 130. Trecho do artigo “O Manifesto Inaugural”.

(6) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 13, t. 2, 1886. p. 316. Trecho do discurso “Homenagem a José Bonifácio”.

(7) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 5, t. 1, 1878. p. 102. Trecho de “A Administração Provincial”.

(8) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 41, t. 4, 1914. p. 232. Trecho do discurso “O Supremo Tribunal Federal na Constituição Brasileira”.

(9) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 19, t. 3, 1892. p. 15. Trecho da “Petição de Habeas-Corpus”.

(10) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 36, t. 2, 1909. p. 29 . Trecho do “Discurso Acerca do Assassínio de Dois Estudantes, Cometido por Soldados de Polícia”.

(11) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 37, t. 1, 1910. p. 175. Trecho da “Conferência de Juiz de Fora”

Revista Consultor Jurídico de abril de 2002.

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