O retorno

Volta de Chávez está longe de ser consenso, diz Coimbra.

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15 de abril de 2002, 10h56

O ambiente para a queda do presidente Hugo Chávez era desenhado há meses, quando sindicatos e empresários uniram-se para pressionar o governo instalado no Palácio Miraflores. A sociedade venezuelana não acreditava mais no chefe de governo que havia prometido combater a corrupção, pobreza e criminalidade, visto que a popularidade do presidente caía vertiginosamente, com cerca de 64% da população posicionando-se favoravelmente à sua saída.

A “revolução bolivariana” prometida por Chávez havia fracassado. A pressão para sua renúncia vinha das mais diversas camadas da sociedade da Venezuela. Na última quinta-feira, antes de cair, o presidente anunciou o fechamento das quatro emissoras de TV daquele país alegando “abuso da liberdade de expressão”. Era mais um atentado contra as liberdades individuais venezuelanas.

Depois de um conturbado governo de transição, Chávez voltou ao

poder sábado à noite. O tenente-coronel já havia tentado um fracassado golpe de Estado em 1992. Foi preso. Anos após esta frustrada tentativa, em 1998 usou a democracia para alcançar a chefia do Estado venezuelano. Com o entusiasmo da população

nos primeiros meses de governo iniciou reformas profundas no Estado. Assim, suspendeu as sessões do Congresso e investigou parlamentares, convocou uma Assembléia Nacional Constituinte que assumiu as funções do antigo legislativo, trocou os juízes da Suprema Corte e reformou o judiciário.

Aumentou em 1 ano o mandato do Presidente da República com possibilidade de se manter no poder até 2012. Modificou o nome do país para República Bolivariana da Venezuela, como forma de institucionalizar suas reformas sociais. Neste momento percebia-se os primeiros traços de ruptura das instituições venezuelanas por intermédio de domínio claro do executivo nos dois outros poderes, o legislativo e judiciário.

Durante a visita de Lula em dezembro, o presidente já usava a tradicional arma dos governantes autoritários da América Latina para se manter no poder: o populismo. Por meio dele, aumentou suas atribuições e em dezembro baixou polêmico pacote econômico com 49 medidas controversas. Eram dias conturbados na Venezuela.

No momento em que a legitimidade do presidente para baixar tais

medidas era contestada, Lula, durante estada em Caracas, declarou que considerava Chávez um “centro-avante matador” e fincou: “Ele pensa o que eu penso”.

O presidente limitou as liberdades econômicas com aumento da tributação do Estado. Sofreu duras críticas. Era esperado que o próximo passo seria a limitação das liberdades individuais. Não foi preciso esperar muito. Apoiado no populismo, seguiu os passos dos antigos regimes autoritários dos trópicos latinos: passou a limitar as liberdades de expressão e pensamento por meio de rígidas leis com vistas a evitar críticas na imprensa.

Vale lembrar que a liberdade de expressão posiciona-se ao lado de outras liberdades individuais, como a religiosa, de livre associação e pensamento, consideradas conquistas universais. Atentar contra estas verdadeiras instituições de regimes livres, como fez Chávez, é atentar contra a democracia. Além disso, traçou uma política de alianças com países dotados de regimes totalitários como a Líbia de Kadafi, o Iraque de Saddam e a ilha cubana de Castro.

Ao contrário do que se pensa, a ruptura institucional da Venezuela não

ocorreu com a breve deposição de Chávez. Ela começou com o autoritarismo deste presidente que reescreveu a Constituição, perseguiu políticos e militares contrários as suas reformas, limitou as liberdades individuais e reformou o judiciário. Montesquieu ficaria surpreso em perceber que o governo dos homens voltava a superar o governo das leis, mesmo com a existência dos três poderes que forneceriam, segundo o iluminista, o equilíbrio necessário para evitar mandatários despóticos.

A volta de Chávez está longe de ser consenso na Venezuela. Apesar de declarar que não haverá revanchismo, já alertou que irá punir aqueles que o depuseram. Os primeiros apoios recebidos pela sua volta ao poder vieram do Irã, Iraque e Cuba, regimes totalitários, não democráticos e despreocupados com as liberdades individuais. O retorno de Chávez, com mais poderes, pode ser anúncio do perigo que a democracia corre na América Latina.

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