Indústria do medo

A violência impede investimentos no país, diz Luiz Flávio Gomes.

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9 de abril de 2002, 9h41

São muitas as razões que nos obrigam a investigar e estudar o fenômeno da delinqüência e da violência em qualquer sociedade (para o desenvolvimento de uma correta política de prevenção, para a manutenção da ordem e repressão, para a redução da desigualdade – inclusive na distribuição dos delitos -, para atenuar seus custos econômicos etc.).

Onde a violência é epidêmica (é o caso do Brasil, que tem cerca de 30 homicídios para cada 100.000 habitantes; a média mundial é 5) a investigação do delito, da violência e dos seus custos torna-se uma imperiosa necessidade.

Eis a regra elementar: não existe liberdade nem democracia nem desenvolvimento econômico estável sem segurança. E segurança (de uma cidade, de um povo, de uma nação) pressupõe justiça social, bem-estar e solidariedade, enfocar o delito como problema comunitário e social, além de individual, assim como uma polícia aberta à comunidade. Segurança ou “cidadania segura” não significa -segundo uma visão reducionista – só ausência (ou redução drástica) da criminalidade.

Segurança é mais que ordem: significa liberdade. É mais que o cumprimento da lei: é o respeito à constituição e aos direitos fundamentais da pessoa. O movimento da lei e da ordem está ultrapassado; nossa bandeira atual dever ser “segurança e respeito aos direitos fundamentais constitucionalizados”.

Por quê? Porque segurança é o sentimento individual e coletivo de que sua vida (pessoal, social, econômica etc.) pode ser planejada para ser desenvolvida sem sobressaltos. É, em suma, a ausência de medo, porém, encarada desde uma perspectiva globalizada (não “glocalizada”).

Segurança, por isso mesmo, não é a mesma coisa que proteção. Esta pode ser oferecida por vigilantes particulares, por grupos mafiosos (de traficantes, por exemplo), por terroristas e até mesmo pelo Estado (de acordo com programas de proteção a vítimas e testemunhas). Mas estar protegido não significa estar seguro.

Altos executivos agora estão exigindo das empresas carros blindados, guardas de vigilância, armamentos etc. Isso significa proteção. Nunca segurança (que é, inclusive, um estado de bem-estar). A segurança em um Estado Democrático significa ter consciência de que você, sua família, sua comunidade, sua empresa etc. irão desenvolver suas atividades sem riscos exagerados, sem custos exorbitantes.

O economista e advogado Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, que se transformou (nessa questão da violência) numa referência obrigatória no nosso país, em livro que lançará em breve (cf. O Globo de 24.02.02, p. 35) fez um outro balanço dos custos da nossa violência. Em 2001 gastamos nessa área 112 bilhões de reais (10,2% do PIB; segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento o certo seria 10,5%). Em 1995 isso significava só 5%. No lapso de seis anos os números dobraram.

A violência impede investimentos? Não há nenhuma dúvida. Ninguém de bom senso, no mundo da economia, lança-se em aventuras. A vida econômica (das empresas, do Estado ou mesmo individual) não pode ser uma loteria.

A Câmara Americana de Comércio fez uma pesquisa em 1999 e a preocupação com a segurança não aparecia nos 15 itens mais citados. Em 2000 já era a nona preocupação. Hoje, seguramente, está entre uma das três primeiras.

Temos no nosso país um exército de mais de 1 milhão de vigilantes. O setor privado, em 2001, gastou com a “indústria do medo” 70 bilhões de reais. Quase o dobro dos gastos públicos (37 bilhões). As perdas com roubos e furtos de carros, mortes, privação da liberdade etc. atingiram 15 bilhões. Em 2002 foram furtados ou roubados 380 mil carros (21% da produção nacional); já contamos com cera de 100 mil veículos blindados; a esperança de vida dos brasileiros aumentou 2,6 anos de 1991 a 2000. Para as mulheres o aumento foi de 2,8: a diferença se explica em razão das mortes violentas dos homens entre 15 e 49 anos.

Nossos legisladores, nesses dias, numa velocidade aloprada, sem critério científico algum, estão aprovando toneladas de leis penais, que serviriam para o “combate” ao crime. Isso é muito discutível. Estão produzindo o Direito penal mais aterrorizante da nossa história. Pior que não fazer nada contra a delinqüência e a violência é fazer coisas erradas, iludindo outra vez a população com medidas simbólicas e demagógicas (leia-se: eleitorais).

A criminalidade em nenhum país é única: deve sempre ser analisada sob quatro aspectos: vivência do delinqüente, sofrimento da vítima, castigo pela Justiça e percepção da população (seu temor, seu medo).

Sem bases científicas e criminológicas, as decisões legislativas tendem a não produzir nenhum efeito prático positivo. Que adianta aumentar a pena dos delitos se todos temos a certeza (incluindo o criminoso) que poucos (pouquíssimos) são devidamente descobertos e punidos!

DICAS DO CEC:

1) No próximo dia 27/4 o CEC está promovendo um curso ao vivo em São Paulo sobre princípio da proporcionalidade, garantias do processo penal e habeas corpus (maiores informações: www.estudoscriminais.com.br ou 36647790);

2) O melhor curso de Direito Penal e Processo Penal pela Internet: em breve!

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    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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