'Sentimentos negativos'

Procurador acusa juiz de ter mágoas e pede anulação de sentença

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8 de abril de 2002, 14h57

O procurador da República de Goiás Hélio Telho Filho entrou na Justiça para tentar anular a sentença do juiz Carlos Humberto de Sousa sobre improbidade administrativa de Policiais Federais. Motivo: o juiz teria mágoas do procurador.

Segundo Telho, o juiz responde uma ação de improbidade administrativa porque teria tentado convencer membro do Ministério Público que um empreiteiro não deveria ser denunciado. Telho foi testemunha no caso contra o juiz.

Ele afirma que Sousa até chegou a proibir a entrada de dez procuradores na 3ª Vara Federal de Goiás. “O juiz elaborou uma lista negra com os nomes dos procuradores e convocou a Polícia

Federal para garantir a ordem dada”, disse.

“A rigor, o exercício do dever legal e funcional por parte de membros do Ministério Público não deveria acarretar mágoas, ódios ou outros sentimentos negativos, de cunho estritamente pessoal, aos que são alvos de suas ações, assim como não se compreende que o réu condenado venha a desejar o mal ao juiz que o sentenciou”, alega o procurador.

Telho quer anular a decisão em que o juiz não condenou os policiais federais acusados de improbidade. Segundo Telho, um dos policiais estaria usurpando a função do presidente da República para julgar servidores. E os demais policiais se beneficiariam dos atos de improbidade.

O procurador pede que os réus sejam condenados. Em caso de absolvição, Telho pede que sejam retirados os honorários arbitrados em aproximadamente 37% do valor dado à causa. E se forem mantidos os honorários, o procurador quer que o valor seja reduzido.

Leia a Apelação

Exmo Sr. Juiz Federal da 3.ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás

Ação de Improbidade Administrativa n.º 2001.35.00.007626-2

Autor: Ministério Público Federal

Réus: Erlande Antônio da Costa, Afonso Cezar Torres de Castro, Washington Luiz Borges, Oscavo Ribeiro Lacerda e José Soares de Souza

Razões da Apelação

Egrégio Tribunal Regional Federal,

A r. sentença ora atacada julgou improcedente o pedido do Ministério Público Federal, de condenação dos réus às sanções civis e políticas previstas no artigo 12, inciso III, da Lei 8.429/92, pela prática de atos de improbidade administrativa, qualificados pela violação aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, consistentes em:

1º) infringência ao parágrafo único do artigo 154 e ao artigo 171, ambos da Lei 8.112/90, ao não encaminhar ao Ministério Público Federal a cópia dos processos disciplinares contendo notícia de ilícitos criminais praticados por servidores;

2º) transgressão das normas expostas nos artigos 141, I e 167, §§ 1º, 2º e 3º da mesma lei, usurpando a atribuição do Presidente da República, ao decidir processos administrativos disciplinares passíveis de aplicação de pena de demissão aos servidores indiciados.

Consoante a imputação contida na inicial, o primeiro réu foi o autor dos atos ímprobos, enquanto que os demais deles se beneficiaram.

Para o MM. Juiz prolator da sentença ora questionada, o Ministério Público “deve envidar esforços no sentido de corrigir o que entende esteja errado para, depois, na hipótese de resultarem infrutíferas as suas recomendações, agir de acordo com a segunda função, ou seja, propor a denúncia ou mesmo outras ações de sua competência”. Disse, ainda, que a “máxima in dubio pro societate, segundo a qual na dúvida o MP oferta a denúncia, deve ser revista…”

Para desacolher as acusações de que o réu Erlande Antônio da Costa usurpou a função do Presidente da República (artigos 141, I e 167, §§ 1º, 2º e 3º da Lei 8.112/90) – ao avocar para si a competência para julgar processos disciplinares abertos contra os demais réus, nos quais as respectivas comissões processantes concluíram pela prática de infrações administrativas puníveis com demissão – a r. sentença objurgada reexaminou as decisões administrativas, como se instância recursal fosse, invadindo seara reservada ao administrador e emitido juízo de valor a respeito do mérito do julgamento disciplinar, para concluir que as comissões de sindicância avaliaram equivocadamente as provas, bem como aplicaram a lei de forma errada.

Ainda de acordo com a r. sentença, a correta análise e valoração das provas colhidas nos processos disciplinares, bem assim o preciso enquadramento legal, leva a conclusão que não era aplicável aos sindicados pena de demissão e, por isso, não teria havido usurpação de função reservada ao Presidente da República.

Quanto a acusação de haver deixado de comunicar ao Ministério Público Federal a ocorrência de ilícitos criminais evidenciados nos processos administrativos, a r. sentença atacada, negando vigência os artigos 154, parágrafo único e 171, ambos da Lei n.º 8.112/90, assim dispôs, verbis: “Aliás, é salutar que se aguarde pela perfeita conclusão das investigações e pela decisão da autoridade, de modo a não induzir em erro os diligentes Procuradores da República”.

E, examinando os quatro processos disciplinares indicados na inicial, concluiu a r. sentença que não há notícia de crime que devesse ser levada ao conhecimento do MPF.

Antes de concluir, a r. sentença fez consignar a convicção pessoal do seu prolator, no sentido de que “é inconstitucional a previsão de perda da função pública inserida no art. 12, III, da Lei 8.429/92 quando se tratar de servidor público que, no âmbito do processo administrativo disciplinar, não recebeu a pena de demissão”.

Registre-se que, por haver julgado improcedente o pedido, essa análise era absolutamente desnecessária (se não houve condenação, a discussão a respeito da pena fica prejudicada), tendo o condão apenas de tornar mais evidente que a r. sentença encontra-se maculada pelo vício da parcialidade que tomou de assalto o espírito de seu ilustre prolator, retirando-lhe a indispensável isenção.

Ao concluir, a r. sentença fixou os valores dos honorários a serem pagos aos réus em valores que, somados, eqüivalem à 37% do valor dado à causa.

Em breve síntese, é o relatório do necessário.

I – nulidade da sentença – parcialidade do julgador – sentimento pessoal – mágoa

A sentença objurgada padece de vício insanável, que a torna nula.

Com efeito, é princípio fundamental do sistema judiciário democrático a imparcialidade e a isenção do magistrado. A existência de estados de ânimos em relação a qualquer das partes, a dominar o espírito do julgado, faz a balança da Justiça pender, desequilibrada pela parcialidade.

O Código de Processo Civil erige a condição de direito das partes, e dever do magistrado, a igualdade de tratamento (art. 125, I). Para tanto, é fundamental que o magistrado esteja com absoluta isenção de ânimo em relação à qualquer das parte.

Infelizmente, não é o que sucedeu nestes autos. Aos fatos.

No dia 08/03/2002 (a mesma data em que foi prolatada, publicada e registrada a sentença de que ora se recorre), chegou às mãos da Procuradoria da República em Goiás – através do Ofício n.º 075/2002-SEC/COR, expedido pelo Superintendente Regional do Departamento de Polícia Federal, datado de 07/03/2002 e protocolado na PR/GO em 08/03/2002, sob o número de protocolo 1704/2002-80 (cópia anexa) – cópia de uma espécie de “Lista Negra” (1), elaborada pelo MM. Juiz Federal Carlos Humberto de Sousa (prolator da sentença ora atacada), contendo os nomes de 10 (dez) procuradores da República (são eles: Ana Paula Mantovani, Carlos Alberto de Carvalho de Vilhena Coelho, Fábio George Cruz da Nóbrega, Gustavo Pessanha Velloso, Helio Telho Corrêa Filho, José Osterno Campos de Araújo, Orlando Martello Júnior, Rosângela Pophal Batista, Sidney Pessoa Madruga e Zilmar Antonio Drumond), que se encontram “impedidos” de entrar no recinto da 3.ª Vara Federal da SJF/GO, por ordem de Sua Excelência.

Para tanto, o MM. Juiz Federal Carlos Humberto requisitou a presença de 4 (quatro) agentes federais, a pretexto de manter a ordem e a disciplina em audiência naquela vara. Uma vez lá, os agentes federais foram instruídos por Sua Excelência, conforme o Relatório de Missão n.º 006/2002-DELOPS, verbis:

“…se apresentaram às 13:30 horas, do dia 20/02/02, ao Juiz Federal da 3.ª Vara desta Capital, Dr. Carlos Humberto de Sousa. Referida autoridade explicou qual seria o nosso trabalho na audiência das 14:00h, daquele dia. Ou seja, seria impedir a entrada na mencionada audiência, de alguns Procuradores da República. O Dr. Carlos Humberto de Sousa entregou a cada um dos policiais componentes desta missão, uma folha de papel, sem timbre, (em anexo, um exemplar), contendo dez nomes de Procuradores, impedidos de participarem daquela da mesma (sic)”.

“Referida autoridade fez uma explanação, explicando o motivo de não permitir a entrada de nenhuma daquelas pessoas relacionadas. O Dr. Carlos Humberto de Sousa disse que aqueles dez Procuradores da República ingressaram com ação contra ele na Justiça. E por este motivo ele não aceitaria e nem aceitará a presença de qualquer daqueles dez Procuradores em audiência na 3.ª Vara. Foi por esta razão que ele solicitou a presença de policiais federais para impedir a entrada de qualquer um daqueles Procuradores.”

O fato acima descrito, que somente na data da prolação da sentença foi formalmente confirmado, detalhado e certificado à esta Procuradoria da República (e do qual, até então, tinha-se apenas notícias superficiais, as quais, diante do cenário surrealista que pintava, eram pouco críveis, demandando cautela até a acurada comprovação), revela que Sua Excelência, o MM. Juiz Carlos Humberto de Sousa, encontra-se com o seu espírito tomado por profunda mágoa em relação a vários procuradores da República em Goiás, dentre os quais os procuradores Gustavo Velloso e Helio Telho, responsáveis pelo inquérito civil público que apurou os fatos descritos na inicial, como também pelo ajuizamento e acompanhamento do presente feito.

A rigor, o exercício do dever legal e funcional por parte de membros do Ministério Público não deveria acarretar mágoas, ódios ou outros sentimentos negativos, de cunho estritamente pessoal, aos que são alvos de sua ações, assim como não se compreende que o réu condenado venha a desejar o mal ao juiz que o sentenciou. Tanto é que, até o advento do fato acima narrado, não se considerava que a existência de ação judicial proposta pelo Ministério Público Federal em desfavor do magistrado Carlos Humberto de Sousa pudesse ser circunstância bastante a torná-lo suspeito de parcialidade nos processos que reclamam a atuação do Parquet.

Não é, contudo, ao que parece, o que sucedeu-se com o MM. Juiz Federal Carlos Humberto de Sousa, em relação aos procuradores da República cujos nomes fez constar em sua “Lista Negra”, a ponto de Sua Excelência – não se sabe se por revanchismo, se por retaliação, se por repulsa, se por intimidação, mas certamente por ressentimento – atravessar a fronteira do bom senso e da legalidade, descambar rumo ao arbítrio e praticar evidente abuso de autoridade, valendo-se do poder de requisitar a força policial para impedir, sem justo motivo, o livre acesso de membros do Ministério Público Federal ao local onde devem, no interesse público, exercer suas funções legais e constitucionais.

Note-se que, segundo o já citado relatório de missão policial, o “Dr. Carlos Humberto de Sousa disse que aqueles dez Procuradores da República ingressaram com ação contra ele na Justiça. E por este motivo ele não aceitaria e nem aceitará a presença de qualquer daqueles dez Procuradores em audiência na 3.ª Vara.” Bem se vê que o magistrado Carlos Humberto de Sousa tomou a iniciativa do Ministério Público Federal contra si como sendo uma agressão pessoal, gratuita e injustificada que os signatários da petição inicial e parte das testemunhas ali arroladas estavam lhe fazendo. Ora, não foram os dez procuradores que ingressaram com ação contra o Magistrado na Justiça.

Foi o Ministério Público Federal o autor da ação, representado por alguns de seus membros (tendo outros sido arrolados testemunhas), que agiram em cumprimento de suas respectivas obrigações legais. Entretanto, ao que agora se vê, o magistrado Carlos Humberto acredita sinceramente, e daí a raiz da mágoa que lhe assombra o espírito, que a questão é pessoal.

Resta, pois, evidente que o MM. Juiz Federal Carlos Humberto de Sousa, ao proferir a sentença ora atacada, não tinha condições de fazê-lo com a necessária isenção de ânimo, dada a mágoa que nutre em seu espírito em relação aos procuradores da República que atuam no presente feito (desde a fase pré-processual, investigativa, até a fase atual).

Não é por outra razão que a r. sentença – invadindo a seara reservada aos juízos de conveniência e oportunidade privativos do Ministério Público, que permite ao Parquet escolher e adotar as medidas legais que repute cabíveis ao caso concreto – cedeu ao impulso de censurar os procuradores da República signatários da inicial para, agindo como se fosse seu órgão correicional, ensinar-lhes que devem “envidar esforços no sentido de corrigir o que entende esteja errado para, depois, na hipótese de resultarem infrutíferas as suas recomendações, agir de acordo com a segunda função, ou seja, propor a denúncia ou mesmo outras ações de sua competência”.

Note-se que o MM. Juiz Federal Carlos Humberto de Sousa chegou a declarar, nestes autos, a sua própria suspeição, fazendo-o por motivos de foro íntimo, os quais preferiu não declinar (fls. 125) mas que agora afiguram-se óbvios, tendo posteriormente revogado essa decisão, por razões ainda não bem compreendidas (fls. 127).

Entretanto, a existência de toda essa mágoa povoando o espírito do magistrado, causa da parcialidade por ausência de isenção de ânimo, somente restou visível e conhecida com o episódio envolvendo a requisição de força policial para barrar a entrada dos procuradores nas dependências da 3.ª Vara Federal, quando não era mais possível argüi-la via exceção. Até porque esse sentimento negativo não é correspondido pelos procuradores que atuam no presente feito, cujos nomes figuram na já citada “Lista Negra”.

Anote-se que a presente argüição de nulidade, fundada na parcialidade do magistrado, decorre não da simples existência de uma ação judicial movida contra Sua Excelência pelo Ministério Público Federal, o que por si só não deveria ter o condão de influir no seu estado de ânimo. A argüição decorre da mágoa que o ajuizamento da ação – de fato – ocasionou, e que tornou-se visível, conhecida, manifesta e inegável com o infeliz e vexatório episódio ocorrido na ante-sala de audiências da 3.ª Vara Federal.

É certo que os procuradores que atuam no presente feito não nutrem, em relação ao magistrado Carlos Humberto, qualquer sentimento de inimizade. Contudo, o infausto episódio revela que Sua Excelência os tem na conta de inimigos capitais, a ponto de, num rasgo de arbitrariedade, valer-se ilegitimamente da força policial para não permitir sequer a proximidade física necessária à realização de uma audiência (ato processual).

A ansiedade em fazer prevalecer as teses de defesa foi tamanha, ansiedade essa própria de torcedores apaixonados, que a sentença novamente cedeu aos impulsos passionais, para externar o entendimento pessoal do seu prolator, no sentido de que “é inconstitucional a previsão de perda da função pública inserida no art. 12, III, da Lei 8.429/92 quando se tratar de servidor público que, no âmbito do processo administrativo disciplinar, não recebeu a pena de demissão”. Ora, tal manifestação era absolutamente desnecessária e dispensável, porque como não houve condenação, a discussão a respeito da pena ficou prejudicada, sendo explicada, tão somente, pela parcialidade que tomou de assalto o espírito de seu ilustre prolator, retirando-lhe a indispensável isenção.

Além de desnecessária, tal manifestação era, além de tudo, incabível, já que, no caso dos autos, o réu Erlande Antônio da Costa respondeu a processo disciplinar pelos fatos narrados na inicial, tendo sido demitido pela prática de ato de improbidade administrativa (6.º volume, fls. 1.487). Assim, mesmo que se adote tal posicionamento (que é absurdo, mas que não será objeto de contestação neste recurso, porque desnecessário e incabível), a pena de perda da função pública é perfeitamente aplicável ao caso.

Dizem os nossos tribunais que, com “a prolação da sentença, fica prejudicada a argüição de suspeição do magistrado, cabendo ao excipiente, na apelação, questionar a validade dessa decisão, no pressuposto de ter sido proferida por juiz suspeito” (JTJ 168/283 e Theotonio Negrão, in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor,30.ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999, nota “2c” ao art. 135). É o que ora se faz.

– mérito

Quanto ao mérito, na hipótese de superada a preliminar de nulidade, o que se admite apenas por amor ao debate, melhor sorte não merece a r. sentença atacada.

Aliás, o episódio descrito acima bem demonstra que a r. sentença ora atacada não tinha mesmo como distribuir o Direito com Justiça.

Os fatos imputados pela inicial foram objeto de Sindicância Administrativa, que concluiu pela responsabilidade do réu Erlande, por usurpação de competência do Presidente da República e por haver se omitido em comunicar ilícitos penais ao Ministério Público Federal (Relatório da Sindicância às fls. 103/107).

Em razão desses mesmos fatos, o réu Erlande Antônio da Costa foi DEMITIDO do serviço público, por valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, desídia e IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, conforme consta da Portaria de 23 de novembro de 2000, do Ministro da Justiça (fls. 1.287, 6.º Volume). Ao julgar improcedente o pedido do autor, a r. sentença atacada ignorou o julgamento administrativo.

Primeiro fato descrito na inicial. Foi instaurado procedimento administrativo disciplinar de n.º 08.662.000.711/98 para apurar possíveis irregularidades cometidas pelo servidor Afonso Cézar Torres de Castro em acidente com viatura oficial que ocasionou a morte de um motociclista. A comissão disciplinar concluiu pela aplicação das seguintes penalidades, de acordo com a legislação pertinente: “a) artigo 116, inciso VII, aplica-se a penalidade prevista no artigo 129, da Lei 8.112/90, qual seja a aplicação de advertência por escrito; b) quanto ao procedimento de forma desidiosa, artigo 117, inciso XV, é aplicável a penalidade de demissão prevista no artigo 132, inciso XIII; c) no tocante ao artigo 121, o próprio resultado que advir do presente processo, ensejará a responsabilização prevista no referido dispositivo; d) referente ao artigo 122, § 2º, a responsabilidade civil dependerá de eventual provocabilidade judicial por parte da Fazenda Pública, se for a hipótese; e) a responsabilidade civil-administrativa resultante do ato praticado pelo Denunciado, conforme imputação inserta no artigo 124, advirá ‘a posteriori’, conforme se reconheça ou não as faltas por parte do julgador, ao que o presente processo dará amparo à pretensão administrativa do Estado, com esteio no artigo 46; f) no que tange ao artigo 132, inciso VII, é aplicável a pena de demissão.” Destarte, concluiu a indigitada comissão pela aplicação da pena de advertência e demissão, com a possibilidade de comutação, com fulcro no artigo 128 da lei 8.112/90.

O réu Erlande, neste caso, aplicou a pena de suspensão pelo período de vinte dias ao servidor, via Portaria n.º 261/98 – 1ª SPRF/GO, de 19/11/1998. Foi formulado pedido de reconsideração, que restou indeferido. Todavia, o procedimento legal que deveria ter sido adotado pelo primeiro réu era o envio dos autos à autoridade superior – Presidente da República – para julgamento.

A r. sentença ora atacada reavaliou, indevidamente, as provas colhidas no processo disciplinar, chegando a conclusão diversa da proferida pela comissão processante, bem assim entendeu que houve erro também na tipificação legal. Embora tenha admitido que o servidor investigado, réu Afonso Cézar, tivesse agido com imprudência, porque excedeu a velocidade, assim agindo mesmo percebendo a presença de pessoas no ponto de ônibus à esquerda e trafegou na contramão de direção, a r. sentença atacada considerou que “é óbvio que numa perseguição policial o resultado é difícil de ser prever e isto tem de ser levado em consideração” (…) “Um acidente, com danos materiais, é perfeitamente previsível e aceitável, nessas condições e proporções, máxime havendo culpa concorrente da vítima” (…) Tenho comigo, data venia, que a perseguição policial objeto deste exame produziu resultados dentro da normalidade, ou seja, de acordo com o princípio da razoabilidade. Por isso, a rigor, nenhuma punição deveria ser aplicada”.

O resultado produzido, no caso em tela, e que a r. sentença atacada entendeu como sendo normal e que não mereceria qualquer punição, foi a MORTE DE UMA PESSOA. Somente o absoluto desprezo pela vida humana, ou a parcialidade apaixonada, decorrente de excessiva mágoa que atormenta o espírito, pode levar a consideração de que, atropelar e matar alguém, ainda que em perseguição policial reconhecidamente imprudente, é razoável e dentro da normalidade, não demandando punição alguma.

Será que a morte de um ente querido, nessas circunstâncias, também seria considerado um resultado dentro da normalidade e de acordo com o princípio da razoabilidade? Será que a perseguição policial a um possível infrator é tão importante e cara à coletividade e ao interesse público, a ponto de poder-se tolerar o resultado morte de um inocente?

Nesse particular, a r. sentença ora atacada percorreu terreno que lhe era proibido adentrar. Perquiriu o mérito do ato administrativo, invadindo competência reservada ao Administrador Público.

Não cabia à r. sentença mergulhar no mérito das conclusões da comissão disciplinar, que nem mesmo encontra-se sub judice. Devia a r. sentença ater-se à conduta do réu, essa sim objeto de questionamento nestes autos.

O acerto ou desacerto do relatório da comissão disciplinar é irrelevante para o deslinde deste feito. Interessa saber, tão somente, que não cabia ao Réu Erlande julgar o processo administrativo, em virtude das penas às quais os servidores sindicados estavam sujeitos (DEMISSÃO).

A hipótese é de clara violação do princípio da independência dos Poderes.

Mas, ainda que ambas as respostas fossem positiva, mesmo que essa conduta do policial Afonso Cézar fosse digna até mesmo de uma condecoração, ainda assim não caberia ao então superintendente Erlande julgá-la. Aqui, não se trata de analisar a conduta do policial Afonso Cézar, se razoável ou não, se correta ou não, se punível ou não, isto é, se a comissão disciplinar errou ou não, como o fez, de maneira ilegítima e ilegal, a r. sentença atacada.

Cuida-se, tão somente, de determinar quem seja a autoridade competente para julgá-lo. Como a comissão disciplinar entendeu que o servidor estava sujeito à pena de DEMISSÃO, ainda que tenha aventado a possibilidade de comutação por pena mais branda, automaticamente o julgamento ficou afeto ao Presidente da República. (ou a quem dele receber delegação). É o que expressamente diz os artigos 141, I e 167, § 1º, da Lei 8.112/90.

Ainda que, no julgamento, houvesse por bem a autoridade julgadora aplicar pena mais branda, ou mesmo absolver o servidor (conforme sugeriu a r. sentença atacada), ainda assim tal julgamento não estava afeto ao réu Erlande.

Não tinha, o réu Erlande, autoridade para decidir a questão. A própria sentença ora atacada admite que houve ilegalidade, ao dizer que o réu Erlande, verbis: “preferiu endossar in totum o relatório da comissão, situação que lhe obrigava remeter o processo, pelas vias burocráticas normais (Diretoria-Geral da PRF e Ministério da Justiça) ao Presidente da República, por força do Art. 141, I, da Lei 8.112/90. Não o fez. Decidiu ele próprio apenar o servidor…”

Nada obstante, contraditoriamente, a r. sentença atacada conclui, sem razão, que não houve usurpação de competência. Para tanto, invoca 8 (oito) razões absolutamente improcedentes (fls. 1.670). São elas:

® A uma, porque o requerido teria acatado in totum o relatório da comissão, sendo de se observar que a pena de suspensão era de sua competência. Ora, a comissão entendeu que o policial Afonso Cézar estava sujeito a penalidades de ADVERTÊNCIA e DEMISSÃO. Entendeu, ainda, que o julgador poderia, se assim entender, promover a COMUTAÇÃO.

Só quem pode promover a comutação, substituindo a DEMISSÃO pela SUSPENSÃO, é a autoridade competente para aplicar a DEMISSÃO, no caso, o Presidente da República. O § 2º, do artigo 167, da Lei 8.112/90 não deixa margem a dúvidas, verbis: “Havendo mais de um indiciado e diversidade de sanções, o julgamento caberá à autoridade competente para a imposição da pena mais grave”.

® A duas, a três e a quatro, porque por acatar o relatório, teria demonstrado que não teve interesse em proteger ou beneficiar servidor, não se provou que tenha agido com dolo ou culpa e que assim o procedeu por inabilidade e não por improbidade.

Análise isenta das provas juntadas aos autos chega a conclusão diametralmente oposta. Com efeito, policiais rodoviários federais ouvidos, disseram o seguinte:

“Que a declarante participou de alguns procedimentos disciplinares envolvendo supostos atos irregulares praticados por membros da corporação e, em razão disso e de comentários, sabe dizer que, muitas dessas investigações, embora tivessem resultado em punições administrativas e configurasse, em tese, atitudes criminosas, não foram comunicadas, conforme exige a Lei, a Polícia Federal ou ao Ministério Público; que sabe dizer ainda que a atual ‘política da Superintendência’ é a de reprimir estes ilícitos administrativos de forma branda” (PRF Shirley das Graças Lôbo de Faria, fls. 22).

“que, desde 1996, o declarante vem participando de sindicâncias e processos disciplinares no âmbito da Superintendência da 1.ª SPRF; que estiva já haver participado de cerca de 35 (trinta e cinco) a 40 (quarenta) processos (…) que sabe dizer, em razão da função, que em diversos processos disciplinares em que teve oportunidade de atuar houve julgamento indevido por parte do atual Superintendente Erlande Antônio da Costa, na medida em que se caracterizavam como atos irregulares sujeitos à pena de demissão, nos termos do art. 132 da Lei 8.112/90; que, em se tratando de aplicação de possível pena de demissão, só ao Ministro da Justiça é dada a competência de aplicação da sanção, razão pela qual, sem contestar o mérito das decisões aplicadas pelo Superintendente deste Estado, pelo menos em alguns dos casos julgados, entende que o mesmo era absolutamente incompetente para julgar estes processos; que, a título de exemplo, pode citar o caso do processo disciplinar conduzido contra o servidor Afonso César Torres de Castro, que culminou em aplicação de pena de suspensão de 20 dias por parte do atual Superintendente, em razão da prática de homicídio culposo …” (PRF Paulo Henrique de Urzêda Mota, fls. 32 e 34).

A Comissão da Sindicância instaurada para apurar, no âmbito administrativo, as condutas descritas na inicial, assim concluiu,

verbis:

“Restou comprovado que realmente a denúncia formulada em desfavor do servidor Erlande Antônio da Costa, possui fundamento, uma vez que encontra-se provado documentalmente, conforme consta no Termo de Inspeção, que o Sr. Superintendente Regional, além de julgar procedimentos disciplinares a que não detinha competência legal para tal mister, nos termos do inciso I do Art. 141 e § 1º do Art. 167, ambos da Lei n.º 8.112/90, fato que contamina as Decisões proferidas nos mesmos, com vício de competência, ensejando suas nulidades, deixou de encaminhá-los ao Ministério Público Federal, em observância ao disposto no Parágrafo Único do Art. 154 e Art. 171, ambos do mesmo diploma legal (fls. 105).

A respeito dos motivos que levaram o réu Erlande a assim proceder, veja-se o depoimento do PRF Renato Antônio Borges Dias, fls. 82, verbis:

“que é público e notório que Afonso de Castro alardeava aos colegas de trabalho que estaria investigando a vida funcional do Superintendente Erlande e do Insp. Gonzaga, a fim de encontrar alguma mácula funcional que pudesse lhe servir como objeto de barganha face às investigações administrativas que corriam contra o mesmo”.

Em virtude do resultado das apurações feitas pela já referida Comissão de Sindicância, instaurou-se Processo Disciplinar contra o réu Erlande Antônio da Costa, que resultou na aplicação de pena de DEMISSÃO, consoante prova o documento de fls. 1.287, 6.º Volume.

® A cinco porque, com a anulação da decisão do réu Erlande Antônio da Costa, ora questionada, eventual vício contido no ato foi anulado, não podendo produzir efeitos, notadamente aqueles de caráter punitivo, como quer o MPF.

Em outras palavras, sustenta a r. sentença atacada que o ato praticado com violação à norma de competência, uma vez anulado, não produz efeito algum, nem mesmo em relação à autoridade que, dolosamente, usurpou função que não lhe estava afeta. A seguir-se esse raciocínio, não haveria, então, razão para punir-se o servidor que, mediante propina, praticou ato ilegal, que posteriormente veio a ser anulado. Por ai se vê o absurdo da tese esposada pela sentença.

Não é porque um ato administrativo foi anulado, que todos os seus efeitos deixam de existir. Como exemplo evidente, pode-se citar a nomeação irregular de servidor público. Uma vez anulado o ato de nomeação, subsistem vários dos seus efeitos. Assim é que, os atos praticados pelo servidor, cuja nomeação foi anulada, permanecem validos (princípio do funcionário de fato). Também, a remuneração percebida como contraprestação, durante o período em que desempenhou suas funções, passa a integrar o seu patrimônio, não podendo ser exigida a restituição (princípio da proibição de enriquecimento ilícito). Por fim, a autoridade responsável pela nomeação irregular, uma vez anulada, torna-se sujeita a punição, conforme expressamente prevê o art. 37, § 2º, da Constituição.

A r. sentença atacada equivoca-se na análise dos fatos, em especial a respeito da remessa dos processos disciplinares à Corregedoria da PRF. Com efeito, o réu Erlande somente encaminhou tais processos ao órgão correicional porque recebeu determinação superior para fazê-lo, em virtude das denúncias de usurpação de competência que contra si lhe foram feitas perante seus superiores e perante o MPF.

A seis e sete, porque a última portaria, de n.º 265, de 30/08/2000, que aplicou penalidade de advertência ao servidor, foi editada pelo Coordenador Geral de Corregedoria e porque o processo está no Ministério da Justiça, sem decisão e, ainda que vá ao Presidente da República, não estaria o servidor investigado sujeito à punição.

Tais fundamentos são nitidamente diversionistas, pois têm apenas o condão de tentar desviar o foco das atenções. Com efeito, os atos processuais praticados posteriormente aos fatos narrados na inicial, por autoridades diversas daquelas contra as quais se dirige a presente ação, são irrelevantes para o deslinde da questio.

Não é a conduta do Coordenador Geral de Corregedoria, do Ministro da Justiça ou do Presidente da República que está em questão e sim a conduta do réu Erlande.

A oito, porque não haveria, na Lei 8.429/92, nenhuma tipificação que comporte o procedimento feito pelo Requerido, porquanto inexistiria a alegada usurpação de competência. Nesse ponto, a r. sentença ignorou a lei, em especial o artigo 11, caput, e seus incisos I e II, da Lei 8.429/90 (princípio da legalidade, violação da norma de competência e omitir-se na prática de ato de ofício).

Segundo fato descrito na inicial. No processo administrativo disciplinar n.º 08.662..002.612/98, a comissão entendeu que o servidor Washington Luiz Borges infringiu o artigo 132, VII da Lei 8.112/90, por ofensa física ao motorista José Rivando dos Santos. O relatório final da comissão de processo administrativo disciplinar previu, como penalidade, a demissão do servidor, de acordo com o artigo 132, VII da Lei 8.112/90, com a sugestão de comutação da pena, com fulcro no artigo 128 da mesma lei. O réu decidiu pela atenuação da pena de suspensão por cinco dias ao servidor, nos termos do referido artigo, tendo esta decisão sido publicada pelo superintendente substituto Renato Antônio Borges Dias, por meio da Portaria n.º 084/99, de 10/05/1999. Porém, escapava às atribuições do réu o julgamento da matéria, diante da possibilidade de aplicação da pena de demissão, nos termos do artigo 141, I da Lei 8112/90.

No caso do processo administrativo a que respondeu o réu Washington Luiz Borges, atribuiu-se-lhe a prática de fatos que, em tese, configuram abuso de autoridade, ameaça e lesões corporais contra José Rivando dos Santos. Também nesse caso, o primeiro réu não desincumbiu-se da obrigação legal de comunicar o fato ao Ministério Público Federal, na forma exigida pelo art. 171, da Lei 8.112/90.

Novamente, a r. sentença ora atacada incursionou em terreno que lhe era proibido adentrar. Perquiriu o mérito do ato administrativo, invadindo competência reservada ao Administrador Público.

A r. sentença atacada considerou que não houve excesso por parte do policial investigado disciplinarmente, entendendo que “haveria excesso se, por exemplo, ao invés de golpear o denunciante por duas vezes no rosto, o policial o tivesse golpeado por 5 ou mais vezes, ou mesmo tivesse feito uso da arma de fogo, disparando contra ele. Isto não ocorreu. Falhou a comissão, no meu entender.”.

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