Guerra dos precatórios

Juíza critica poder público e dívida de precatórios

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26 de setembro de 2001, 12h45

A ausência quase que geral da quitação de precatórios de todos os gêneros, por parte dos Estados da Federação, não é uma novidade para o Judiciário brasileiro. Há anos, inúmeros Estados deixam de honrar seus compromissos no tocante às dívidas judiciais.

O Estado de São Paulo não foge à regra. Pelo contrário, é um dos maiores devedores da nação. No que se refere aos precatórios trabalhistas, aqueles conhecidos como de caráter alimentar, o governo do Estado tem se valido de medidas judiciais propostas perante a mais alta Corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal, e se beneficiado de liminares que vêm dando guarida para continuar arrastando o pagamento das dívidas.

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas), deferiu o seqüestro de rendas do governo do Estado de São Paulo, baseando-se no fato de ter se expirado o prazo legal para pagamento de seus créditos trabalhistas.

Todavia e ato contínuo, o governo do Estado, através de seu governador Geraldo Alckmin, ajuizou reclamação constitucional perante o Supremo Tribunal Federal, a fim de obter liminar e conseguir respaldo ao não cumprimento de decisão oriunda do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

Em casos examinados antes da edição da Emenda constitucional 30/2000 – que deu prazo de dez anos para o pagamento de precatórios, mas fixou punições para o descumprimento da norma – o STF desautorizou o seqüestro de verbas para satisfação de crédito de natureza alimentar, fora dos casos em que não for obedecida estritamente a ordem cronológica dos requisitórios.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o precatório, além de ser um instrumento de moralização dos atos administrativos relativamente ao cumprimento das obrigações judiciais, na medida em que impõe a observância pela ordem cronológica da sua apresentação, também é um recurso do Judiciário, visando obrigar aos órgãos públicos o cumprimento de suas decisões ao permitir o seqüestro de rendas, sempre que comprovada a preterição ao direito do credor.

Embora a medida liminar concedida pelo Ministro Maurício Corrêa, em 10.4.1997, na ADIn 1.662/SP proposta pelo governo do Estado de São Paulo, tenha restringido a possibilidade de deferimento de seqüestro de verbas da Fazenda Pública, o fato é que a Emenda Constitucional nº 30, de 13.9.2001, efetivamente alterou alguns dispositivos constitucionais do tema em questão.

O artigo 100 da Carta Magna, através da Emenda Constitucional 30/2001, teve a sua redação alterada, bem como foi acrescido o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. E da apreciação dos dispositivos constitucionais extrai-se que as entidades de Direito Público estão obrigadas a incluir em seu orçamento, quantias destinadas à quitação dos débitos judiciais formalmente requisitados e, igualmente, a efetuar o pagamento integral dos valores devidos, no decorrer do exercício orçamentário pertinente – artigo 100, parágrafo 1º.

Prosseguindo, do exame da nova redação dada aos dispositivos constitucionais, tem-se que o parágrafo 2º do já citado artigo 100, prevê a possibilidade de ser deferida a ordem de seqüestro, em virtude da inobservância de seu direito de preferência, na hipótese de haver um requerimento do prejudicado.

E mais, o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além de permitir o parcelamento dos créditos de natureza comum, em até dez anos, prevê, de forma expressa, em seu parágrafo 4º, a concreta possibilidade de o Presidente do Tribunal competente, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição do direito de preferência, e sempre a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de verbas públicas, em quantia suficiente à satisfação do crédito.

Ora, se o referido artigo 78 permite o seqüestro de rendas para a quitação de débitos judiciais de natureza comum, não pagas na época própria, por maior razão é cabível a medida constritiva relativa às dívidas trabalhistas não quitadas, na medida em que tais créditos são superprivilegiados, dada a sua natureza alimentícia.

O entendimento de forma diversa daria guarida a conferir um superprivilégio ao crédito de natureza comum em detrimento do crédito de natureza trabalhista. Haveria uma inversão total de valores, possibilitando ao Judiciário um poder coercitivo em créditos de desapropriação, por exemplo, ficando ao largo os créditos trabalhistas.

Tais créditos, decorrentes das relações de trabalho, passariam a aguardar a boa vontade e a disponibilidade do Administrador público, o que dificilmente tem ocorrido. A se limitar a aplicação do citado dispositivo constitucional, estar-se-ia afrontando a própria Carta Magna, que sempre buscou conferir a preferência aos créditos salariais, de natureza alimentar.

A única medida, a partir desse entendimento, seria a interposição de pedido de intervenção federal no Estado-membro ou intervenção estadual no Município.

E, como já se tem conhecimento através do noticiário, existem no Supremo Tribunal Federal, somente com relação ao Estado de São Paulo, 2.463 pedidos de intervenção federal, aguardando decisão. O governador paulista, segundo a imprensa, teria anunciado sua disposição de retomar os pagamentos interrompidos há muito.

Mas, em que pese a recente decisão do Supremo Tribunal Federal ter colocado uma pá de cal nas dúvidas que vinham sendo suscitadas a partir da publicação da Emenda Constitucional nº 30/2001, certo é que ao julgar, por maioria de votos, parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo governador Geraldo Alckmin, prevaleceu o entendimento de que mesmo em relação aos créditos de natureza alimentícia, a Constituição somente prevê o seqüestro se a ordem cronológica de pagamento for descumprida.

Desfez-se no horizonte a esperança da efetiva satisfação dos créditos existentes, ao menos a médio prazo, malgrado a força e a coragem do Ministro presidente daquela Corte, Marco Aurélio de Mello, que juntamente com o Ministro Sepúlveda Pertence foram votos vencidos.

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