Venda reconhecida

TJ-DF reconhece cessão de direitos hereditários em sociedade

Autor

22 de setembro de 2001, 15h18

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu cessão parcial de direitos hereditários em sociedade comercial. A viúva de um sócio majoritário queria anular a venda de um imóvel feita pelo seu procurador, mas não conseguiu. A decisão do TJ-DF é definitiva.

A Móveis Veggas, representada por advogados do escritório Alfredo Brandão & Bandeira Neto – Advogados Associados, havia adquirido 80% das cotas de um dos donos da empresa através de seu procurador. O seu sócio também resolveu vender os 20% restantes para a Móveis Veggas.

Depois que o empresário majoritário morreu, a viúva pleiteou a anulação da escritura de cessão de direitos. Argumentou que o procurador do empresário não detinha poderes para fazer a venda.

A sentença foi favorável à viúva em primeira instância. Mas o TJ-DF reformou a decisão, reconhecendo a validade da cessão.

Veja a decisão

Órgão: 4ª Turma Cível

Classe: APC – Apelação Cível nº 1998 01 1 060611-6

Apelante: Móveis Veggas Ltda.

Apeladas: Alice Félix do Carmo, Valkiria Feliciano do Carmo e Vanilda Feliciano do Carmo

Relator: Desembargador Lecir Manoel Da Luz

Revisor: Desembargador Estevam Maia

Ementa

Civil e Processual Civil – Ação de Anulação de Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários – Venda de Bem de Cotas Societárias por não Proprietário – Cessão Parcial de Direitos aos Haveres do “De Cujus” em Sociedade Comercial – Contrato Social – Instrumento de Mandato – Apelo Provido – Unânime.

Não se confundindo com compra e venda de bem efetuada por não proprietário, a cessão parcial de bens hereditários a haveres em sociedade comercial por sócio-cotista falecido, impõe-se afirmar a validade do ato negocial.

Recurso provido para julgar improcedente o pedido inicial, com os consectários da sucumbência.

Acórdão

Acordam os Senhores Desembargadores da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Lecir Manoel da Luz – Relator, Estevam Maia – Revisor, Vera Lúcia Andrighi – Vogal, sob a presidência do Desembargador Estevam Maia, em Conhecer e Prover à Unanimidade, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília – DF, 19 de fevereiro de 2001.

Desembargador Estevam Maia

Presidente

Desembargador Lecir Manoel Da Luz Relator

Relatório

O relatório, em parte, é o constante da r. sentença de 1º grau, fls. 491/502, que se segue:

“Alice Felix do Carmo (fls. 02/05), Valkiria Feliciano do Carmo e Vanilda Feliciano do Carmo (emenda de fls. 55 e despacho de fl. 58), requereram em 14/10/98 “Ação de Anulação de Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários” em desfavor de José Augusto Parreiras De Oliveira (fls. 60/61 e 64), Affonso Gonzaga de Carvalho (fl. 37) e Móveis Veggas Ltda., dizendo que em 03/07/92 as autoras e o sócio do falecido – este último marido da primeira autora e o pai das duas últimas – constituíram como procurador o primeiro Reqdo. José Augusto Parreiras de Oliveira,

“… conferindo-lhe poderes para acompanhar e dar andamento no inventário dos bens deixados por falecimento de Virmondes Feliciano do Carmo” (fl. 02), podendo ainda “… vender, prometer vender, ceder, transferir e ou alienar em favor da firma Móveis Veggas Ltda, ou a quem esta indicar, nas condições e preço que convencionar, os direitos hereditários que os outorgantes possuíam nos imóveis constituídos pelos Lotes de Terreno n.º 08 e 10 do conjunto “A” da QNO 08 – Ceilândia/DF, inclusive as acessões, benfeitorias e instalações sobre eles edificadas.” (fl. 03 – os grifos constam do original).

Porém, valendo-se dos poderes que lhe foram conferidos, o mandatário “… Sr. José Augusto Parreiras cedeu à Móveis Veggas Ltda, os direitos nas cotas de participação na empresa Carmo e Carvalho Ltda. …, sendo que tal empresa estava constituída com o capital social dividido em 80% (oitenta por cento) para o falecido Virmondes Feliciano do Carmo e 20% (vinte por cento) para o seu sócio Onofre Antenor de Carvalho”. (fl. 03 – Os grifos são do original.)

Quando da outorga da procuração ou na lavratura da escritura subseqüente, nelas não interveio a mulher do sócio Onofre Antenor de Carvalho.

Ademais, a procuração não conferia poderes para a transferência de cotas que o falecido Virmondes Feliciano do Carmo tinha na sociedade, mas, ainda assim, o mandatário José Augusto Parreiras transferiu à Requerida. as referidas cotas de capital da sociedade.

Passo seguinte, a Requerida. ingressou no inventário que tramitava perante o Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Uberaba/MG, relativamente aos bens deixados por Virmondes Feliciano do Carmo, obtendo inclusive a destituição da inventariante e viúva, a primeira autora Alice Félix do Carmo, com a nomeação do sócio da Requerida., Valvenagues Martins Borges, o qual foi ainda substituído por Públio Emílio Rocha.


A destituição da inventariante viúva assim o foi sob o argumento de que havia morosidade quanto ao andamento do processo e pelas sucessivas trocas de advogados. Entretanto, “… não verificou-se que a Sra. Alice por ignorância sobre o assunto, entregou tudo nas mãos de advogados, que nada fizeram, a não ser dilapidar o patrimônio até então existente…” (fl. 04), inclusive quando ainda haviam outros herdeiros preferenciais para o encargo.

Estão agora a viúva meeira e as herdeiras na iminência de perderam até mesmo o imóvel residual onde vivem, em razão de erros cometidos.

Requereram então os benefícios da gratuidade, as citações e a “declaração de nulidade” da procuração e escritura e indenização por perdas e danos. (…)

Citado, o segundo Reqdo. Affonso Gonzaga de Carvalho apresentou contestação e documentos de fls. 37/50.

Aduziu em preliminar a prescrição e falta de interesse de agir.

No mérito, sustentou a regularidade do ato jurídico lavrado sob o seu ofício notarial.

Conforme fl. 66, o i. causídico inicialmente constituído substabeleceu os poderes que lhe foram conferidos, sem reservas.

Sob o patrocínio do novo causídico, apresentaram a petição de fls. 73/83, onde pugnam pela exclusão do Reqdo. José Augusto Parreiras de Oliveira, correção dos nomes das partes, bem ainda “a substituição da inicial, … tendo em vista a narrativa dos fatos distorcidos da realidade.” (fl. 44).

Reescreveram a história dos fatos e requereram ao final a anulação da escritura de cessão de direitos hereditários, lavrada com excessos e com base na procuração retro referida, conforme fls. 74/83. (…)

Consoante despacho de fls. 140/143, em saneamento do feito, foi acolhido o pedido de desistência em relação ao Reqdo. José Augusto Parreiras de Oliveira, bem ainda reconhecida a ilegitimidade passiva de Affonso Gonzaga de Carvalho, que assim foram excluídos da lide.

Também porque a Requerida. Móveis Veggas Ltda., inobstante citada, ainda não havia apresentado resposta, admitiu-se a emenda de fls. 74/83 sob o seguinte fundamento:

“Todavia, no caso presente, considerando que, embora citada, a Requerida. Móveis Veggas Ltda. não apresentou resposta alguma, não há porque aplicar a regra do art. 264. Afinal, se o seu prazo somente começará a fluir a partir da intimação da decisão que acolhe o pedido de desistência ou exclui da lide quem dela não deva fazer parte, prejuízo algum advirá com a emenda apresentada às fls. 74/83, ou os documentos a ela acostados.” (fl. 142).

Assim, excluídos da lide os dois primeiros Requeridos. E admitida a emenda de fls. 74/83, foi então intimada a terceira Requerida. (fls. 423/4), a qual apresentou a contestação e documentos de fls. 147/419.

Aduziu em preliminar a prescrição de que fala o art. 178, parágrafo 9º, inciso V, do C. Civil, em face do prazo de quatro anos para a anulação de atos jurídicos como tal, sob o fundamento contido no art. 147 do mesmo Código.

Isso porque os atos impugnados datam de 03/07/92 e o pedido somente foi ajuizado seis anos depois.

Apontou ainda em preliminar a carência de ação por falta de interesse de agir, pois que a outorga conferia ao mandatário poderes “… para que cedesse os direitos hereditários que lhes cabiam, nas condições e preço que o mandatário convencionasse, … sendo que os próprios cedentes confessaram e declararam “haver recebido, de cuja importância recebida dão plena e irrevogável quitação, para nada mais reclamar com fundamento na presente Escritura” (fls. 150/151 – O destaque consta do original.)

No mérito, disse que a Requerida. não tem qualquer liame com o imóvel constituído pelo lote 79, do Setor H Norte de Taguatinga.

Ademais, trata-se de ato jurídico perfeito, o que assim o põe sob o manto da garantia constitucional encartada no art. 5º XXXVI, pois que obedecida a regra do art. 82 do C. Civil.

Isso porque as autoras venderam à Requerida. os lotes 08 e 10, Conjunto “A”, da QNO 08/Ceilândia-DF, pelo preço de CR$ 100.000,00 e receberam o respectivo preço.

Ademais, “A Escritura Pública de Cessão de Direitos, anexa, lavrada às fls. 195/196, do livro 016, em 14/12/92 (doc. 05), refere-se à transferência, tão somente, da fração ideal relativa aos direitos hereditários que possuíam os Outorgantes Cedentes: Alice Felix do Carmo, Vilmar Feliciano do Carmo, Valkíria Feliciano do Carmo e Vanilda Feliciano do Carmo, a primeira, na qualidade de viúva meeira, e os demais, como filhos (herdeiros), de Virmondes Feliciano do Carmo.” (fl. 154).

Tal cessão refere-se a 80% dos imóveis ali mencionados, que representavam as cotas do sócio falecido Virmondes Feliciano do Carmo, pois que tais imóveis pertenciam à sociedade Carmo e Carvalho Ltda., e não integrava assim o patrimônio particular do sócio.


O sócio Onofre Antenor de Carvalho nada recebeu a título de herança, pois não era herdeiro. Desse modo, não figurou na cessão de direitos, pelo que assim “…este e sua mulher, cederam à firma Móveis Veggas Ltda, através de instrumento particular constante dos autos, que poderia indiferentemente ser assinado por Procuração, que foram lavradas também no citado Cartório, às fls. 32, livro 59, em 27/11/92, ficando assim patente a outorga uxória, ao contrário do que afirma a Autora.” (fl. 156).

Logo, porque adquiriu do outro sócio, Onofre Antenor de Carvalho, os 20% restantes, consolidou em seu poder a totalidade dos direitos sobre os imóveis da QNO 08, Conj. “A”, Lotes 08 e 10, de Ceilândia/DF.

Por fim, nos autos do inventário processado perante o Juízo de Direito da Comarca de Uberaba/MG, foi expedida carta de adjudicação passada em favor da Requerida. Móveis Veggas Ltda., cuja decisão do juízo sucessório até mesmo transitou em julgado.

Pugnou ao final pela improcedência dos pedidos.

Réplica, fls. 428/433, dizendo que o imóvel constituído pelo lote 79 do Setor H Norte de Taguatinga também pertencia à firma Carmo e Carvalho Ltda., mas este não foi objeto da negociação que somente dizia respeito aos imóveis de Ceilândia. Mas ainda assim, houve a transferência das cotas de capital da sociedade, sendo que tais cotas jamais foram objeto de alienação em favor da Reqda.

Aduzem que, por sua vez, o Juízo Sucessório sentenciou:

“Embora tal venda tenha sido feita sem autorização judicial, o percentual das cotas vendidas deverá fazer parte da partilha, como exige a lei. Não pode assim ser ditas cotas serem transferidas à compradora, por meio inábil, senão mediante partilha, …” (fls. 429/430).

Sobre a prescrição, disseram que somente tomaram conhecimento do fato em data de 04/11/98, não havendo assim porque admiti-la.

Consoante fls. 542/3, 455/7, o i. causídico substabelecido renunciou à outorga.

Designada data para audiência preliminar de conciliação – CPC, art. 331, compareceram tão somente as Requerentes. com novo patrono constituído (fls. 459/461), ocasião em que foi deferida a produção de prova testemunhal, designando ainda data para a instrução.

Conforme fls. 477/482, foram colhidas as provas e, encerrada a fase instrutória, aduziram as partes suas alegações finais na mesma assentada.”

Acrescento que o d. juiz monocrático julgou procedente, em parte, o pedido deduzido com a inicial, para anular a escritura pública de cessão de direitos hereditários lavrada em notas do 10º Ofício do Distrito Federal, em Ceilândia, em 14/12/92, livro 016, fl. 195, cuja cópia veio juntada às fls. 46/47 e improcedente o pedido de indenização por perdas e danos, eis que não restaram comprovados os danos alegados.

Irresignado, o réu-apelante em suas razões de recurso alega que as requeridas lhe cederam, mediante venda e quitação do preço, os direitos que lhes cabiam sobre os imóveis denominados lotes 8 e 10, Conj. A, AQNO 08, onde se encontra instalada a fábrica de móveis. Afirma, ainda, que estas não se insurgiram contra a venda dos lotes, e sim, contra a parte da escritura que extrapola os limites da venda ao consignar quotas da empresa Carmo e Carvalho Ltda.

Contra-razões às fls. 518/519. Preparo à fl. 514. É o relatório.

Votos

O Senhor Desembargador Lecir Manoel da Luz – Relator

Cabível e tempestivo, conheço do recurso.

Alice Félix do Carmo, Valkíria Feliciano do Carmo e Vanilda Feliciano do Carmo, na qualidade de viúva meeira e herdeiras de Virmondes Feliciano do Carmo, propuseram ação de anulação de Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários em desfavor de José Augusto Parreiras de Oliveira, Affonso Gonzaga de Carvalho e Móveis Veggas Ltda que, após regularmente processada e excluídos os dois primeiros réus, o pedido foi julgado parcialmente procedente, ao fundamento de que os vendedores não eram proprietários do bem cedido.

Consta dos autos que a partilha dos bens deixados por Virmondes Feliciano do Carmo foi homologada de acordo com o esboço abaixo transcrito:

Meação

Viúva Meeira: Alice Félix do Carmo

a)- 50% (cinqüenta por cento) do veículo VW, Brasília, a gasolina, Placa AK 9102, CH n.º BA374187, ano 1976, modelo 1977, cor verde, código Renavan 001310186;

b)- 40% (quarenta por cento) do imóvel situado na área especial 80, do Setor H Norte, em Taguatinga – DF;

c)- 45% (quarenta e cinco por cento) do patrimônio líquido da Firma Lanternagem e Pintura Boiadeiro, no valor de Cr$11.527,37.

Quinhão Hereditário:

– Herdeiros:

I – Filha: Valkiria Feliciano do Carmo

a) – 1/3 (um terço) de 50% (cinqüenta por cento) do veículo VW Brasília acima descrito;


b) – 1/3 (um terço) de 40% (quarenta por cento) do imóvel situado na área especial 80, do setor H Norte, em Taguatinga – DF;

c) – 1/3 (um terço) de 45% (quarenta e cinco por cento), ou seja, 15% (quinze por cento) do patrimônio líquido da Firma Lanternagem e Pintura Boiadeiro, no valor de Cr$11.527,37.

II – Filha: Vanilda Feliciano do Carmo

a) – 1/3 (um terço) de 50% (cinqüenta por cento) do veículo VW Brasília acima descrito;

b) – 1/3 (um terço) de 40% (quarenta por cento) do imóvel situado na área especial 80, do setor H Norte, em Taguatinga – DF;

c) – 1/3 (um terço) de 45% (quarenta e cinco por cento), ou seja, 15% (quinze por cento) do patrimônio líquido da Firma Lanternagem e Pintura Boiadeiro, no valor de Cr$11.527,37.

III – Filho: Vilmar Feliciano do Carmo

a) – 1/3 (um terço) de 50% (cinqüenta por cento) do veículo VW Brasília acima descrito;

b) – 1/3 (um terço) de 40% (quarenta por cento) do imóvel situado na área especial 80, do setor H Norte, em Taguatinga – DF;

c) – 1/3 (um terço) de 45% (quarenta e cinco por cento), ou seja, 15% (quinze por cento) do patrimônio líquido da Firma Lanternagem e Pintura Boiadeiro, no valor de Cr$11.527,37.

B – Cessionários:

I – Reinaldo Ramos

uma casa residencial situada na Rua Sacramento n.º 32, bairro São Benedito, em Uberaba – MG.

II – Gilberto Flauzino Pereira

– um veículo marca Chevrolet, C-10, camioneta, ano 79, cor branca, placa BA2292, ch. 144PGJ37827.

III – Móveis Veggas Ltda.

– imóveis pertencentes à empresa Carmo e Carvalho Ltda, situados nas áreas especiais n.º 08 e 10 do Conjunto A, da QNO 08, Ceilândia – DF, medindo 600m².

B) – Bens reservados para garantir dívidas do espólio

a) – um imóvel situado na área especial 79, do setor H – Norte, em Taguatinga Norte, medindo 15m², com área construída de 300m²;

b) – 40% de um imóvel situado na área especial 80, do Setor H – Norte, em Taguatinga – DF, do pagamento da meeira Alice Félix do Carmo, arrestado pelo Banco Bamerindus em decorrência de ação de execução movida pela referida instituição financeira.

C)- Débitos do Espólio

a) – despesas processuais;

b) – honorários eventualmente devidos na ação de arbitramento proposta;

c) – Banco Unibanco, referente à ação judicial;

d) – Banco Bamerindus do Brasil, referente à ação judicial (execução contra meeira Alice Félix do Carmo – Processo n.º 1946/16;

e) – Dívida trabalhista tendo como reclamado Jaci Gonçalves;

f) – Ação de execução na Comarca de Uberaba tendo como exeqüente Regis Goulart Botelho.

Homologada a partilha expediu-se carta de adjudicação em favor da cessionária Móveis Veggas Ltda.

Tal carta de adjudicação teve por fundamento a Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários firmada por Alice Félix do Carmo, na qualidade de viúva-meeira e inventariante, Vilmar Feliciano do Carmo, Valkíria Feliciano do Carmo e Vanilda Feliciano do Carmo, na qualidade de herdeiros, por intermédio do procurador José Augusto Parreiras de Oliveira, tendo como cessionário a empresa Móveis Veggas Ltda, na oportunidade representada por seu sócio-gerente Valvenagues Martins Borges, e relativo as quotas de participação da empresa Carmo e Carvalho Ltda, no que pertine à fração ideal sobre os imóveis designados por áreas especiais nºs 08 e 10, do Conjunto A, da QNO 08, Ceilândia – DF.

Desse instrumento público de cessão participaram os autores da ação cuja sentença é impugnada pelo presente recurso de apelação.

Tais autores receberam como preço da cessão a importância de Cr$100.000.000,00 (Cem milhões de cruzeiros).

Eis a suma dos fatos.

Com efeito, trata-se de sentença de procedência do pedido de declaração de nulidade da Escritura Pública, ao fundamento de que houve venda de bem de cotas societárias por não proprietário. É que, segundo o magistrado sentenciante, o bem objeto da cessão (lotes 8 e 10, do Conjunto A, da QNO 8, Ceilândia – DF) pertencia a sociedade comercial Carmo e Carvalho Ltda, que não se confunde nem com as pessoas dos sócios, nem com a de seus herdeiros.

Embora assim fundada a r. sentença, tal fundamento, se procedente, fulminaria a ação por evidente carência de direito dos autores, pessoa diversa da sociedade comercial, proprietária do bem cedido.

Não se trata, contudo, de venda por não proprietário, mas de cessão parcial de direitos hereditários aos haveres do de cujus na sociedade comercial Carmo e Carvalho Ltda, proprietária dos imóveis situados na área especial 80, do Setor H Norte, em Taguatinga – DF e dos lotes 8 e 10, do Conjunto A, da QNO 8, Ceilândia – DF.

Os herdeiros e a viúva-meeira, com efeito, pela cessão de direitos hereditários formalizada na aludida Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários, receberam a importância de cem milhões de cruzeiros, sendo expedida, após regular processamento do inventário, a Carta de Adjudicação em favor da cessionária Móveis Veggas Ltda, posto que adquirira do sócio sobrevivente as cotas de que era titular na empresa Carmo e Carvalho Ltda, em correspondência com os direitos hereditários aos haveres cedidos pela meeira e os herdeiros.


Dúvida não há, na espécie, de que se cuida de cessão parcial de direitos aos haveres societários, não só diante da bem definida correspondência entre o bem e as cotas do sócio-cotista falecido, mas também, diante da cláusula sétima do contrato social celebrado entre Virmondes Feliciano do Carmo e Onofre Antenor de Carvalho, arquivado na Junta Comercial do Distrito Federal em 9 de julho do ano de 1982 sob o número 532/0020099/6, cujo teor é o seguinte, verbis:

“Cláusula Sétima

No caso de morte, retirada, interdição ou inabilitação de uma das partes, a sociedade se dissolverá, devendo o sócio remanescente proceder a um balanço extraordinário no prazo de 30 (trinta) dias da data do evento e cujos haveres apurados serão pagos ao sócio retirante, interdito, inabilitado ou os herdeiros legais do sócio falecido em 05 (cinco) parcelas mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira 60 (sessenta) dias após o evento.”

Registre-se, no mais, que o instrumento do mandato constante às fls. – é confirmatório dessa cessão parcial de direitos hereditários, tanto quanto o próprio formal de partilha que, adjudicando ao cessionário o imóvel situado nas áreas especiais 8/10 do Conjunto A da QNO 8, Ceilândia, DF, partilhou à meeira e aos herdeiros o imóvel situado na área especial 80, do Setor H Norte em Taguatinga, DF, que integrava também o patrimônio da sociedade comercial Carmo e Carvalho Ltda, dissolvida com a morte do sócio-cotista majoritário Virmondes Feliciano do Carmo.

Confira-se, a propósito da dissolução, a manifestação de Fábio Ulhoa Coelho, em seu Curso de Direito Comercial “Dissolução é um conceito ambíguo, no direito societário. Em sentido amplo, significa o procedimento de terminação da personalidade jurídica da sociedade empresária, isto é, o conjunto de atos necessários à sua eliminação, como sujeito de direito. A partir da dissolução, compreendida nesse primeiro sentido, a sociedade empresária não mais titulariza direitos, nem é devedora de prestação. Em sentido estrito, a dissolução se refere ao ato, judicial ou extrajudicial, que desencadeia o procedimento de extinção da pessoa jurídica. Os atos de encerramento da personalidade jurídica da sociedade empresária (a dissolução em sentido amplo) distribuem-se nas fases de dissolução (sentido estrito), liquidação e partilha (Bulgarelli, 1978:87).” (in volume 2, pág. 434, Editora Saraiva, 1999).

De resto, é plenamente válida a cessão parcial de direitos hereditários que em nada compromete a universalidade da herança (artigo 1.580, Código Civil), na condição de que figurem como cedentes todos os herdeiros e o cônjuge-meeiro e tenha o negócio jurídico bilateral por objeto direito certo e definido de que é espécie o direito a haveres societários correspondente a determinado bem.

E nem se confunde a aludida cessão parcial com a venda de bem, em sucessão hereditária, cuja validade, aliás, nunca se discutiu nem em sede doutrinária, nem em sede jurisprudencial, na perspectiva nem da universalidade da herança.

A espécie, se preservada a decisão impugnada, consagra rematado enriquecimento sem causa e suprime do direito a sua razoabilidade.

Inexistente a pré-falada venda de bem por non dominus e bem certificada pela prova, mas a cessão parcial de direitos hereditários a haveres de sócio-cotista falecido, dou provimento ao recurso, reformando a r. sentença impugnada, julgando improcedente o pedido, invertendo, dessa forma, os ônus da sucumbência.

É como voto.

O Senhor Desembargador Estevam Maia – Revisor

Conheço do recurso, que é próprio e tempestivo, e foi regularmente preparado.

A hipótese é de ação de anulação de escritura pública de cessão de direitos hereditários.

Relatam os demandantes haverem constituído mandatário para alienar, em favor da firma Móveis Veggas Ltda, os direitos hereditários recebidos do espólio de Virmondes Feliciano do Carmo sobre os lotes 8 e 10 do conj. “A” da QNO 08 de Ceilândia, e que aquele, se excedendo dos poderes outorgados, promoveu a cessão das cotas da empresa Carmo e Carvalho Ltda, constituída 80% por capital do falecido e 20% pelo sócio Onofre Antenor de Carvalho, de cuja esposa não foi colhida outorga para tanto.

Perseguem a invalidade do ato translativo, seja pelo desvio de poder, seja pela falta da outorga uxória do sócio minoritário.

O pedido foi julgado procedente em parte.

Inconformada, apelou a Moveis Veggas (fl.506).

Suscita preliminar de inépcia da inicial, pela incongruência entre o pedido de anulação e a confirmação do propósito de venda dos bens à apelante (petição de fl.74), eis que manifestam inconformismo unicamente quanto à cessão das cotas da empresa citada não contempladas pela procuração de fl.07, confirmando, no mais, a alienação dos imóveis de Ceilândia.


Pede a reforma do julgado para restringir a anulação da escritura apenas à cessão das cotas da empresa Carmo & Carvalho Ltda, mantendo íntegra a parte relativa aos imóveis de Ceilândia, no qual encontra-se funcionando a fábrica de móveis da recorrente.

Preparo regular à fl. 514.

Contra-razões às fls. 518/519 pugnando pela manutenção da sentença, sem contudo exibir argumentos pertinentes à pretensão recursal.

A meu juízo, razão assiste à recorrente.

É princípio basilar do direito civil que o ato jurídico realizado com objeto lícito, agente capaz e forma prescrita ou não defesa em lei constitui negócio perfeito e acabado, cuja anulação somente se admite em virtude de algum dos vícios de erro, dolo, coação, simulação ou fraude de que tratam os artigos 86 a 113 (Cód. cit.).

Por outro lado, de acordo com o princípio sansine adotado pela legislação pátria, o momento da morte da pessoa natural determina a abertura da sucessão hereditária, que transmite, automaticamente, o domínio e a posse dos bens do falecido aos seus herdeiros, sem solução de continuidade.

No caso dos autos, consta que os imóveis de Ceilândia ¾ constituídos pelos lotes 08 e 10 do conj. “A” da QNO 08 ¾ foram adquiridos da NOVACAP pela sociedade Carmo e Carvalho Ltda, formada por Virmondes Feliciano do Carmo (80%) e Onofre Antenor de Carvalho (20%), conforme contrato social de fls. 14/16.

Quando do falecimento do primeiro sócio, a viúva-meeira e os herdeiros do de cujus (Vilmar, Valkiria e Vanilda Feliciano) se uniram ao segundo sócio, Onofre, na procuração de fl.07, para constituir mandatário com o fim de alienar ditos imóveis à firma Móveis Veggas Ltda.

E assim foi feito: a escritura pública de cessão de direitos hereditários de fl.08 cede os direitos que cabem aos outorgantes nas cotas de participação da empresa Carmo e Carvalho Ltda no que pertine à fração ideal dos imóveis n° 8 e 10 …. de Ceilândia.

Ora, a meu sentir, os termos da escritura não incorrem em qualquer desvio de poder, pois embora faça menção às cotas da sociedade, o objeto da negociação está claramente restrito aos imóveis de Ceilândia que os proponentes pretendiam alienar, e que integravam, como já visto, o patrimônio da referida sociedade, por isso a necessidade de sua referência.

Também não vislumbro qualquer outra mácula a autorizar a anulação perseguida.

Embora o contrato social da empresa preveja, para o caso de morte de um dos sócios, a dissolução da sociedade com balanço visando a apuração dos haveres a serem rateados entre os herdeiros, tal disposição constitui um direito, e nenhum óbice oferece à transação nos moldes em que realizada.

Diante disso, divirjo da interpretação adotada pelo i. juiz sentenciante ¾ de que a venda de um imóvel pertencente à sociedade, pelos herdeiros de um dos sócios falecido, configura alienação por quem não seja proprietário ¾ e tenho como perfeita e idoneamente substituído o primeiro sócio, Virmondes, por seus sucessores, no negócio de venda dos indigitados imóveis, ao lado do sócio remanescente Onofre, todos outorgantes da procuração de fl.05.

E não se há invocar a ausência de outorga da esposa do sócio Onofre como causa à anulação: a uma, porque falta aos demandantes legitimidade ativa para tanto, pois não existe previsão legal para pleitear-se, em nome próprio, direito alheio (art. 6º do CPC); a duas, porque a hipótese comporta ratificação, sendo por isso ato anulável e não nulo, e a ninguém é dado se valer da própria torpeza em detrimento de um negócio jurídico conscientemente entabulado e perfectibilizado.

Destarte, com fundamento em todo o exposto, Dou Provimento Ao Apelo, para reformar a r. sentença hostilizada, julgando improcedente a ação anulatória, invertendo-se os ônus da sucumbência.

É como voto.

A Senhora Desembargadora Vera Lúcia Andrighi – Vogal

De acordo.

Decisão

Conhecida e provida, à unanimidade.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!