Janela indiscreta

Atentado nos EUA acende xenofobia e gera teorias malucas

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18 de setembro de 2001, 0h06

De um lado do ringue, a sede de vingança; do outro, uma coleção de ressentimentos que deságua em frases que não chegam a ser pronunciadas claramente, mas se fossem seriam algo como: “Bem feito. Colheu o que plantou!”. No meio, o trágico assassinato de milhares de pessoas, civis inocentes, em Nova York.

O episódio eletrizou os ambientes com pensamentos e opiniões que a imprensa brasileira vai filtrando, cheia de cautelas, como o comentarista de uma partida de futebol, que escolhe as palavras no decorrer do jogo para não ter que engoli-las depois.

Já nos bares e esquinas, as teses correm soltas. A desinformação sobre o que originou o morticínio nos Estados Unidos mostra a fertilidade do planeta para a repetição do que se viu no último dia 11.

Muitas rodas de discussão estão tratando do assunto na Internet. Elas se formam quase ao acaso – quando alguém resolve compartilhar algo que achou interessante com os donos de e-mail que se encontram em sua lista de endereços – e geram um intenso debate. Nessas “assembléias” o que se ouve (ou lê) é impressionante.

Quem tiver a paciência de ficar ouvindo as conversas na rua ou aguentar acompanhar nas janelas indiscretas da Web, as trocas de opiniões grupais, tem um bom material para refletir. Há avaliações como esta:

“Todos os muçumanos da face da terra deveriam morrer! É incrivel o que estes caras estão fazendo em nome de seu DEUS! Creio que nenhuma religião prega uma MERDA tão grande… Matar ou iniciar uma guerra em troca de uma vitoria espiritual? Fodam-se todos!”.

O autor do discurso chama-se Alessandro ([email protected]). Ele foi além, defendendo que “um exterminio em massa de terrorista em praça publica ainda é pouco!”.

Na ala da indiferença, a estudante de jornalismo Daniella Franco, irritada com a discussão, atacou sem dó maior: “eu não sou americana nem muçulmana. Não tenho nada a ver com isso”. Para ela, o furor e a consternação mundial explica-se pela ânsia sensacionalista da imprensa que quer aumentar a audiência a qualquer preço.

O besteirol tem passaporte de todas as cores, como mostra o correspondente da Folha de S.Paulo em Washington, Márcio Aith, ao revelar que o reverendo Jerry Falwell e o apresentador evangélico Pat Robertson, dois personagens do mundo religioso-televisivo-conservador dos EUA, creditaram os atentados às mulheres que fazem aborto e aos homossexuais. Para eles, os EUA tornaram-se vulneráveis porque insultaram Deus e perderam sua proteção.

No último fim de semana, enquanto pipocavam informes de agressões contra pessoas com sobrenomes árabes, o jornalista Élio Gaspari identificou um forte sentimento anti-americano no Brasil. Ou, quem sabe em determinada camada da população. O que é verdade. As razões (se é que se pode usar essa palavra) podem ser parecidas com as que originaram os ataques nos Estados Unidos.

Aliás, muita gente, além do economista Celso Furtado, citado por Gaspari, considera a possibilidade extraordinária de os próprios americanos terem não apenas inspirado, mas perpetrado o atentado. “É bem provável que os próprios norte-americanos tenham feito essa barbaridade”, arrisca Denise Araújo – outra participante da lista de discussões supra-mencionada.

O advogado Félix Soibelman, por sua vez, em artigo nesta Consultor Jurídico, acusa uma forte onda anti-semita, em que aos judeus se atribui a origem de toda a desgraça que se imagina vir por aí. A fonte do mal, identifica ele, está na Europa cristã.

Ainda há espaço para se dizer que a origem de todo o mal está nas religiões que geram o fanatismo. Independentemente de nacionalidades, também, os países pobres podem apontar o dedo para os ricos, responsáveis por seus problemas. Ou vice-versa.

O mosaico da xenofobia parece ter o tamanho do mapa-múndi. Não é à toa que a Conferência Mundial Contra a Intolerância, o Racismo e a Discriminação tenha fracassado tão rotundamente. Pudera.

Uma coisa é certa: a semente do ódio que explodiu em Nova York, Washington e na Pensilvânia tem um amplo terreno fértil para germinar. E muita gente para cultivá-la.

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