Venda pela Web

Submarino é processado por descumprir prazo de entrega

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15 de setembro de 2001, 15h41

O site de vendas submarino (www.submarino.com.br) está sendo processado por vender produto que não possuía em seu estoque, descumprir o prazo de entrega e ainda cancelar o pedido. A ação foi impetrada pelo advogado Amaro Moraes e Silva Neto, autor do livro Privacidade na Internet.

O seu filho, menor de idade, encomendou um videogame pela Web, mas não o recebeu no prazo de quatro dias conforme o prometido. Depois de quase um mês da compra, o pedido foi cancelado pelo site.

O advogado afirma que o submarino vendeu o que “não possuía e prometeu data de entrega que foi uma farsa”. Ele considerou que houve uma verdadeira “cibertapeação”, onde os princípios legais foram violados.

Amaro aponta várias irregularidades diante da compra feita pela Internet. Uma delas é a incapacidade de menores de idade comprarem produtos. De acordo com o artigo 145, do Código Civil Brasileiro, é nulo o ato jurídico quando praticado por pessoa absolutamente incapaz. O artigo 5º do Código Civil define os menores de 16 anos como incapazes.

Para embasar seu pedido de indenização em cem vezes mais que o valor pago (R$72,35), o advogado cita, ainda, o Código de Defesa do Consumidor que veda a propaganda enganosa. O pedido é baseado também no artigo 173 do Código Penal, que prevê pena de dois a seis anos e multa para quem “abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, de paixão, ou inexperiência de menor…”. O Estatuto da Criança e do Adolescente também foi citado na petição inicial.

Em primeira instância, a Justiça extinguiu a questão sem julgar o mérito. O advogado apelou. O Tribunal de Alçada Civil de São Paulo mandou suspender a extinção e determinou o normal processamento da ação. Leia a seguir o pedido inicial, a apelação e a decisão que suspende a extinção da ação.

Veja a petição inicial

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL A QUE ESTA COUBER:-

(…), brasileiro, menor impúbere, nascido aos 19 de julho de 1985, estudante, (…) neste ato representado por seu pai, Amaro Moraes e Silva Neto, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB-SP sob nº 38.203, (…) consoante as prerrogativas que lhe são deferidas, pelos artigos 275 e seguintes do Código de Processo Civil, vem promover o presente procedimento sumário de resilição contratual cumulada com perdas e danos contra a empresa Submarino S/A, com sede, nesta Capital, na rua James Holland, nº 500, no bairro da Barra Funda (CEP 01138-000), consoante as razões de fato e de direito a seguir aduzidas, analisadas e fundamentadas:-

I – dos fatos

1) A sociedade RÉ é o que a “nova economia” apelidou de empresa virtual, de empresa “pontocom”. Em seu site na Internet (isto é, no lugar físico onde estão armazenadas as informações que disponibiliza através da grande rede de computadores), entre outros serviços, ele promove a venda do softwares nos seguintes endereços:

http://www.submarino.com ou http://www.submarino.com.br

Dentre esses softwares, a sociedade Ré disponibiliza à venda o videogame conhecido como Diablo 2, da empresa PC@Home.

¿Seu preço? R$ 68,75 (sessenta e oito reais e setenta e cinco centavos) mais o frete de R$ 3,60 (três reais e sessenta centavos), perfazendo o total de R$ 72,35 (setenta e dois reais e trinta e cinco centavos).

¿Forma de pagamento? Através de cartão de crédito ou boleto bancário.

¿Entrega? Na residência do Autor.

¿Prazo para a entrega? Até quatro dias, ao depois de realizado o pagamento.

2) Interessado por esse produto e acorde com as condições delineadas no site em questão, o Autor contatou a sociedade Ré e, a partir da Internet, formulou seu pedido aos 27 de julho de 2000, o qual recebeu o número 442342.

No dia seguinte o Autor depositou, em favor da sociedade Ré (através de boleto por ela fornecido eletronicamente na própria rede) o montante de R$ 72,35 (setenta e dois reais e trinta e cinco centavos), como evidencia o incluso documento;

Agora só lhe restava aguardar o envio da mercadoria em questão, haja vista que, como todas as evidências clamam, o Autor cumpriu a parte que lhe cumpria, qual seja, pagou, antecipadamente, o preço da licença de utilização de software e, tempestivamente, informou a sociedade Ré de seus atos.

Entrementes, se o Autor honrou sua parte, o mesmo não pode ser dito em relação à sociedade Ré, como a seguir veremos;

3) Apesar de ter recebido o que lhe era devido, a sociedade Ré não entregou o software em questão no prazo convencionado, qual seja, o produto em questão não foi entregue no dia 1º de agosto p.p..

Justificadamente inconformado, no dia seguinte (02/08/2000) incontinenti o Autor por outra feita contatou a sociedade Ré pedindo satisfações.

Sepulcral silêncio. Novos e-mails à sociedade Ré.


Finalmente, mostrando que honrar compromissos não é seu ponto forte, a sociedade Ré, aos 09 de agosto enviou ao Autor o seguinte e-mail:

Sr. João,

Em virtude de problemas alfandegários, o fornecedor do diablo2 (pc@home), não nos entregou nosso pedido conforme havia sido programado. Como conseqüência, o submarino e todas as outras lojas tiveram seu planejamento de estoque prejudicado. Desta forma, infelizmente, você que comprou o diablo2 no submarino a partir de 17/07, só estará recebendo o produto a partir de 18082000.

Gostaríamos de desculpar-nos pelo transtorno e garantir-lhe que esse atraso foi em virtude de problemas que fogem de nosso alcance, e não de problemas na nossa logística.

Aproveitando para ressaltar que daremos prioridade ao seu pedido assim que o produto escolhido estiver em nosso estoque. Desculpe-nos o transtorno, e continue comprando no submarino! Estamos a total disposição para esclarecimento de eventuais dúvidas!

Obrigada!

Luciana franco

[email protected]

(sic et sic – cf. In documento incluso)

Esse e-mail é revelador, haja vista que a sociedade Ré confessou que não tinha à disposição para a venda o produto que ofertava. Afinal, ponderemos, o Autor fez seu pedido aos 27 de julho de 2000, quando a sociedade RÉ já sabia que não disponibilizava do produto. ¿Por que, então, não alertou o Autor sobre a impossibilidade da realização da entrega no prazo de quatro dias? ¿Por que esperou o Autor fazer o pagamento para, somente ao depois, alertá-lo da impossibilidade da entrega?

Entrementes, altiloqüente Julgador, a “cibertapeação” da qual o Autor foi vítima não se encerra por aí;

4) De pronto o Autor solicitou à sociedade Ré que, ao menos, lhe devolvesse o que foi pago.

Passada uma semana, aos 16 de agosto, essa empresa de comércio eletrônico que funciona a ritmo de corda, enviou ao Autor o seguinte e-mail:

Cancelamento de pedido de solicitação de cliente – cobrança de cartão não realizada.

Sr. João,

Informamos que, conforme sua solicitação em contato anterior, o seu pedido número 442342 foi cancelado. O valor de referente ao pedido não será cobrado no cartão de crédito. O(s) item(s) do seu pedido é (são): Game.diablo 2.pc home.

Qualquer dúvida, entre em contato conosco pelo e-mail. [email protected] respondendo a esta mensagem e mantendo o campo assunto (subbject) ou através de uma nova, mencionando o seu nome, e-mail e o número do pedido 442342.

Esperamos poder atendê-lo(a) novamente.

Atenciosamente,

Helio fenci

[email protected]

(sic et sic – cf. In documento incluso)

Ignora o Autor se a sociedade Ré age com incompetência ou má-fé em seus negócios. Afinal, ponderemos, ¡o Autor, eis que menor impúbere, não possui cartão de crédito! Mais? A sociedade Ré tal o sabia, eis que, presumivelmente, deve possuir alguma contabilidade. Conseqüentemente, mais um atraso.

O Autor envia novo e-mail à sociedade Ré e, no dia seguinte (18/8/2000) recebe esse derradeiro e-mail:

Prezado (a) cliente,

Informamos que, conforme sua solicitação em contato anterior, o (a) seguinte(s) item(ns) de seu pedido foi (foram) cancelado(s):

(Descrição do objeto)

Para que possamos realizar o estorno no valor de r$ 72.35, solicitamos que nos envie os dados abaixo para depósito em conta:

Banco/Agência/Conta corrente/Correntista

Qualquer dúvida ou problema, entre em contato conosco pelo e-mail [email protected] respondendo a esta mensagem e mantendo o campo assunto (subject) ou através de uma nova, mencionando o seu nome, e-mail e o número do pedido 442342.

Obrigado por comprar no submarino!

Atenciosamente

Atendimento financeiro submarino

Financeiro@submarino .com.br

(sic et sic – cf. In documento incluso)

E, mais uma vez, o Autor contatou a sociedade Ré – desta feita telefonicamente – e lhe forneceu, aos 19 de agosto p.p., os dados da conta de sua mãe, Denise Yurie Yamamoto de Moraes, bem como os dados de sua conta corrente (nº 5398-8), mantida no Banco do Brasil (agência 2962-9).

Entrementes, ressaltemos, a referida devolução não se operou até o momento em que protocolizávamos o presente pedido de tutela jurisdicional.

Como estamos a ver, excelentíssimo sentenciador do feito, a atitude da sociedade Ré extrapolou o ilícito civil para alcançar o ilícito penal, eis que vendeu o que não possuía para vender, prometeu uma data de entrega que foi uma farsa e, uma vez instada a devolver o que indevidamente recebeu queda-se inerte. Enfim, como já o dissemos, pelo menos em relação a menores incapazes o comércio para a sociedade Ré é uma verdadeira cibertapeação, onde se violam os mais elementares princípios legais.


Feitas essas ponderações quanto aos fatos, passemos ao direito;-

II – da legislação violada

a) o Código Civil

5) Pro primo, temos que o negócio em questão é nitidamente irregular, haja vista que uma das partes contratantes não guarda as necessárias condições de negociar.

Reza o inciso i, do artigo 145, do Código Civil Brasileiro, que:-

É nulo o ato jurídico:

I – Quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (Art. 5º);

Já o referido artigo 5º, igualmente do Código Civil, determina que:

São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de 16 (dezesseis) anos;

II – os loucos de todo o gênero;

III – os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade;

Iv – os ausentes, declarados tais por ato do juiz.

Ora… como comprovam as inclusas certidão de nascimento e Cédula de Identidade, o Autor é absolutamente incapaz para praticar atos de comércio. Mas isso não foi óbice para que a sociedade Ré comercializasse o que não possuía para comercializar, bem como não devolvesse aquilo que recebeu indevidamente..

Logo, como inequívoco resta, o negócio jurídico celebrado entre o Autor e a sociedade Ré é absolutamente nulo.

b) o Código do Consumidor

6) As atitudes da sociedade Ré são, também, punidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Vejamos:

Art. 37 – é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

Parágrafo 1° – é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer ou-tro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Parágrafo 2° – é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Art. 66 – fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena – detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

Parágrafo 1° – incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.

Parágrafo 2° – se o crime é culposo:

Pena – detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.

Ora… in casu sub judice, é inequívoco que a sociedade Ré promoveu – como promove – publicidade falsa e abusiva.

Falsa porque informa prazos que não pode cumprir, eis que sequer possui aquilo que coloca a venda – fato somente alertado às vítimas que com ela contratam ao depois de efetivado o pagamento.

Abusiva porque se aproveita da deficiência de julgamento e da experiência de uma criança;-

c) o Código Penal

7) As cibertapeações cometidas pela sociedade Ré estão, ainda, tipificadas no artigo 173 do Código Penal, a saber:

Art. 173 – abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Ora, o abuso de incapaz através de propaganda falsa e abusiva é evidente, in casu;-

d) o Estatuto da Criança e do Adolescente

8) Finalmente temos que a sociedade Ré violou, outrossim, diversos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990). Ei-los:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexa-tório ou constrangedor.

Evidente resta que as atitudes da sociedade Ré se prestam para desrespeitar os valores e idéias, tanto sociais quanto morais, do Autor, eis que educado a cumprir e observar as leis, vê que outros a não respeitam. Tais atitudes implicam em tratamento vexatório para o Autor. Afinal, ¿tendo pago pela mercadoria não deveria a receber? Enfim, a sociedade Ré fez com que o Autor se sentisse ludibriado;-

III – do pedido

9) O modus operandi da sociedade Ré é censurável. Seu enriquecimento sem causa não pode ser tolerado. Não pode deixar de ser punida por negociar com quem não poderia negociar; por prometer o que não cumpre; por abusar de incapazes.


Portanto, além da resilição do contrato, deve ser o Autor compensado pelos aborrecimentos causados pela sociedade Ré, os quais são estimados em cem vezes o valor da compra, a saber, R$ 7.235,00 (sete mil e duzentos e trinta e cinco reais)

Ex Positis, aguarda o Autor que a presente ação de resilição contratual cumulada com perdas e danos seja julgada procedente em todos os seus termos, condenando-se, pois, à final, a sociedade Ré ao pagamento de R$ 7.307,35 (sete mil e trezentos e sete reais e trinta e cinco centavos), corrigidos na forma da lei.

Requer, também, o Autor que a sociedade Ré seja citada, pelo correio, na pessoa de seu representante legal, para, em querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia, bem como sejam intimados os digníssimos membros do Ministério Público para a promoção das medidas que julgar necessárias, bem como o senhor doutor Curador de Menores.

Nestes Termos, protestando-se provar a verdade do aqui alegado por todos os meios em direito admitidos, notadamente pelo depoimento pessoal do representante legal da sociedade Ré, desde já requerido, sob pena de confissão, e oitiva da testemunha abaixo arrolada que comparecerá independentemente de intimação, a essa juntam-se cópias e documentos, dá-se-lhe o valor de R$ 72,35 (setenta e dois reais e trinta e cinco centavos) e

E. Deferimento

São Paulo, 11 de setembro de 2000

Amaro Moraes e Silva Neto

OAB/SP Nº 38.203

Veja a Apelação

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Trigésima Vara Cível do Foro João Mendes Júnior:

Processo nº 000.00.609665-7

Yuji Moraes e Silva, nos autos do procedimento sumário de resilição contratual cumulado com perdas e danos proposto contra a empresa Submarino S/A, todos qualificados nos autos do referido processo, em trâmite perante esta E. Vara, por seu advogado in fine assinado, consoante as prerrogativas que lhe são deferidas, vem apelar integralmente do R. Decisum de fls. 26 Et 27, de acordo com as razões inclusas a este petitório.

Nestes Termos, aguardando-se a oportuna remessa dos presentes autos à Superior Instância, uma vez obedecidas as demais formalidades legais, notadamente quanto á citação da Ré-apelada bem como juntando as respectivas guias comprobatórias do recolhimento das custas,

E. Deferimento.

São Paulo, 23 de outubro de 2000.

Amaro Moraes e Silva Neto

O.A.B./S.P. nº 38.203

Razões da Apelação

Apelante: João Yuji De Moraes E Silva

Apelada: Submarino S/A

Egrégio Tribunal,

Colenda Câmara!

Inicialmente, nós subscritor desta, queremos evidenciar nossa profunda admiração e nosso inegável respeito ao excelentíssimo julgador a quo, cujo estofo das decisões – tanto social, quanto jurídico, quanto pretoriano – vivifica nossa fé no Judiciário. Entremente, in casu sub judice, vez que a vida é variedade infinita, o excelso magistrado a quo não agiu com o habitual acerto e esperada equanimidade sendo certo, segundo entendemos, a integral reforma do r. decisum contra o qual nos rebelamos. Vez que lacônica a r. sentença apelada, justifica-se sua transcrição para que sejam evitadas remissões desnecessárias. Ei-la, ex vi:-

A petição inicial merece pronto indeferimento, posto que é inepta e o autor não possui interesse de agir.

Com efeito, o autor requereu, um primeiro momento, a rescisão contratual. Entretanto, como consignou na petição inicial (fls. 06), a ré já comunicou que “seu pedido foi cancelado”.

Ora, não há que se falar em rescisão contratual se o contrato entre as partes, compra e venda, já foi resolvido. Não há mais negócio jurídico entre as partes.

Por outro lado o autor não apontou qual o fundamento da condenação da ré no pagamento de cem vezes o valor da compra do produto, não obstante ter apontado violação ao código civil, ao código penal, entre outros. O autor esqueceu de apontar o fundamento jurídico para que a ré fosse condenada em quantia tão elevada, até porque se cuida de compra de produto de pequeno valor.

Por fim fica consignado que se a ré não reembolsar o autor da quantia que lhe fora prometida, reembolso que se dará no exato valor da compra, aí sim será cabível o ajuizamento de uma ação, mas, diga-se, desde que atenda aos princípios legais e não busque locupletamento ilícita.

Ante o exposto, indefiro a petição inicial e julgo extinto o feito sem julgamento do mérito, os termos do artigo 267, incisos “I” e “VI”, combinado com o artigo 295, inciso “III” e parágrafo único, “I” e “II”, ambos do código de processo civil.

(sic et sic – cf. In fls. 26 atque 27)

A par do respeito que inicialmente ressaltamos devotar ao ilustre prolator da r. decisão sub apelatio, somos forçados a discordar, integralmente, de seu entendimento, notadamente no que diz respeito à locupletamento ilícito. Mister se faz que sua Excelência de primeiro grau saiba que se alguém objetivou se locupletar ilicitamente nesse processo, certamente não foi o Autor-Apelante, que, inversamente, é vítima. Repetindo: se alguém desejou se locupletar ilicitamente no presente feito, certamente não foi esse último.


1) Grosso modo, podemos consignar que o julgador a quo ignorou, pro primo, a Constituição Federal que é clara ao consignar que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, inciso 35).

E não poderia ser diferente. O Autor-Apelante, como deflui da leitura da vestibular, tentou comprar um jogo de videogame. Honrou sua parte e aguardou que o referido entretenimento eletrônico lhe fosse entregue, no prazo que diziam entregar. Primeira decepção: a sociedade Ré-Apelada mentia em seu anúncio ao afirmar que a entrega seria em quatro dias. Segunda decepção: a devolução do dinheiro… Ora… ¿esses motivos não são no mínimo suficientes para se evidenciar o legítimo interesse do Autor-Apelante ingressar com a presente ação?

Além disso, não olvidemos, o Autor-Apelante é um menor impúbere;

2) No que diz respeito aos prejuízos sofridos pelo Autor-Apelante, ponderemos que entre esses estão a decepção, a idéia de ter sido tapeado, a idéia de Ter que buscar tutela jurisdicional para a solução de algo que, a seu ver juvenil, nem sequer poderia geminar como problema.

Relativamente ao quantum pleiteado a título de indenização, devolvemos as palavras ofensivas de locupletamente ilícito a quem às proferiu. Contudo, atentando para os princípios que regem o direito, vemos que a equanimidade deve prevalecer em todos os julgamentos. Deve-se, como já dizia um mestre, tratar com desigualdade os desiguais, sob pena de não se lograr justiça.

Falar em muito ou pouco é relativo quando não se tem um referencial. Meu pai, por exemplo, tinha o hábito de dizer que “nada é caro, nem barato; ou se tem dinheiro, ou não”. Portanto a punição indenizatória deve ter um sentido de punição, sob pena de ser u’a mera blague. E as partes integrantes da lide devem ser valoradas (verificando-se o que repararia a dor/decepção da vítima e o montante que puniria – não liquidaria – o autor).

In casu sub judice, o Autor-Apelante entende que os polos da presente ação guardam pesos bem diversos: de um lado uma multinacional de dezenas de milhares de dólares; de outro lado um menino que, com sua mesada, comprou um videogame.

Portanto, é natural que seja penalizada a sociedade Ré-Apelante de modo que ela se sinta penalizada por ilaquear a boa-fé do ora Autor-Apelante.

No entanto, por cautela, o Autor-Apelante, e evidenciando sua confiança no espírito equânime e pretoriano do Julgador a quo, acresceu que pleiteava uma indenização equivalente a CEM VEZES o que pagou ou “ou em valor a ser fixado de acordo com o prudente arbítrio de sua Excelência”.

Qual seja, o pedido era alternativo no tocante ao quantum de indenização;

3) A conclusão é singela, Excelências. O altiloqüente Julgador a quo admitiu, estribado em razões muitíssimos próprias, que o negócio em questão já se encontra resilido eis que, como o próprio Autor-Apelante já declinara, a sociedade Ré-Apelada lhe comunicou que o pedido foi cancelado. Contudo o negócio somente poderia ser resilido ao depois de devolvido o dinheiro e indenizado o autor-apelante, como soe ocorrer em quaisquer negócios. Entretanto, por amor ao debate, admitamos que a razão assiste ao lacônico juiz a quo. Mesmo assim, não poderia julgar extinto o processo sem apreciação do mérito.

É um lídimo e universal direito ser ouvido em um Tribunal. No artigo 10º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, temos o seguinte:

Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, a ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal.

Mas o Autor-Apelante não foi ouvido…

Frente a todo o exposto, aguarda o Autor-Apelante que a r. sentença de fls. 26 e 27 seja reformada em sua integridade, determinando-se a designação de audiência para apuração dos fatos, eis que o Autor-Apelante foi, inegavelmente, cerceado em seu legítimo direito de defesa.

Posto isso, e pelo mais que dos autos consta, aguarda o Autor-Apelante que o presente recurso seja conhecido, processado e, a final, provido, no sentido de se reformar integralmente a decisão repudiada, determinando-se a designação de audiência e regular seguimento do feito para que alcancemos.

Justiça!!!

São Paulo, 23 de outubro de 2000.

Amaro Moraes e Silva Neto

OAB/SP Nº 38.203

Veja a decisão que suspende a extinção

Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo

Acórdão

Petição Inicial – Indeferimento – Pedido e compra, com pagamento, via “internet”, com recusa de entrega por inexistência de mercadoria – Cancelamento unilateral da ré – Viável o pedido rescisório e de perdas e danos – Inviabilidade do indeferimento, até que há interesse para a lide – Sentença de indeferimento de petição inicial – Apelação provida.

Vistos, relatados o discutidos estes autos de Apelação nº 988.515-0, da Comarca de São Paulo, sendo apelante João Yuji Moraes e Silva e apelado Submarino S/A.

Acordam, em Sexta Comarca de Férias Julho/01 do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do acórdão.

Voto

Trata-se de ação rescisão contratual cumulada com perdas e danos, julgada extinta, sem julgamento de mérito, por indeferimento de petição inicial, nos termos do art. 295, III, parágrafo único, I e II, do Código de Processo Civil, pela r. sentença de fls. 26/27.

Apela tempestivamente o autor (fls. 36/40), pleiteando a reforma do decisório, no sentido de que descaberia e inépcia declarada pela existência de dois pedidos formulados, rescisão e perdas e danos, renovando os fatos que geraram a frustração na aquisição de artigo anunciado pela internet pela ré, com ciência prévia da inexistência do mesmo, inobstante anunciado, daí gerando-se o pagamento por boleto bancário, mas sem recebimento da mercadoria.

Recebido o recurso, foi regulamente processado, respondido, com o devido preparo.

É o Relatório

O autor, representado por seu pai, tendo adquirido produto da ré, via Internet, através do “site” www.submarino.com ou www.submarino.com.br, com pagamento de R$ 72,35 por via de boleto bancário, aos 27.07.00, deixara de receber o produto por inexistência do mesmo em estoque da empresa ré, fato inadmissível, gerador de transtorno, havendo a ré cancelado unilateralmente o contrato. Há, assim, pedido de rescisão culposa e perdas e danos.

A circunstância do cancelamento unilateral do contrato não afasta os fatos elencados na inicial, de modo a não poder se falar em falta de interesse para a instauração da lide.

O pagamento do valor de perdas e danos tem fundamento, apenas podendo ser discutido seu valor, mas não gerando esse fato o indeferimento.

Inadequado, “data maxima venia”, o indeferimento.

Conclusivamente, dá-se provimento ao recurso para reformar a r. sentença apelada afastando a extinção e determinando o normal processamento da ação.

Participaram do julgamento os Juízes Windor Santos e Massami Uyeda.

São Paulo, 31 de julho de 2001.

Orcarlino Moeller

Presidente e Relator

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