Cobrança de imposto

'ICMS não deve incidir sobre serviços de Internet', diz advogada.

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11 de setembro de 2001, 18h26

Em 21 de junho de 2001, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou procedente, por unanimidade, recurso da Fazenda Estadual do Paraná, que, em última análise, visava tributar pelo ICMS o serviço de provimento de acesso à Internet.

Essa decisão gerou grande reação de juristas, advogados e empresários desse mercado. Muito se estudou este assunto na época em que o número de provedores de acesso à Internet cresceu, e, por fim, houve quase consenso pela não incidência do ICMS sobre esse tipo de serviço. Nem do ISS.

A análise jurídica da incidência desses dois tributos sobre o provimento de acesso à Internet, em especial do ICMS, é muito relevante pois essa incidência pode se refletir nos outros serviços relacionados à Internet, tais como hospedagem de site, contratos de linke contratos de veiculação de publicidade na Internet, bem como em serviços relacionados a outros meios de comunicação, como rádio e televisão. Vale pois relembrarmos a análise jurídica do tema para depois analisarmos seus possíveis reflexos.

O ICMS foi originalmente previsto pela Constituição Federal, em seu art. 155, II, que, ao lado da circulação de mercadorias, dá competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituir imposto sobre prestações de serviços de comunicação, ainda que tais prestações se iniciem no exterior (ICMS-Comunicação).

Para esclarecer a exata incidência do ICMS-Comunicação é preciso analisar o que é serviço e o que é comunicação, para se definir o que seja serviço de comunicação.

Todo serviço é uma obrigação de fazer alguma coisa, nunca uma obrigação de dar. A obrigação de fazer pressupõe um esforço humano do prestador do serviço para fazer alguma coisa para o tomador do serviço, que assume a contraprestação de pagar. Essa é a interpretação do Supremo Tribunal Federal no RE 116.121-3, fundamentada no art. 1.216 do Código Civil.

Prestar um serviço de comunicação seria, então, fazer comunicação para o tomador do serviço. Ou seja, seria colocar à disposição do tomador os meios para ele se comunicar com alguém. Prestar serviço de comunicação não é a atividade de o prestador se comunicar com o tomador de serviço, mas sim a atividade de possibilitar que o último se comunique com terceiros. Ou seja, o fato tributável (hipótese de incidência) não é o ato comunicativo em si (A se comunica com B), mas sim fazer com que, através do prestador de serviço, terceiros se comuniquem (A possa, A tenha os meios para poder se comunicar com B).

Do contrário, estar-se-ia tributando o ato comunicativo em si. E, para que isso fosse possível, o imposto deveria ser sobre a comunicação em si e não sobre o serviço de comunicação.

A partir dessa premissa, alguns juristas, como Roque Antônio Carraza, Marco Aurélio Grecco e Ana Paola Zonari (ainda que com ressalvas), Hugo de Brito Machado e José Eduardo Soares de Melo, concluem que os serviços de difusão, radiodifusão e divulgação de propaganda não poderiam ser tributados pelo ICMS como serviço de comunicação, pois estas atividades se caracterizam apenas como o ato comunicativo em si. As empresas de difusão e de radiodifusão estariam apenas comunicando algo (seus programas ou a propaganda dos anunciantes) ao público em geral, a pessoas indeterminadas.

O Supremo Tribunal Federal, porém, entendeu preliminarmente (o mérito ainda será discutido) que o serviço de radiodifusão é serviço de comunicação e, portanto, tributável pelo ICMS (ADIMC 1467/96 e 930/93).

Afora, por ora, essa polêmica ainda não resolvida da radiodifusão, conclui-se inicialmente que serviço de comunicação é o de colocar à disposição de terceiros meios para que esses terceiros se comuniquem entre si.

Com a privatização do setor de telecomunicação e com o avanço tecnológico mundial, muitos serviços novos foram desenvolvidos nessa área. Com isso, o setor de telecomunicações no Brasil ganhou regulamentação, legal e infra-legal, notadamente em virtude de iniciativas da Anatel e do Ministério das Comunicações.

Dentre as muitas novidades legislativas destaca-se a Lei Geral de Telecomunicações, Lei nº 9.472/97, que, em seus artigos 60 e 61, definiu os serviços de telecomunicações e criou um novo tipo jurídico, o assim chamado serviço de valor adicionado, regulamentado pela Norma 4/95 do Ministério das Comunicações, diferenciando-o expressamente dos demais.

Assim, o serviço de valor adicionado “é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações” (sic). E ainda, “serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.”


Pela definição de serviço de valor adicionado, os serviços relacionados à Internet, em especial o serviço de provimento de acesso objeto da decisão do STJ, sempre foram interpretados como serviços de valor adicionado. Isso porque, o provedor de acesso é usuário do sistema de telecomunicação, seja telefônico, seja por cabo. O provedor acrescenta novas utilidades ao serviço de comunicação prestado pelo operador da rede telefônica ou de cabo, e os serviços e atividades de um e de outro não se confundem.

Essas novas utilidades são os serviços de acesso (conexão do usuário à Internet), de armazenamento (hospedagem de site na Internet), de apresentação (provimento de conteúdo), de movimentação de informações (transmissão de dados por e-mail ou pelos próprios sites) e outros. A Anatel nunca se opôs a essa interpretação, assim como nunca regulamentou esse serviço, de valor adicionado, o que deveria fazer se fosse serviço de telecomunicação.

Repita-se, ainda que o provedor de acesso à Internet não coloca à disposição de seus clientes (terceiros) meios para que eles se comuniquem. Quem faz isso é a empresa de telecomunicação (telefonia ou cabo), que dá suporte ao provedor de acesso e ao usuário para que eles sim se comuniquem. Assim, o provedor de acesso não presta serviço de comunicação. O mesmo ocorre com os serviços de hospedagem de site e de e-mail, de fornecimento de link e de divulgação de publicidade (banners).

O prestador de serviço de hospedagem de site, de fornecimento de link e de divulgação de publicidade estaria apenas difundindo dados, endereços e imagens a receptores indeterminados, o que impossibilita a tributação pelo ICMS-Comunicação. Já o prestador do serviço de comunicação disponibiliza meios para que terceiros se comuniquem entre si. Ele é a ponte, o meio, entre dois pólos identificados, com os quais ele, prestador do serviço, tem contato. Fica bem claro que, do ponto de vista da Internet e seus usuários, os serviços não se confundem, mas se complementam.

O prestador dos serviços mencionados, relacionados à Internet, estaria prestando serviços de valor adicionado, que não são serviços de telecomunicação. Por vezes estaria prestando serviço de divulgação, o que, para a maioria da doutrina, não é serviço de comunicação. Assim, esses serviços não poderiam ser tributados pelo ICMS-Comunicação.

Corrente minoritária da doutrina sustenta que o serviço de provimento de acesso à Internet não seria serviço de telecomunicação e sim de valor adicionado, conforme a definição legal, mas que mesmo assim deveria ser considerado, para fins de tributação, como serviço de comunicação.

Isto porque, o serviço de comunicação consistiria em um agente (prestador do serviço) possibilitar que uma pessoa emita mensagens para outra, que as recebe, e vice-versa. Nos serviços relativos à Internet, caso os provedores de acesso não prestassem seus serviços aos usuários, estes não poderiam emitir e receber mensagens de e para outros usuários da Internet. Assim, tais provedores efetivamente prestariam serviço de comunicação porque possibilitam que terceiros se comuniquem entre si.

Os fundamentos da decisão do Superior Tribunal de Justiça ainda não foram oficialmente publicados. Só há o resultado do julgamento favorável à cobrança do ICMS e as informações contidas na parte de notícias do Superior Tribunal de Justiça, disponível no site deste Tribunal. Lá se transcrevem afirmações do Ministro Relator José Delgado, entre aspas, em que diz que: “… a relação entre o prestador do serviço (provedor) e o usuário é de natureza negocial visando a possibilitar a comunicação desejada. Isso é suficiente para constituir fato gerador de ICMS.”

Sobre a necessidade de o provedor se utilizar dos serviços de telecomunicação para prestar seus próprios serviços, “… não quer dizer que deixou de servir de ‘mensageiro’ na relação comunicacional entre usuário e Internet.” “… antes de tudo, é parte integrante do processo comunicacional, está relacionado com o canal físico, sendo responsável por levar um dado do seu cliente à Internet, bem como por manter a comunicação entre o emissor (Internet) e o receptor (usuário) através de seus computadores.”

“… fica fora do âmbito da tributação a comunicação gratuita, que não guarda correlação comercial.” “… a comunicação objeto da tributação, conforme já explicitado, é aquela que acarreta ônus ao usuário, ou seja, aquela em que o terceiro paga para poder emitir, transmitir e receber mensagens.”

Das transcrições não oficiais acima vê-se que o Tribunal acatou a tese da corrente minoritária, que considerou que o serviço de valor adicionado pode consistir também serviço de comunicação, mesmo que não seja de telecomunicação. Importante é saber o que o Tribunal entendeu como serviço de comunicação.


Tem-se a impressão de que, na interpretação do serviço de comunicação feita pelo Tribunal, este considerou que a própria “Internet” seria um dos pólos da relação comunicacional. Das informações do site do STJ, ainda, se depreende que o simples oferecimento de endereço na Internet para seus usuários e a disponibilização de sites para acesso seriam também considerados serviço de comunicação.

Isto significaria dizer que o serviço de comunicação pode ter um de seus pólos não identificados. Ou seja, o prestador do serviço não seria responsável por intermediar e propiciar a comunicação entre dois pólos identificados. Bastaria que ele colocasse à disposição do tomador do serviço, meios para que ele transmitisse sua mensagem para terceiros, independentemente de estes efetivamente receberem e responderem, ou mesmo, terem condições para fazer isso.

Portanto, parece que o STJ entendeu que a divulgação ou veiculação (que é o próprio ato comunicativo) onerosa de dados de terceiros seria considerada prestação de serviço de comunicação, já que a identificação dos destinatários não seria necessária.

Se assim for, no âmbito da Internet não só o serviço oneroso de provimento de acesso seria tributado pelo ICMS-Comunicação, como também os serviços de hospedagem de site, de oferecimento e armazenamento de e-mail, de divulgação de endereços de outros sites (link) e de veiculação de publicidade (banners), desde que onerosos.

Seguindo o mesmo raciocínio, fora do âmbito da Internet, a divulgação de publicidade ou de matéria paga em rádio e televisão, aberta ou fechada, seria também tributada pelo ICMS-Comunicação porque o radio difusor – titular da emissora de rádio ou televisão – estaria também prestando um serviço à pessoa que paga para divulgar sua propaganda por esses veículos a terceiros não determinados.

Para saber o exato impacto dessa decisão há de se verificar, repita-se, o que a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu como serviço de comunicação.

Vale mencionar adicionalmente que, para se ter uma posição definida do referido tribunal sobre o assunto, é necessário aguardar que a sua Segunda Turma (que, assim como a Primeira Turma, possui competência para julgar os feitos atinentes ao Direito Público) também se pronuncie a respeito.

Cabe acrescentar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça não é a última instância competente para definir o conceito de serviço de comunicação como hipótese de incidência do ICMS, mas sim o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, desde que provocado a fazê-lo, garantindo segurança jurídica aos empresários que atuam nessas áreas.

A questão ainda pende de definição jurisprudencial. Neste momento, o que se verifica é que o Tribunal estaria adotando a tese minoritária dentre os juristas que se debruçaram sobre o tema. Esperamos que essa interpretação não prevaleça, uma vez que praticamente todo o mercado de Internet vinha adotando a tese majoritária, no sentido de que o ICMS-Comunicação não incide sobre o provimento de acesso e demais serviços de valor adicionado aos serviços de telecomunicação.

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